O primeiro-ministro do Haiti, Jack Guy Lafontant, renunciou ao cargo no sábado (14), uma semana após a sublevação popular que barrou a tentativa do governo, atendendo exigências do FMI, de aumentar de 38% até 51% os preços dos combustíveis no país.
A sublevação popular teve início no dia 6 de julho e foi precedido, de três dias de protestos e por uma greve geral de dois dias, na revolta se incluiram saques, incêndios de veículos e de prédios públicos, confrontos com as autoridades locais, resultando em pelo menos 4 mortes e dezenas de prisões. A rebeldia foi marcada pela exigência popular ligada ao afastamento do presidente, Jovenel Moise, assim como do primeiro-ministro.
A renúncia de Lafontant ocorreu na sessão de sábado da Câmara dos Deputados, durante uma audiência convocada pelo Parlamento para tratar da crise eclodida com os protestos dos combustíveis. “Antes de vir aqui, apresentei a minha demissão ao Presidente da República, que a aceitou”, afirmou Lafontant no parlamento, acompanhado de seus ministros.
Um dia antes, na sexta-feira, em sua conta no Twitter, Lafontant disse que não renunciaria. Porém, com os protestos dos dias 13 e 14, com milhares de haitianos exigindo a sua saída e a do presidente, ele se viu obrigado a deixar o cargo. À pressão se somou o movimento de alguns deputados que ameaçaram o primeiro-ministro com uma moção de censura, além da insatisfação manifestada por amplos setores empresariais do país.
Jack Guy Lafontant é médico e era considerado um completo desconhecido dos meios políticos até ter sua nomeação anunciada fevereiro, sendo aprovada pelo Senado, conforme articulação de seu amigo, o presidente Jovenel Moise.
Moise por sua vez, foi eleito em 2016, dando sequência ao governo do ex-presidente Michel Martelly, que renunciou ao cargo após massivas manifestações que rechaçaram o seu envolvimento em diversos escândalos de corrupção. O processo eleitoral que elegeu Moise foi marcado por varias denuncias de fraude, além da baixa participação, de apenas 20% dos eleitores no pleito.
A renúncia de Lafontant foi antecedida de um pronunciamento do presidente em rede nacional, onde Moise, ignorando o clamor das ruas que também pediam a sua saída, e aproveitando a renúncia do primeiro-ministro, tergiversou sobre “reunir todas as forças da nação, sem perder tempo, para formar um governo inclusivo, com o objetivo de aliviar o sofrimento das pessoas e desenvolver a agricultura, a energia e a infraestrutura”.
Tais mentiras foram contestadas nas ruas, durante as manifestações contra os aumentos dos preços dos combustíveis, ou mesmo durante os protestos de sexta e sábado que pediam o fim de seu governo enquanto denunciavam as calamidades vividas pelo povo haitiano. “Não se trata apenas de trocar o primeiro-ministro, porque dia após dia, as pessoas continuam sofrendo com a miséria, o desemprego, a falta de segurança e a fome”, afirmou Fleurette Pierre durante os protestos de sábado na capital, Porto Príncipe, com milhares de manifestantes empunhando cartazes exigindo “Fora Moise”.
Ao tratar das manifestações dos dias 13 e 14, que exigiam a sua renúncia, Moise as qualificou de “violência”, afirmando que estes protestos “não são compatíveis com o desenvolvimento e com a democracia”. Como se os haitianos não tivessem sido colocados diante de um violento aumento nos combustíveis a ponto de tornar praticamente impossível a sobrevivência de muitos dos cidadãos do país, já sob dificuldades extremas.
A crise instalada no Haiti foi condenada até mesmo pelo Conselho de Segurança da ONU, que no dia 12, poucos dias após a onda de protestos contrários as medidas impostos pelo FMI para aumentar os preços dos combustíveis.
Em nota, o órgão da ONU exortou o governo a agir com moderação, tendo em vista a violência que deixou ao menos 4 mortos, exortando o governo a “trabalhar com todos os principais atores” dos protestos para “garantir a segurança das pessoas” de forma a “superar os desafios enfrentados pelo país”.
A ONU encerrou sua missão de manutenção da paz no Haiti, sob a liderança do Brasil, em outubro de 2017, sendo substituída pelo governo por uma força policial encarregada de apoiar as forças nacionais.
FMI
A proposta para aumentar o preços dos combustíveis decorreu de um acordo entre o governo haitiano com o FMI, firmado em fevereiro, no qual o governo do país se comprometeu com a implementação de um pacote de ajustes econômicos, que implicariam em diversos cortes sociais, em troca de financiamento. Entre as condições impostas pelo FMI estava o fim dos subsídios do governo aos derivados de petróleo, que somam cerca de US$ 300 milhões.
Com a onda de protestos e revoltas, o FMI não recuou de suas propostas de arrocho, sugerindo uma “abordagem mais gradual” para a implementação do fim dos subsídios no preço dos combustíveis. “Os subsídios de combustível generalizados exercem uma pressão significativa sobre as contas fiscais do Haiti”, disse o porta-voz do fundo, Gerry Rice, durante uma entrevista coletiva.
Ignorando o fato de que menos de 40% da população do Haiti tem acesso à eletricidade, conforme dados de 2016 do Banco Mundial, o que faz do querosene o combustível mais utilizado na iluminação doméstica, o porta-voz do FMI chegou a afirmar que os subsídios “beneficiam desproporcionalmente os ricos”.
Quando observadas as estatísticas ligadas a fontes de energia utilizadas pelo haitianos para cozinhar, 90% da população utiliza combustíveis sólidos, como madeira e carvão, por não ter renda suficiente para comprar querosene, combustível utilizado nas cozinhas de 3% da população. O gás de cozinha é utilizado por apenas 3% da população, e a energia eletricidade utilizada para cozinhar é insignificante.
O acordo do FMI que causou essa revolta no país reconhecidamente carente de apoio para superar traumas causados pela superexploração de multis, pelos salários extrememante baixos em suas fábricas, pela intervenção externa contra o governo de Jean-Bertrand Aristide, e desastres naturais gravíssimos envolve empréstimos irrisórios de US$ 96 milhões ao Haiti, incluindo recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco Mundial e União Européia. O pacote traz em seu bojo a exigência de redução do déficit orçamentário de cerca de US$ 150 milhões, ao passo que busca reduzir a inflação do país, que está em torno de 12,7% ao ano, à força de medidas recessivas estúpidas de maneira geral, mas absurdamente desumanas em se tratando do Haiti.
GABRIEL CRUZ