Em suma, ninguém foi nocauteado. Tudo ainda está por se definir politicamente no país. Lula, para recuperar eleitores, precisa romper com a pauta de Haddad e pisar no acelerador do crescimento
Encerrado o segundo turno das eleições municipais no último domingo (27), já podemos fazer uma leitura mais completa dos recados enviados pela população aos políticos e às instituições brasileiras. É óbvio que, por serem eleições municipais, há que se levar em conta fatores da política local, conflitos regionais e até mesmo interferências decisivas nos resultados das famigeradas emendas parlamentares.
Mas, de uma maneira geral, houve recados claros do povo às principais lideranças do país. Em primeiro lugar, precisamos registar o alto grau de abstenção observado nessas eleições. Ela atingiu índices que variaram de 20 a 30%. Esse número elevado mostra uma insatisfação geral com toda a política. Isso deve acender um sinal de alerta a todos os representantes políticos do país.
Em segundo, os resultados, tanto do primeiro quanto do segundo turno, mostraram uma perda da “força eleitoral” de Jair Bolsonaro. Essa perda de força mostra que o eleitor brasileiro já começa a entender que por trás da sua demagogia, da conversa fiada de desregulamentação, privatizações, etc, está a velha intenção de esfolar ainda mais o povo, deixar soltos os ladrões de terra e destruidores do planeta, e de entregar tudo o que é público para grupos privados, de preferência estrangeiros.
Já o não crescimento significativo, e até um certo recuo – principalmente no Nordeste – do partido do presidente da República, por outro lado, aponta para uma certa impaciência da população com a substituição de grandes planos de investimento e de retomada vigorosa do crescimento econômico, anunciadas pelo presidente Lula em sua campanha eleitoral, há dois anos, pela pauta desanimadora de Fernando Haddad, de cortes de gastos, privilégios aos banqueiros, restrições orçamentárias, salários contidos, “pentes finos’ em programas sociais, superávits primários, etc.
O surgimento, durante o primeiro turno, na principal capital do país, São Paulo, de uma figura fascista ainda mais torpe, degenerada e marginal do que Jair Bolsonaro, e que obteve uma votação expressiva, reflete que essa perda de paciência da população pode estar ainda mais avançada do que estejamos avaliando. O fato do marginal não ir para o segundo turno representou, sem dúvida, uma vitória importante.
Outra coisa muito importante revelada – e confirmada – na eleição em São Paulo foi a tese já bastante conhecida de que vence o pleito quem apresenta as melhores propostas, mas, fundamentalmente, quem consegue construir uma frente mais ampla. Essa tese, como dissemos, se confirmou inteiramente.
Um outro aspecto que merece registro. O apoio velado do “mito” a Pablo Marçal no primeiro turno das eleições acabou reforçando o sabor de derrota obtida por Bolsonaro nas eleições municipais no geral e também na capital. Além de revelar um grande racha na extrema direita, tanto que o pastor Silas Malafaia, bolsonarista de carteirinha, saiu atacando Jair Bolsonaro publicamente, chamando-o de covarde e de falso. Mas, mais do que o racha, a postura de Bolsonaro ainda enfraqueceu o seu peso político na campanha vitoriosa do emedebista.
No resto do Brasil as forças ditas de centro, que podem ou não se somar a um projeto de desenvolvimento, dependendo da força desse projeto e da determinação e capacidade política de quem o conduz, saíram fortalecidas nas eleições. MDB e PSD, por exemplo, comandarão 38% dos orçamentos municipais a partir de 2025. Não é à toa que alguns integrantes do governo, forçando um pouco a barra, avaliaram que a “base política” de Lula se fortaleceu. Esta base, assim como a maioria da população, pode seguir ou se distanciar do presidente, dependendo se a pauta de Haddad se confirme ou não.
Nesta eleição é como se estivéssemos disputando as preliminares do embate decisivo que ocorrerá em 2026. E o que se viu no domingo foi um rearranjo de forças com crescimento do centro. Mas, daqui até lá, como se diz em política, muita água vai passar por debaixo da ponte.
Se o presidente Lula conseguir deixar de lado os setores neoliberais que influenciam e atrapalham o seu governo e pisar no acelerador do crescimento, certamente terá grandes chances de atrair todas essas forças e recuperar parte de seu eleitorado que foi capturado por demagogos. Ou seja, por aqueles que escondem que seu verdadeiro objetivo é intensificar ainda mais o arrocho, aumentar a miséria e promover a venda do Brasil para os gringos.
O bolsonarismo se frustrou em várias regiões do país. Primeiro porque aquele poder eleitoral que o ex-presidente demonstrou em outras eleições se mostrou bastante reduzido neste pleito. Dos 25 candidatos apadrinhados diretamente por Bolsonaro e sua família no último domingo, apenas 7 obtiveram êxito. Pelos cálculos do Estadão, isso corresponde a apenas 28%. Os candidatos mais identificados com Bolsonaro que venceram estão apenas em Cuiabá e Aracaju, onde os “bolsonaristas raiz” Abílio Brunini (PL) e Emília Corrêa (PL) foram eleitos.
Em suma, ninguém foi nocauteado nessas eleições. Tudo ainda está por se definir politicamente no país. O crescimento do centro político pode ser um fator que facilite a derrota definitiva do fascismo no Brasil. Mas, não está descartado que ele possa ser atraído por candidaturas e projetos antinacionais em gestação. Tudo dependerá da determinação do governo em livrar o país da camisa de força do neoliberalismo, que ainda está com peso na atual equipe econômica. Para conseguir isso, devemos deixar de conviver com o parasitismo e a especulação que esmagam as pessoas, o país e as empresas produtivas.
Em suma, as eleições deixaram claro para as forças que defendem o progresso, a democracia, o bem-estar do povo e a soberania que é necessário romper com o sectarismo, deixar de lado os exclusivismos, formar frentes amplas, mas, acima de tudo, ter a capacidade de liderar com firmeza essas frentes no sentido da superação do rentismo que suga o país e apostar todas as fichas no crescimento econômico acelerado, no atendimento das reais e urgentes necessidades da população e na ampliação da democracia.
SÉRGIO CRUZ