
Luís Ricardo Fernandes Miranda informou ao presidente que estava sendo obrigado a assinar documento para pagar ilegalmente US$ 45 milhões (R$ 225 milhões) pela Covaxin a uma empresa localizada em um paraíso fiscal
O servidor concursado do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Fernandes Miranda, lotado no Departamento de Logística do órgão, informou ao presidente que estava sendo pressionado por seus superiores para assinar uma nota fiscal autorizando o pagamento antecipado de US$ 45 milhões por um lote de 300 mil doses da vacina à empresa Madison (Biotech), com sede no paraíso fiscal de Singapura, num contrato entre o governo Brasileiro e a empresa Precisa, intermediária da farmacêutica indiana Bharat Biontech.
NOTA ILEGAL
O funcionário recusou-se a assinar, já que o contrato não determinava nenhum pagamento antecipado e, além disso, segundo o próprio servidor, não é correto, num contrato entre o governo e a Precisa, o pagamento ser feito para uma terceira empresa. No dia 20 de março ele foi até o Palácio da Alvorada, junto com o irmão, o deputado Luís Miranda (DEM-DF), e os dois alertaram Jair Bolsonaro sobre o que estava ocorrendo. Segundo o servidor e o deputado, o presidente teria prometido levar o caso à Polícia Federal.
Em entrevista à CNN, na quarta-feira (23), o deputado Luís Miranda foi perguntado sobre o motivo de ter sido levado ao presidente a denúncia. Ele respondeu que, diante da pressão não usual a que seu irmão estava sendo submetido por seus superiores fez com que ele não confiasse em ninguém no Ministério da Saúde. Resolveram levar o caso diretamente a Bolsonaro. Obtiveram a resposta de que seus relatos seriam encaminhados à PF. Segundo o deputado e seu irmão, não houve mais nenhum retorno e eles não conseguiram mais nenhum contato com o Planalto.
DENÚNCIA A BOLSONARO FICOU SEM RESPOSTA
O então chefe da Policia Federal, Rolando Alexandre de Souza, disse não se lembrar se o presidente Jair Bolsonaro lhe pediu uma investigação sobre as irregularidades denunciadas por Luís Henrique Miranda e seu irmão na contratação de R$ 1,6 bilhão em doses da vacina indiana Covaxin. A CPI da Pandemia já solicitou oficialmente à Polícia Federal a informação se há algum inquérito aberto sobre esse assunto no órgão.
Se Bolsonaro pediu ou não a abertura de um inquérito para investigar as denúncias feitas pelo servidor ainda não se sabe, provavelmente não, mas, o que se sabe é que, na tarde de quarta-feira (23), em uma patética entrevista coletiva – onde não houve perguntas – o Secretário Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, ameaçou o servidor e o deputado pelas denúncias feitas e anunciou que Jair Bolsonaro já acionou a Controladoria Geral da República (CGU) contra o servidor e pediu à Polícia Federal a abertura de um inquérito para investigar os dois denunciantes.
Lorenzoni apresentou notas fiscais diferentes da que foi revelada pelo servidor do Ministério da Saúde. Nelas não havia a solicitação do pagamento antecipado que fora denunciado pelo servidor. Onyx disse que o governo pediu uma perícia no documento pela suspeita de que eles teriam sido fraudados pelos denunciantes. “Iremos solicitar um procedimento administrativo disciplinar junto à CGU, um PAD (Procedimento Administrativo Disciplinar), para investigar a conduta do servidor, já que o documento, que vou apresentar a seguir, existem indícios de adulteração do documento”, disse o ministro.
EMPRESA DESMENTIU ONYX
A insinuação do representante do governo Bolsonaro de que teria havido falsificação de documentos por parte do denunciante foi desmentida no mesmo dia pela própria Precisa, que informou ter enviado três notas diferentes e que, numa delas, havia sim o pagamento antecipado.
Como não obteve resposta quando de sua denúncia ao presidente da República, Luís Henrique Miranda apresentou os fatos ao Ministério Público Federal. Em depoimento à procuradora Luciana Loureiro, ocorrido no dia 31 de março, o servidor relatou que estava sendo forçado a assinar um documento ilegal para liberar o pagamento de US$ 45 milhões e nomeou quem o estava obrigando a fazê-lo. Era seu superior, o tenente-coronel Alex Marinho Lial, então coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde na gestão de Eduardo Pazuello.
Já haviam, por parte do MPF, fortes suspeitas de ilegalidade nos procedimentos de compra da Covaxin. O próprio Jair Bolsonaro havia intercedido pessoalmente junto ao primeiro ministro da Índia em favor do contrato que foi fechado em tempo recorde. A vacina saiu para o governo a um preço de US$ 15 por dose. É disparada a vacina mais cara de todas e qutro vezes o valor pago pela vacina da AstraZeneca. Telegrama sigiloso da embaixada brasileira em Noa Delih de agosto do ano passado informava que a representação da Bharat Biontech estimava o preço em US$ 1,4 por cada dose do imunizante.
1000% DE SOBREPREÇO
Em dezembro, outro comunicado diplomático dizia que o produto fabricado na Índia “custaria menos do que uma garrafa de água”. Em fevereiro deste ano, o Ministério da Saúde pagou US$ 15 por unidade (R$ 80,70, na cotação da época) – a mais cara das seis vacinas compradas até agora. O resultado final, ente a primeira oferta e o contrato assinado pelo governo brasileiro há um sobrepreço de 1000%.
Mas o preço da Covaxin também tem gerado controvérsia dentro da Índia. O imunizante foi vendido ao governo indiano por 150 rupias (cerca de US$ 2 ou R$ 10), enquanto o preço para os governos estaduais foi bem mais alto – variou entre 400 rupias e 600 rupias (R$ 27 a R$ 40). Já o valor fixado para venda a clínicas privadas se assemelha ao cobrado do governo brasileiro: 1.200 rupias (cerca de US$ 16 ou R$ 80).
A procuradora Luciana Loureiro, do MPF, cita ainda em seu relatório que a Precisa atua em conjunto com a empresa Global Saúde, cujos sócios são os mesmos. A Global “há pouco mais de três anos, entabulou contrato para venda de medicamentos ao Ministério da Saúde”. A Global é alvo de ação na Justiça Federal do DF por ter recebido R$ 20 milhões da pasta para fornecer remédios que nunca foram entregues. O negócio foi feito em 2017, quando o ministério era chefiado pelo atual líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR). Passados mais de três anos, o ministério ainda não foi ressarcido. O ex-ministro e servidores da pasta também são alvo da ação por improbidade administrativa.
SÉRGIO CRUZ