
Fechar a porta de abrigos, diante de palestinos israelenses, se tornou discriminação racista criminosa comum por estes dias
Árabes, moradores da cidade de Yaffa, informaram ao jornal Middle East Eye, que foram barrados por judeus israelenses à entrada do abrigo antiaéreo localizado na rua onde moram.
São moradores da rua Yehuda Yamit, onde, de um lado, moram árabes e do outro lado da rua, judeus. A cidade de Yaffa, ao lado da qual os sionistas construíram Tel Aviv, é de população mista (árabes e judeus). Na palestina, antes da Nakba (a expulsão de perto de 800 mil palestinos em 1948), Yaffa era uma cidade árabe com um próspero porto palestino e que sofreu uma enorme redução de população árabe, vindo a ser ocupada, em grande parte, por invasores judeus. Grande parte da população da cidade foi deslocada, sob terrorismo do nascente Israel, para o sul, para campos de refugiados em Gaza, hoje devastada pelo bombardeio do regime de apartheid que se instalou.
Os árabes vinham usando o abrigo de um prédio vizinho, uma vez que seu prédio antigo, de quatro andares, não o possuía. Desde o primeiro dia de bombardeio, eles sentiram que sua presença no abrigo não era bem-vinda pelos judeus vizinhos.
O morador árabe, Nasir Ktelat, de 63 anos com problemas de saúde, de um apartamento no quarto andar, do outro lado da rua do abrigo, disse que ele e outros moradores de seu prédio receberam permissão de entrar por um síndico que lhes forneceu o código para entrarem no abrigo.
Mas assinalou que quando eles entraram no abrigo no fim de semana, “estava claro que os judeus não ficaram felizes em nos ver”.
Já na segunda-feira, 16, quando as sirenes voltaram a soar, os árabes perceberam que o código de entrada no abrigo fora trocado. Segundo Ktelat, os vizinhos judeus lhes admitiram: “’Tomamos a decisão de que não queremos que vocês venham e mudamos o código’”.
Pela legislação brasileira, e de qualquer país civilizado, os judeus da rua Yamit cometeram dois crimes ao mesmo tempo: o primeiro é negar assistência a pessoas em risco de vida e o segundo, igualmente gravíssimo, é fazer isso por racismo assumido. “Esta é a nossa realidade e não algo novo para nós”, observou Ktelat.
A manifestação aberta de racismo criminoso na rua Yehuda Yamit se repetiu em outras localidades. A discriminação se faz presente para os palestinos que permaneceram em Israel, após a Nakba, se faz escancaradamente presente, como expõe a jornalista Aseel Mafarjeh, da rede Al Jazeera, “quando os mísseis iranianos começam a cair sobre Israel e as pessoas correm em busca de abrigo ao toque de sirenes ouvidas por todo o país”.
“Mas para parte dos palestinos, cidadãos de Israel”, descreve Aseel, “dois milhões de pessoas, ou cerca de 21% da população, têm as portas dos abrigos batidas no rosto, não pela força das explosões, mas pelos vizinhos e, supostamente cidadãos como os judeus israelenses”.
“A maioria destes palestinos vivem em cidades e aldeias dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas de Israel e se viram excluídos da infraestrutura de abrigos durante as últimas noites”, diz a jornalista.
É o que aconteceu, conta Aseel, com “Samar al-Rashed, uma mãe solteira de 29 anos que vive em um condomínio de maioria judaica perto da cidade histórica de Acre”.
“A sua experiência de exclusão veio na sexta-feira, 20. Samar estava em casa com sua filha de cinco anos, Jihan. Quando o som das sirenes tomou conta do ar, alertando para a vinda de mísseis, pegou a filha pela mão e correu para um dos abrigos do prédio”.
“Não tive tempo de pegar minhas coisas, apenas água, celular e a mão da minha filha”.
“A mãe tentava acalmar a filha, falando gentilmente em árabe, enquanto descia os degraus correndo, descendo junto com outros moradores”, diz ainda a jornalista.
“Mas quando à porta do abrigo, um residente israelense, que a ouvira falar em árabe, barrou a entrada”.
“Eu fiquei impressionada, disse Samar. Falo hebraico fluentemente, tentei explicar, mas ele olhou para mim, contrariado, e apenas disse: ‘Não é para você’”.
Fato similar aconteceu com outra enfermeira palestina, como relata o Middle East Eye.
Ela teve a entrada em abrigo negada, perto de onde vive e trabalha, nas proximidades da cidade portuárias de Haifa.
Por segurança, ela pediu anonimidade ao contar que estava dirigindo para fazer atendimento em residências na Krayot (pequenas cidades ao norte de Haifa, na manhã de sexta-feira, quando as sirenes começaram a tocar.
Ela disse acreditar que aqueles que lhe recusaram a entrada a reconheceram e sabiam que ela trabalha em uma clínica local, mas a impediram de entrar mesmo assim. Ela estava usando o jaleco no momento.
“Quando o alerta soou”, conta, “parei o carro. Eu vi outros israelenses correndo em direção ao abrigo e também fui para lá”.
“Mas quando cheguei ao abrigo me disseram: ‘Não, você é árabe’ e fecharam a porta”.
Ela relata que a discriminação contra palestinos profissionais de saúde piorou desde outubro de 2023, quando, depois do ataque da Resistência Palestina serviu de pretexto para o genocídio de palestinos em curso.
“Eu forneço serviço médico a esta comunidade e trabalho nas suas cidades. Eles me conhecem, são meus pacientes e os conheço a todos”, disse, chocada, a enfermeira.
Depois de ter a entrada no abrigo negado, ela buscou proteção debaixo de uma escada. “Foi quando eu vi uma israelense de origem russa caída no chão. Eu a ajudei a se pôr de pé e procurei acalmá-la. Eu sou humana, antes de ser árabe ou muçulmana, ou judia e não vou perder minha humanidade”.
Em ainda outro episódio, trabalhadores palestinos que atuam na construção na cidade de Ramat Gan (vizinha a Tel Aviv), foram também impedidos de entrar em abrigos. Eles são moradores da cidade drusa de Daliyat Al Carmel (os drusos se aliaram aos israelenses durante a implantação do Estado). “Que os patrões que os contrataram tomem conta de vocês”, disseram os moradores de Ramat Gan aos drusos barrados na porta do abrigo.
Na mesma cidade, um trabalhador palestino foi vítima de agressão racista, após ajudar uma mulher judia grávida a sair do local arriscado onde se encontrava em um prédio de Ramat Gan. “Eu levantei a mulher nas minhas costas”, diz ele.
“Quando saí de dentro do prédio, um grupo de israelenses apontou para mim e começou a gritar: ‘Árabe, árabe, árabe, árabe’. Eu a levei nas costas durante todo o percurso desde o andar mais alto e este é o agradecimento que recebo”, diz o palestino.