
“Judeus fiéis à Torá em todo o mundo estão horrorizados, envergonhados e profundamente entristecidos pela opressão, tortura e genocídio horrendos”, disse o rabino ortodoxo
O rabino Yisroel Dovid Weiss condenou o ataque genocida do governo Benjamin Netanyahu contra o povo palestino e defendeu o fim do ‘Estado sionista de Israel’ durante uma sessão solene na Câmara dos Deputados, na quarta-feira (2).
O evento em memória aos 77 anos da “Nakba” — termo árabe que significa “catástrofe” e se refere à expulsão de milhares de palestinos de suas terras em 1948, com a criação de Israel foi realizado por iniciativa de parlamentares do PT. Weiss, integrante do grupo ortodoxo Neturei Karta, argumentou que o sionismo é contrário ao judaísmo e declarou que “o Estado de Israel tem que acabar”.
“Judeus fiéis à Torá em todo o mundo estão horrorizados, envergonhados e profundamente entristecidos pela opressão, tortura e genocídio horrendos que estão sendo cometidos em Gaza neste exato momento, bem como pelos ataques a outras nações, como Líbano, Síria, Iêmen e Irã, todos cometidos em nome da religião judaica e do povo judeu”, disse o rabino.
O rabino participou da solenidade ao lado de representantes palestinos, diplomatas e ativistas. Weiss, integrante do grupo ortodoxo Neturei Karta — fundado em 1938 e conhecido por sua oposição à existência de Israel — utilizou a tribuna para distinguir judaísmo e sionismo, reiterando sua rejeição ao Estado israelense. Em sua fala, declarou que “o Estado de Israel tem que acabar” e reforçou que a crítica ao sionismo não se confunde com antissemitismo: “Ser contra o Estado sionista de Israel não é ser contra os judeus nem ser antissemita”.
Segundo ele, o Estado israelense representa justamente o contrário da tradição judaica. “Na verdade, o Estado de Israel é a personificação e a definição mais clara do antissemitismo”, afirmou. Em sua visão, o projeto sionista provocou destruição, morte e divisão dentro e fora da comunidade judaica: “A diferença de religião nunca foi causa de conflito. A ocupação sionista da Palestina é a causa principal do derramamento de sangue trágico e contínuo que ocorre há mais de 100 anos tanto de árabes quanto de judeus”.
Durante o discurso, o rabino fez um apelo terminológico: “Nunca se refiram ao Estado de Israel como Estado judeu. Isso apenas serve para fortalecer e legitimar o Estado de Israel e suas acusações de antissemitismo. Por favor, refiram-se a ele como ‘Estado sionista’ e as pessoas que o apoiam como ‘sionistas’ não judeus. Judaísmo, sim. Sionismo, não”.
77 ANOS DA NAKBA
A sessão solene foi articulada por 30 parlamentares do PT, entre eles o ex-ministro Paulo Pimenta (RS) e o líder da bancada, Lindbergh Farias (RJ). Segundo os organizadores, o objetivo era lembrar os impactos da Nakba na vida do povo palestino e defender seus direitos históricos e humanitários. O deputado Padre João (PT-MG), um dos signatários do requerimento, afirmou que a Câmara tem o dever de debater os direitos humanos em âmbito internacional.
“Mais de 400 aldeias e vilarejos foram destruídos, apagando da geografia séculos de história e memória. A comunidade internacional deve impor consequências reais às violações do direito internacional. Ninguém está acima da lei, e crimes contra a humanidade não podem permanecer impunes, independentemente de quem os cometa”, declarou.
O parlamentar também destacou que mais de 9 milhões de palestinos vivem atualmente como refugiados em outras regiões do mundo, e que o êxodo iniciado em 1948 deslocou cerca de 750 mil pessoas. Ao final da cerimônia, parte dos presentes entoou a frase “do rio ao mar, Palestina livre já”, uma consigna que defende a total libertação do território palestino, do rio Jordão até o mar Mediterrâneo, o que implicaria o fim de Israel como Estado.
O embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, também participou da sessão e denunciou o que chamou de “degradação humana” vivida pelos palestinos nos territórios ocupados. “Hoje, o que se vive nos territórios ocupados, especialmente na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, inclusive em Jerusalém, é insuportável, e não pode ser mais adiado ou ignorado. Todos os dias, centenas de pessoas são mortas ou feridas, vítimas não apenas do bombardeio, mas também de fome, sede e humilhação”, disse.
Ahmed Shehada, presidente do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal), afirmou que a Nakba representa o início de um sofrimento contínuo. “Mais de 2/3 dos habitantes da Faixa de Gaza são refugiados descendentes dos que foram expulsos em 1948”, destacou, referindo-se à atual ofensiva militar de Israel sobre o território palestino.
Durante o evento, o deputado Paulo Pimenta criticou duramente o governo israelense e classificou os ataques em Gaza como “genocídio”. Ele defendeu o rompimento formal das relações entre Brasil e Israel e anunciou a apresentação de um projeto de lei para criar o Dia da Amizade Brasil-Palestina, a ser comemorado em 29 de novembro — data reconhecida pela ONU como o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino. A proposta surge em reação à promulgação, pelo Senado, do Dia da Amizade Brasil-Israel, fixado em 12 de abril, que não teve endosso público do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A política externa brasileira, sob o governo Lula, tem demonstrado crescente distanciamento de Israel. Em maio de 2024, o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, foi removido de seu posto, e desde então não houve nomeação de substituto — atitude interpretada como sinal de reprovação diplomática. Lula também foi declarado “persona non grata” por Israel após comparar a ofensiva militar em Gaza ao extermínio de judeus no Holocausto. Weiss concluiu seu pronunciamento reiterando que sua oposição ao Estado israelense está enraizada na fé e na tradição religiosa: “A fé proíbe judeus de criar uma soberania por ocupação, roubo e assassinato”, declarou. Ele reforçou que o grupo ao qual pertence, o Neturei Karta, só reconheceria a existência de um Estado judeu legítimo com a chegada do messias, conforme sua crença religiosa.
Assista a íntegra da sessão: