O que chama atenção no caso da Cervejaria Petrópolis (ou, atualmente, Grupo Petrópolis) – cujo dono foi denunciado à Justiça, na sexta-feira (13/12), por 637 crimes de lavagem de recursos ilícitos, além de organização criminosa – não são as suas atividades de lavanderia e operadora de propinas da Odebrecht, já muito conhecidas por dezenas de depoimentos, talvez mais do que dezenas.
O que chama atenção é a soma dessas operações de distribuição de propinas e lavagem, em suma, a sua magnitude: uma movimentação de R$ 1.104.970.401,16 (um bilhão, 104 milhões, 970 mil, 401 reais e 16 centavos), em um total de 642 operações.
É verdade que isso corresponde ao período 2006-2014, isto é, oito anos. Mesmo assim, significa média superior a R$ 138 milhões por ano – e é claro que, nesse caso, a média diminui a magnitude do crime.
Fora isso, a outra coisa espantosa é que somente agora o dono da Cervejaria Petrópolis, Walter Faria, esteja sendo levado a responder à Justiça, como linha auxiliar da corrupção por atacado no país.
O que fazia a Cervejaria Petrópolis (além de cerveja, evidentemente)?
Muitas coisas.
Até pagar três palestras de Lula (a US$ 200 mil cada uma), a Cervejaria Petrópolis pagou: uma em Atibaia (SP), em outubro de 2013 (tema: “Brasil: Novos Investimentos e Confiança no Futuro”); outra em Alagoinhas (BA), no mês seguinte (tema: “O Novo Papel do Nordeste no Brasil”); e mais uma em Itapissuma (PE), em abril de 2015 (tema: Novo Nordeste: Desenvolvimento Regional, Geração de Empregos e Inclusão Social).
Haja interesse da Cervejaria Petrópolis nas profundas ideias de Lula! A ponto de gastar US$ 600 mil (seiscentos mil dólares) para ouvir – e fazer outros ouvirem – essas originalíssimas ideias!
Mas, voltemos à denúncia feita agora pelo Ministério Público.
Vamos resumir: um problema do departamento de propinas da Odebrecht (o “Setor de Operações Estruturadas”) era como distribuir as propinas. Usar malas cheias de dinheiro era um expediente pouco seguro, até porque seriam necessárias muitas, muitas, muitas e muitas malas.
Mas existia outra razão pela qual tal procedimento era inviável: uma grande parte dos recursos, manejados pelo departamento de propina, estava no exterior.
Por isso, o “Setor de Operações Estruturadas” tinha, além dos funcionários da Odebrecht, “operadores” e doleiros que faziam parte do serviço. Um deles, Olívio Rodrigues, estabeleceu contato com a Cervejaria Petrópolis, em julho de 2006, por intermediação de um banco que atua em bordéis fiscais do Caribe, o Antigua Overseas Bank.
Nas palavras de Olívio Rodrigues, em seu depoimento:
“Conheci Sílvio [Pelegrini], contador da Cervejaria Petrópolis, através de Luiz França, em uma reunião no escritório de representação do AOB [Antigua Overseas Bank], na Rua Helena, 253, 6º andar [São Paulo-SP], em julho de 2006. Eu tinha uma demanda da Odebrecht e Luiz França [funcionário do Antigua Overseas Bank] nos colocou em contato. A empresa Odebrecht precisava de alguém que disponibilizasse reais no Brasil e quisesse receber o equivalente, em dólar, no exterior, e a Cervejaria tinha interesse nessa operação.”
Mais adiante:
“Tenho conhecimento de uma conta no exterior de nome LEGACY, aberta junto ao Banco AOB, cujo beneficiário era uma pessoa chamada Sílvio, contador da empresa. Nesta conta, foi feita a compensação de valores já disponibilizados em reais no Brasil. Em 2007, foi pago nesta conta 25 milhões e quinhentos mil dólares e em 2008 cerca de 73 milhões de dólares.” (cf. MPF, Denúncia AP nº 5077792-78.2019.4.04.7000, p. 19, nota).
Assim, a Cervejaria Petrópolis passou a fornecer reais, no Brasil, ao departamento de propinas da Odebrecht e receber em dólares, no exterior. Isto era feito, “mediante a cobrança de porcentagem do valor das operações” pela Cervejaria, o que ficou registrado nas planilhas do “Sistema Drousys”, usado pelo “Setor de Operações Estruturadas” da Odebrecht (v. página 20 da Denúncia).
Por exemplo:
Entretanto, a coisa não ficou aí.
A Odebrecht não queria aparecer como grande doadora de campanhas eleitorais – para não chamar atenção para a lavagem que era feita através de doações supostamente lícitas, que eram, na verdade, repasses de propina.
Daí, um dos executivos da Odebrecht, Benedicto Júnior, conversou com Walter Faria, o dono do Grupo Petrópolis, para que “doações” eleitorais da Odebrecht fossem feitas pela Cervejaria, que receberia uma comissão por esse serviço de ocultamento.
Assim, o Grupo Petrópolis entrou na distribuição direta de propina camuflada como doação eleitoral.
No depoimento de Benedicto Júnior:
“… uma vez que esta [a Odebrecht] não queria aparecer ostensivamente como uma grande doadora de campanha, passei a solicitar que o Grupo Petrópolis efetuasse doações eleitorais a diversos partidos políticos e candidatos de interesse da Companhia. Em razão disto, entre outubro de 2008 e junho de 2014, acumulou-se uma dívida não contabilizada da Companhia junto ao Grupo Petrópolis, na ordem de R$ 120 milhões. Ao longo desses anos, por ocasião dos períodos eleitorais, eu indagava diretamente ao Sr. Walter Faria acerca do limite disponível do Grupo Petrópolis para doações em nosso interesse. Após informar-me acerca do limite disponível, eu lhe indicava a expectativa da Companhia quanto a essas doações, e acordávamos um valor. No início de cada período eleitoral, eu passava ao Sr. Walter Faria uma lista de candidatos com os respectivos valores de apoio. As doações eram realizadas pelas empresas Leyroz e Praiamar” (cf. Denúncia cit., p. 44, nota).
Todos os depoimentos foram comprovados pelas planilhas e e-mails apreendidos no “Setor de Operações Estruturadas”.
Além disso, ficou provado, através da colaboração internacional, que Faria:
1) Na conta da empresa de fachada Legacy International, no Antigua Overseas Bank, em Antigua e Barbuda, recebeu US$ 95.580.401 (95 milhões, 580 mil e 401 dólares) da Odebrecht, de setembro de 2006 a outubro de 2008.
2) Na conta da Headliner Limited, outra empresa de fachada, Faria recebeu US$ 6.254.971 (seis milhões, 254 mil e 971 dólares), entre outubro de 2007 e setembro de 2008.
3) Na conta da Sur Trade Corporation (mais uma empresa de fachada), no EFG Bank, na Suíça, o recebimento de dinheiro da Odebrecht foi um pouco mais modesto: US$ 433.527 (433 mil e 527 dólares).
4) Mas na conta da Somert Montevideo, no mesmo banco suíço da cidade de Lugano, a Odebrecht depositou, para Faria, US$ 18.094.153 (18 milhões, 94 mil e 153 dólares), de agosto de 2011 a outubro de 2014.
Faria declarou, no programa de “repatriação” de dinheiro do governo Temer, que tinha R$ 1,3 bilhão, aliás, quase R$ 1,4 bilhão (mais precisamente: R$ 1.393.800.399,02) em contas de empresas de fachada no exterior. Assim, “legalizou” dinheiro ilícito, apesar da lei que instituiu o programa (Programa de Regularização de Ativos no Exterior) proibi-lo.
Segundo relatório das autoridades suíças, somente no EFG Bank, de Lugano, há 38 empresas de fachada estabelecidas por Faria, com suas respectivas contas.
Além de Walter Faria, foram denunciadas pelo Ministério Público outras 22 pessoas – funcionários da Cervejaria Petrópolis, da Odebrecht e do Antigua Overseas Bank.
NAVIOS-SONDA
O dono da Cervejaria Petrópolis já fora denunciado, no último mês de agosto, por sua participação na distribuição de propinas referentes aos navios-sonda Petrobras 10000 e Vitória 10000.
Entre setembro de 2006 e novembro de 2007, Júlio Camargo e Jorge Luz, hoje notórios como “operadores” de propina (e condenados por corrupção ativa), depositaram US$ 3.686.869,21 (três milhões, 686 mil, 869 dólares e 21 cents) em contas, na Suíça, das empresas de fachada Headliner e Galpert Company – as duas, do dono da Cervejaria Petrópolis.
O dinheiro, em 12 depósitos, correspondia aos reais fornecidos pelo Grupo Petrópolis para propinas com origem na construção dos navios-sonda Petrobras 10000 e Vitória 10000, pela Mitsui e pela Samsung. Parte desse dinheiro foi usado para subornar alguns próceres do então PMDB para manter Nestor Cerveró na diretoria internacional da Petrobrás.
O padrinho anterior de Cerveró era Delcídio do Amaral, do PT; mas a diretoria internacional foi “concedida” ao PMDB por acordo com o PT. Cerveró, então, prometeu US$ 6.000.000 (seis milhões de dólares) para alguns próceres do PMDB, articulados pelo então presidente da Transpetro, Sérgio Machado, mas acabou substituído por Jorge Zelada.
Em compensação, Cerveró foi nomeado diretor financeiro da BR Distribuidora. O que não era pouca compensação.
[Para esse caso, ver nosso livro Os Crimes do Cartel do Bilhão contra o Brasil: o esquema que assaltou a Petrobras, Fundação Instituto Cláudio Campos, 2016, especialmente o capítulo 16, Como o esquema do PT cobriu o esquema de Cunha e do PMDB e o capítulo 19, Os negócios do deputado Eduardo Cunha segundo relato de Fernando “Baiano”; ver, também, a Denúncia do MPF neste outro processo.]
C.L.