No poder há 12 anos, “Sonho Georgiano” se apresentou como o único partido capaz de “evitar a ucranização da Georgia”, ex-república soviética do Cáucaso, obtendo 53,9% dos votos.
Uma recontagem parcial dos votos nas eleições parlamentares do último fim de semana na Geórgia confirmou a vitória do partido governista, o Sonho Georgiano, com 53,9% dos votos, anunciou nesta quinta-feira (31) a Comissão Eleitoral Geral do país.
A recontagem por amostragem de cerca de 12% das seções eleitorais e de 14% das cédulas de voto “não conduziu a quaisquer alterações significativas aos resultados oficiais anteriormente já anunciados”, disseram à AFP as autoridades eleitorais georgianas. A eleição foi realizada com urnas eletrônicas.
11 partidos participaram da eleição, com os quatro de oposição pró-EUA e pró-Bruxelas obtendo 37,8%, mas se recusando a reconhecer o resultado.
Em sua campanha, o partido Sonho Georgiano se apresentou como o único “capaz de evitar a ucranização da Geórgia”. Ganhou 90 dos 150 assentos da assembleia nacional, acima dos 74 que conquistou na última eleição e dos 76 necessários para ter maioria, formar governo e nomear o primeiro-ministro.
Na segunda-feira, dois mil manifestantes, convocados pela oposição e pela presidência, que é um cargo cerimonial, foram às ruas da capital, Tblisi, protestar que o “futuro europeu” – melhor dizendo, de vassalo de Washington – havia sido “roubado” da Geórgia.
A Comissão Eleitoral Central (o ‘TSE’ georgiano) convocou a presidente Salome Zourabichvili, a mais exaltada arauta da acusação de “fraude total” e cujo mandato se encerra em dezembro, para apresentar provas de suas alegações, mas ela se recusou, dizendo que não precisar provar nada.
Nos últimos meses, a Geórgia tem vivido sob enorme pressão de Washington e Bruxelas para a abertura de uma “segunda frente” contra a Rússia no Mar Negro, mas o partido no poder se recusou, insistindo em se manter afastado do conflito por procuração da Otan contra a Rússia na Ucrânia e não embarcando na enxurrada de sanções decretadas.
Na quarta-feira, o presidente húngaro Viktor Orban foi a Tiblisi, onde se pronunciou contra as pressões para desestabilizar o país vizinho. “Ninguém quer que o seu país seja destruído e envolvido na guerra. Portanto, compreendemos a decisão do povo georgiano de fazer uma escolha a favor da liberdade”, proclamou ali.
“Quero também felicitar o governo georgiano pelo fato de, ao prosseguir uma política pró-europeia, não ter permitido que este se tornasse numa segunda Ucrânia”, ele acrescentou.
Os vizinhos da Geórgia no Sul do Cáucaso, a Armênia e o Azerbaijão, já felicitaram o primeiro-ministro georgiano, Irakli Kobajidze, pela “vitória impressionante” do Sonho Georgiano nas eleições legislativas de sábado.
Nikol Pashinian, primeiro-ministro armênio, felicitou-o “de todo o coração” pela “sua impressionante vitória” e sublinhou que é uma prioridade para a Armênia desenvolver laços com a Geórgia. Para o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, “os cidadãos georgianos com seu voto apoiaram o desenvolvimento, a estabilidade e os valores tradicionais.” A vitória também foi saudada pelo presidente turco, Recep Erdogan.
Observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) presentes ao pleito registraram que os eleitores georgianos tiveram uma ampla escolha de candidatos, que puderam “fazer campanha livremente”, embora em meio a uma “polarização arraigada”, vista pelos partidos em campanha como um referendo sobre a orientação geopolítica do país.
Posteriormente, em uma declaração conjunta do Parlamento Europeu, da OSCE e da Otan (!) os “observadores europeus” passaram a alegar suposta “desigualdade”, “compra de votos” e outras irregularidades.
Rússia e Geórgia estão com relações diplomáticas cortadas desde 2008, quando provocação do então presidente pró-EUA, Mikheil Saakashvili, para submeter as regiões autônomas da Ossetia do Sul e Abkasia pela força militar, inclusive atacando força de paz russa na região sob acordo mútuo, por incitação da Otan, acabou em uma derrota contundente.
Atualmente, Saakashvili está preso em Tiblisi condenado por arbitrariedades cometidas quando detinha o poder. O Sonho Georgiano governa o país há 12 anos. A atual presidente, Zourabichvili, nascida na França, sequer fala fluentemente o georgiano, segundo analistas.
Antes de ser agraciada com a cidadania georgiana, ela chegou a ser embaixadora francesa em Tiblisi.
Pela Constituição da Geórgia, a primeira sessão de um parlamento recém-eleito deve ser realizada no máximo dez dias após o anúncio oficial dos resultados das eleições, por convocação da presidente.
MANUAL DESBOTADO
Em suma, a oposição está tentando repetir o enredo das “revoluções coloridas”, recusando-se a reconhecer o resultado das urnas e criando o caos no esforço por virar a mesa, sob proteção de Washington e seus vassalos europeus. Sua “reivindicação” é de uma nova eleição, agora sob “supervisão internacional”, a exemplo de revoluções coloridas anteriores no espaço ex-soviético. Em 2003, a “Revolução das Rosas” levou ao poder Saakashvili.
O Departamento de Estado já ameaçouTiblisi, embora não esteja ainda marcada uma viagem da aposentada Victoria Nuland para levar notas de 100 dólares e distribuir rosquinhas a arruaceiros, como ela fez em Kiev em 2014.
O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Matthew Miller, acusou o governo georgiano de compra de votos e intimidação de eleitores. Falando em um briefing regular na segunda-feira, ele pediu ao país que “se comprometa novamente com sua trajetória democrática euroatlântica”.
“Não descartamos novas consequências se a direção do governo georgiano não mudar”, alertou Miller, dizendo que a futura assistência financeira dos EUA a Tbilisi será “revisada”.
Ameaça que foi ironizada pela porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, em postagem no seu canal no Telegram: “Democracia, senhor, chegamos. A próxima estação é o neocolonialismo”.
Além dos protestos no centro da capital, deputados da oposicionista Coligação para a Mudança, que obteve 11,0 % dos votos, anunciaram que renunciavam aos mandatos para “não legitimar os votos roubados ao povo georgiano”. Também o partido do presidiário Saakashvili, o Movimento Nacional Unido, com 10,1%, se juntou à chacrinha em Tiblisi pela impugnação.
O Ministério Público da Geórgia lançou uma investigação e convocou Zourabichvili e outros autonomeados denunciantes para comparecerem nesta quinta-feira e fornecerem as evidências do que dizem.
O primeiro-ministro georgiano, Irakli Kobakhidze, disse que Zourabichvili e a oposição “não têm evidências de fraude eleitoral e, se não forem ao Ministério Público, esta será a evidência mais clara de que fizeram declarações falsas sobre as eleições”.