A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu a necessidade de cumprir os preceitos da Constituição-cidadã de 1988, promulgada por Ulysses Guimarães, e não somente exaltá-la.
“Não basta reverenciá-la, é preciso cumpri-la”, declarou Raquel Dodge, durante discurso na solenidade do Congresso Nacional pelos 30 anos da Carta Magna, realizada nesta terça-feira (6), em Brasília. “É importante celebrá-la, para que se mantenha viva”, ressaltou a procuradora-geral.
“Muito se avançou desde a Constituição de 1988 e, por isso, é importante celebrá-la, para que se mantenha viva, aderente aos fatos, fazendo justiça e correspondendo à vida real da nação. Para tanto é preciso guardá-la. Não basta reverenciá-la, em uma atitude contemplativa: é preciso guardá-la, à luz da crença de que os países que custodiaram escrupulosamente suas Constituições identificam-se como aqueles à frente do processo civilizador, e irradiadores de exemplaridade em favor das demais nações que hesitaram ou desdenharam em fazê-lo. Os frutos deste comportamento estatal em relação à Constituição são colhidos diretamente pelo povo, que se orgulha ou se envergonha de suas instituições”, disse.
A procuradora-geral disse que a Constituição instituiu um governo civilizado e de leis, garantindo a liberdade de imprensa, de opinião, de crítica, de reunião e autonomia universitária. Ao falar destes temas abordados por nossa Carta, ela citou graves acontecimentos recentes que violam o espírito da Constituição. Ela mencionou os recentes ataques à imprensa e a orquestração bolsonarista para censurar manifestações antifascistas nas universidades. Ver aqui.
Raquel Dodge falou ainda dos avanços sociais contidos na Constituição, como a direção rumo à erradicação da pobreza e proteção do meio ambiente. “A constituição repudia toda forma de discriminação”, enfatizou. Para ela, a Constituição Federal é um marco para superar as desigualdades sociais.
De acordo com Raquel Dodge, o regime democrático “tem na defesa da dignidade e da liberdade humanas a centralidade de suas normas”. Para ela, desde a Constituição de 1988, “as instituições brasileiras tornaram-se muito mais fortes e atuam para garantir uma sociedade justa, livre e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, que são os objetivos fundamentais da República”.
Jair Bolsonaro (PSL), presidente eleito, que participou da solenidade, não aplaudiu o discurso de Raquel Dodge.
Além de ter sido denunciado pela procuradora-geral por racismo em junho, as palavras de Raquel Dodge sobre os avanços da Constituição Federal devem ter sido muito incômodas para ele. Seu vice, general reformado Hamilton Mourão, fez declarações durante a campanha eleitoral afrontosas à Constituição. Mourão disse que a Constituição de 88 foi um “erro” e que “seria muito bom que pudéssemos trocá-la”. Para ele, uma outra Constituição “não precisa ser feita por eleitos pelo povo”, expondo a intenção de abolir a atual Carta sem uma Assembléia Constituinte eleita pelo povo.
Mas em seu discurso na solenidade, Bolsonaro fez uma fala protocolar, dizendo que “na democracia só há um norte, o da nossa Constituição”.
O presidente do Congresso Nacional, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), disse que “a Constituição de 1988 é uma obra eloquente do avanço institucional, social e legislativo da civilização brasileira. É inegável que ela marca a transição para o mais longo período democrático da República Federativa do Brasil”, afirmou. O senador citou palavras do presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães, e lembrou que “a persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia”.