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Na última coletiva em Madri, na Espanha, antes do amistoso da seleção brasileira contra a Espanha, o atacante Vini Jr. se emocionou e mostrou uma mescla de sofrimento e resiliência ao tratar sobre o tema racismo durante a entrevista. O gancho do jogo é justamente a luta contra a discriminação racial.
De onde vem essa força para lutar? “Por todas as pessoas que torcem por mim, me acompanham, e me mandam mais mensagens para lutar com eles. Tenho força grande dentro de mim, na família, em casa”, disse.
O painel com a logo da CBF em preto e branco e o slogan “uma só identidade” evidenciavam que a partida tem demandas além das esportivas. E a voz de Vinicius deixou a mensagem evidente.
“É cada vez mais triste. Cada vez eu tenho menos vontade de jogar”, disse. “Acredito que seja muito triste tudo que eu venho passando a cada jogo, a cada dia, a cada denúncia vai aumentando. É muito triste, não só eu, mas todos os negros que sofrem no dia a dia. O racismo verbal é minoria perto de tudo que os negros passam no mundo”, continuou.
“Meu pai sempre teve dificuldade por ser negro. Entre ele e um branco, sempre vão escolher um branco. Tenho lutado bastante por tudo que tem acontecido comigo. É desgastante por estar meio sozinho. Já fiz tantas denúncias e ninguém é punido, nenhum clube é punido. A cada dia, luto por todos que passam por isso. Se fosse só por mim e pela família, não sei se continuaria. Mas fui escolhido para defender uma causa bem importante e que eu estudo a cada dia para que no futuro meu irmão de cinco anos não passe pelo que estou passando”, disse.
A entrevista contou com posicionamentos mais relevantes do que a partida de terça-feira (26), às 17h30 (de Brasília), no Estádio Santiago Bernabéu, do Real Madrid, clube que joga. Vini se abriu, chorou e se consolidou ainda mais como referência na causa antirracista.
“Quero agradecer desde já a todos os jogadores da Espanha que sempre que dão entrevista estão me apoiando, fazendo tudo para que a Espanha mude seu pensamento. Não só a Espanha, em todo lugar tem muito racismo. Espero que a gente possa fazer tudo para diminuir cada vez mais o racismo. Os jogadores da Espanha estão me ajudando muito, falando coisas que no início só eu falava. Sempre peço que Fifa, Conmebol, Uefa possam fazer mais coisas, como a CBF está fazendo, vem me ajudando para que possamos evoluir como seres humanos, para que todos possam estudar para ver o que os pretos passam e passaram. O que eu passo não é nem perto do que todas essas pessoas passaram. Eu quero lutar por aqueles que são pretos”, afirmou Vini.
Quando perguntado sobre os ataques que sofre na Espanha, Vini afirmou: “Acredito que eles têm que falar menos de tudo o que eu faço de errado dentro de campo, é claro que tenho que evoluir, mas tenho 23 anos, é um processo natural, saí muito novo do Brasil, não pude aprender tantas coisas. Tenho 23 anos e sigo estudando. Por que os repórteres da Espanha, que são mais velhos do que eu, não podem estudar e ver o que realmente está acontecendo? Cada vez estou mais triste, cada vez tenho menos vontade de jogar, mas vou seguir lutando”.
Sobre o que frustra mais nos casos, Vini disse que é preciso punir mais quem ofende.
“A falta das punições. Se a gente começar a punir todas essas pessoas que cometem crime e aqui eles não consideram crime, vamos começar a evoluir, tudo vai ficar melhor para todo mundo. Faço tantas denúncias, muitas vezes chegam cartas para fazerem mais denúncias, mas no final acontece como aconteceu com meu amigo em Barcelona, eles arquivam o processo e ninguém sabe de nada. Se a gente começar a punir essas pessoas, não que eles vão mudar o pensamento, mas vão ficar com medo de falar, seja no estádio, onde tem câmeras… e assim vamos diminuir isso, colocar medo naquelas pessoas. E que eles possam também educar seus filhos. Muitas vezes aqui tem criança me xingando e eu não culpo a criança, porque eles não entendem, eu na idade deles não entendia o racismo. É complicado”, disse.
“No futebol tem muitas pessoas, tantos jogadores melhores do que eu que já passaram por aqui, eu quero fazer com que as pessoas no mundo possam evoluir, melhorar, que possamos ter igualdade, que num futuro próximo haja menos casos de racismo, que as pessoas negras possam ter uma vida normal, como as outras. Quero seguir lutando por isso. Se fosse por mim, eu já teria desistido, fico em casa, ninguém vai me xingar, fazer nada comigo… Eu vou para os jogos com a cabeça centrada no jogo para fazer o melhor para minha equipe, mas nem sempre é possível. Tenho que me concentrar muito todos os dias”, afirmou Vini, chorando.
Sobre se sentir escutado e dar voz a luta antirracista, Vini concluiu: “Hoje entendo mais sobre o racismo, por isso falo com mais propriedade, venho estudando, vendo o que as pessoas passaram. Muhammad Ali ficou sem lutar por essa causa, para lutar pelos seus, eu estou aqui para falar pelo Brasil. Com os brasileiros me sinto mais acolhido, é meu país, onde as pessoas realmente me defendem e posso falar com tranquilidade, pois falo português e posso me expressar melhor”.
“Que possamos estar todos juntos defendendo um por um, as coisas podem melhorar, nós que somos negros sabemos que tudo temos que fazer dobrado. Se estamos juntos, é melhor para mim, para você, para sua família. Há muitos que nos defendem, mas não têm a força que temos, de passar por isso todos os dias. Só quem é negro sabe o que passamos. Temos que seguir juntos”, afirmou.