Corruptos de todas as siglas se aliam
Voto aberto leva bancada do PT a rejeitar a orientação do partido para aliviar o tucano
A decisão do Senado, pela completa impunidade de Aécio Neves – flagrado quando acertava uma propina de R$ 2 milhões com Joesley Batista, da JBS, com as entregas das parcelas filmadas pela PF – mostra apenas que em um tribunal composto por ladrões, os ladrões serão absolvidos. Há muito, o senso de moralidade da oligarquia política podre, que sufoca e contamina o país, é inexistente. O Senado tem 44 senadores sob investigação. Alguns, como o próprio Aécio, respondem a seis, sete, oito inquéritos. A votação, por 44 a 26 a favor de Aécio, encerra um veredicto tão definitivo quanto uma tumba, sobre esse Senado. Temer gastou R$ 200 milhões em dinheiro público para livrar Aécio. Quer ele próprio se livrar no julgamento da Câmara. De trabalho escravo até arrumar uma múmia para relator na CCJ, passando por soltar Aécio no Senado, vale tudo.
Temer gastou R$ 200 milhões em dinheiro público, liberando emendas, para fazer com que Aécio Neves voltasse ao Senado, garantido contra a ação da polícia – e, na verdade, da Justiça, uma vez que, com foro privilegiado, e o STF abrindo mão de aplicar aos parlamentares criminosos até as medidas cautelares previstas pelo Código de Processo Penal, é pouco provável que lhe aconteça algo, além de continuar delinquindo de dia e de noite, se depender do Supremo (alguém disse que, agora, auto-submetido ao Senado e à Câmara, temos um Subpremo, ao invés de um Supremo. Pois é).
Com certeza, e graças aos céus, o destino de Aécio (e de Temer) não depende apenas, nem principalmente, do STF – até porque o próprio futuro do STF depende do povo brasileiro.
FLAGRA
Um dia depois, a maioria da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou o cadavérico relatório do defuntíssimo Bonifácio de Andrada – um golpista de 64, arenista e pedessista de primeira hora, apoiador de todos os crimes da ditadura contra o povo, sequaz de Paulo Maluf (de quem foi candidato a vice-presidente em 1989), tão mentalmente caquético, que parece moldado pelo seu próprio sarcófago, enquanto espera que o diabo vise seu passaporte para escoicear no Inferno.
O próprio Paulo Maluf – ou a múmia que dizia chamar-se assim – fez uma aparição, falando sobre a sua amizade de 30 anos com Michel Temer (prova, evidentemente, da honestidade dos dois) e sobre como Lula filou uma boia em sua casa. E repetiu a ladainha lulista (v. matéria nesta página) de como a Operação Lava Jato arruinou com a economia do país.
Dizia a Bíblia, no livro dos Provérbios, que “quem anda com os sábios será sábio; mas o companheiro dos tolos acabará mal”. Ao que acrescentamos: quem vive com ladrões é porque é ladrão.
Aécio foi flagrado enquanto acertava uma propina de R$ 2 milhões com Joesley Batista, da JBS. A entrega das parcelas desse dinheiro foi, inclusive, filmada pela Polícia Federal.
Em qualquer Senado da República, no passado, seria motivo para cassação de mandato, sem apelação – o que redundaria em responder por seus crimes na Justiça comum. No entanto, o Conselho de Ética do Senado nem mesmo abriu investigação sobre Aécio: arquivou a primeira denúncia e, agora, seu presidente, João Alberto (PMDB-MA), anunciou que arquivará a segunda.
Há, no Brasil, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 221.054 presos sem condenação – a maior parte, com menos de 29 anos de idade. Quase todos – senão todos – cometeram delitos mais leves que roubar a coletividade, usando o mandato que a coletividade lhe conferiu para defendê-la.
Por que, então, Aécio Neves merece receber do Senado uma licença para roubar – além de outros crimes – enquanto 220 mil jovens, que cometeram (quando cometeram) crimes mais leves, e ainda não foram julgados, estão na cadeia?
Porque Aécio Neves tem dinheiro – e os presos são pobres e/ou negros.
Que o dinheiro de Aécio não seja dele, é coisa de pouca monta para um Senado composto, em sua maioria, por ladrões. O senso de moralidade da oligarquia política que sufoca, e contamina, o país com sua podridão, é, rigorosamente, inexistente.
Vejamos o PT, cuja Executiva Nacional, quando a primeira turma do STF afastou cautelarmente Aécio do Senado, emitiu nota, com aval de Lula, classificando a medida como “uma condenação esdrúxula, que não pode ser aceita por um poder soberano como é o Senado Federal”, “mais um sintoma da hipertrofia do Judiciário”, conclamando o Senado Federal a “repelir essa violação de sua autonomia”.
Nenhum partido – nem o PSDB – foi mais útil para elevar Aécio a criminoso acima das leis e do povo, que o PT, através desta nota, e do que disseram seus senadores nos dias que seguiram, a começar pela sua presidente, senadora Gleisi Hoffmann.
A revolta do público – inclusive de petistas; inclusive, pelo menos, um senador do PT, Paulo Paim – quase jogou a bancada e a Executiva no mar, apesar de sua distância de Brasília.
A direção do PT, no entanto, não mudou a posição. Mas a decisão da Justiça, de que a votação sobre Aécio deveria ser nominal e aberta, transtornou seus planos. Assim, os senadores petistas acabaram por votar contra Aécio – e contra a posição de sua própria Executiva, sem que esta tugisse nem mugisse. Com duas exceções: o senador Viana e a senadora Gleisi Hoffmann, que viajaram para a Rússia…
Quanto ao PSDB, horas depois de votar pela impunidade de Aécio, o senador Jereissati declarou que seu colega – que ainda é presidente nacional do partido – deveria se afastar da direção partidária.
Um articulista, Josias de Souza, resumiu a situação: para Jereissati, Aécio é bom para o Brasil, mas é uma tragédia para o PSDB.
OBSTRUÇÃO
Vejamos, então, como Aécio é importante para o Brasil. Os trechos abaixo são de sua conversa com Joesley Batista, a mesma em que ele pediu R$ 2 milhões de propina.
AÉCIO: … o Rodrigo especialmente, tinha que dar uma apertada nele, que nós tamos vendo o texto na terça-feira.
JOESLEY: Texto do quê?
AÉCIO: São duas coisas, primeiro cortar o pra trás de quem doa e de quem recebeu.
JOESLEY: E de quem recebeu.
AÉCIO: Tudo. Acabar com tudo esses crimes de falsidade ideológica, papapá, que é que na, na, na mão [dupla], texto pronto nãnã. O Eunício afirmando que tá com colhão pra votar, nós tamo. Porque o negócio agora não dá para ser mais na surdina, tem que ser o seguinte: todo mundo assinar, o PSDB vai assinar, o PT vai assinar, o PMDB vai assinar, tá montada. A ideia é votar na… Porque o Rodrigo devolveu aquela tal das Dez Medidas [o projeto popular das Dez Medidas contra a Corrupção], a gente vai votar naquelas dez… Naquela merda das Dez Medidas, toda essa porra.
(…)
AÉCIO: … Ô cara, cê tinha que mandar um, um, cê tem ajudado esses caras pra caralho, tinha que mandar um recado pro Rodrigo, alguém seu, tem que votar essa merda de qualquer maneira, assustar um pouco, eu tô assustando ele, entendeu? Resolvido isso tem que entrar no abuso de autoridade… O que esse Congresso tem que fazer.
(…)
AÉCIO: Eu voltei com o Michel ontem, só eu e o Michel, pra saber também se o cara vai bancar, entendeu? Diz que banca, porque tem que sancionar essa merda (…). O ministro é um bosta de um caralho (…). Michel tá doido. (…) ele errou de novo de nomear essa porra desse… Porque aí mexia na PF. O que que vai acontecer agora? Vai vim um inquérito de uma porrada de gente, caralho, eles são tão bunda mole que eles não (têm) o cara que vai distribuir os inquéritos para o delegado. Você tem lá cem, sei lá, 2.000 delegados da Polícia Federal. Você tem que escolher dez caras, né? Do Moreira, que interessa a ele, vai pro João.
JOESLEY: Pro João.
AÉCIO: É. O Aécio vai pro Zé.
Como disse um ministro do STF que não cedeu ao valhacouto, essa é a atividade a que Aécio vai se dedicar: obstruir a Justiça.
CARLOS LOPES