Estrutura sindical, unicidade e negociação coletiva foram os alvos. Dispersar agora é fazer o jogo dos inimigos dos trabalhadores
Os ataques da turma (ou gangue) Bolsonaro/Temer contra a organização sindical seguem hipocritamente a lógica liberal clássica, como se estivessem à época da livre concorrência. Por sem-vergonhice, professam a crença que, atualmente, não é necessário o Estado, a justiça trabalhista nem a legislação trabalhista para defender os trabalhadores da ganância patronal. “Os melhores hão de se impor pela dedicação e por fazerem uso dos métodos mais eficazes de trabalho”. A livre concorrência seria então a mola mestra da eficiência. Valorizar o espaço e a liberdade de ação. Estaria aí o segredo do sucesso.
O pluralismo sindical, primo pobre do liberalismo clássico, defendido mais explicitamente por organizações como a Anampos (Associação Nacional dos Movimentos Populares e de Oposição Sindical) e a CSA, a Confederação Sindical das Américas, hegemonizada pelos americanos, tem a fé que a concorrência entre sindicatos com a mesma base favoreça o desempenho do mais competente, portanto, traria benefícios para todos os trabalhadores.
Ao contrário, a unicidade sindical (alvo da hostilidade neoliberal), ao lado da contribuição de um dia de trabalho de toda categoria para custeio do sindicato, é a união dos trabalhadores para enfrentar o monopólio dos patrões. Foi a fórmula genial bolada por Getúlio Vargas, que, com a ação fiscalizadora do Ministério do Trabalho e a vigilância da Justiça do Trabalho, construiu uma poderosa rede de proteção aos direitos e aos salários dos trabalhadores.
Na prática, como não estamos no capitalismo da livre concorrência, como estamos na época do domínio dos cartéis financeiros e industriais, que dividem o mundo entre si, de maneira oposta do que se propalava, as mudanças foram desastrosas para os trabalhadores.
A reforma trabalhista provocou inúmeras baixas nos direitos. Foram mais de cem artigos da CLT modificados. São exemplos: o trabalho intermitente, quando o trabalhador fica à disposição do patrão, mas só ganha as horas efetivamente trabalhadas; a terceirização selvagem; a liberação do ambiente insalubre para a mulher grávida, desde que com autorização do médico da empresa, entre outras barbaridades.
Na estrutura sindical, as medidas foram arrasadoras, como a desobrigação dos trabalhadores com a contribuição sindical (a arrecadação dos sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais caiu 90%); a liberação para o patrão fazer a homologação na empresa do empregado demitido (as fraudes no pagamento dos direitos saíram do controle); estabelecimento de obstáculos quase intransponíveis ao acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho (com a determinação que ele arque com as custas, caso perca a reclamação); instituiu-se a primazia da negociação individual sobre a coletiva e da coletiva sobre o legislado; pôs-se fim à ultratividade – dispositivo legal determinando que, enquanto não se chega a um novo acordo, prevalece o que já está assinado. Quanto a pedir dissídio à Justiça? Só por consenso entre as partes, ou seja, nunca.
É claro que os megacapitalistas e seus prepostos que administram os monopólios gigantes, estrangeiros e nacionais, da indústria e do sistema financeiro, apreciam muito mais o pluralismo sindical. Com os lucros extraordinários gerados, especialmente nos países dependentes, são próprios da época em que vivemos investimentos em benesses e privilégios a uma camada do proletariado para formação de uma “aristocracia operária” para dividir os trabalhadores, jogando uns contra os outros, e lhes prestar apoio em projetos estratégicos.
Com a vitória do presidente Lula, o que se viu foi uma corrida por parte de algumas centrais, pegando carona na reforma temerista, no sentido do semipluralismo sindical. É exemplo a proposta de criação de um comitê todo-poderoso de autorregulação para substituir as funções do Estado e da justiça ou a de implementação de índices mínimos de representatividade para as entidades sindicais terem a exclusividade de negociação. Chamou a atenção o empurrão nas confederações e federações, no sentido contrário à sua autonomia, e em direção à absorção nas estruturas orgânicas das centrais e, o mais grave, a má impressão deixada de que se estava armando para escantear os sindicatos das negociações coletivas.
Esperar-se-ia (perdoem-me o uso da mesóclise) que as centrais, especialmente na organização sindical, onde as baixas foram maiores, com a vitória eleitoral de Lula, defendessem a unicidade sindical dos ataques bolsonaristas. Centrassem seu fogo na revisão dos crimes trabalhistas e no restabelecimento, no mais possível, dos direitos já conquistados, pelo menos, dos mais importantes, ou seja, uma plataforma mínima de direitos usurpados. Mas o que se viu foi uma correria danada, um projeto malfeito, com propostas genéricas e divisionistas. Uma reforma da reforma.
Ainda bem que o movimento sindical reagiu com notas de repúdio e de protestos ao atropelo. Insistir na diluição ficou muito mais difícil, sem espaço. É urgente, para que os trabalhadores possam recuperar sua capacidade de luta, sua confiança nas lideranças sindicais e integrarem a grande frente pela mudança de rumos na política de submissão ao imperialismo, superar essas lacunas.
CARLOS PEREIRA