
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, considerou inconstitucional a possibilidade de corte nos salários de servidores para “equilibrar” a conta dos Estados. A manifestação ocorreu na sessão do Supremo Tribunal Federal (STF), na última quarta-feira (27), em julgamento conjunto de sete ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e uma ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) contra diversos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000).
“A ineficiência do gestor poderia ser resolvida, de acordo com essa norma, com a redução de remuneração de cargos e funções. Uma solução que tem um apelo de imediatidade de eficiência, mas que fere o Artigo 37 da Constituição, quando ele diz que subsídios e vencimentos são irredutíveis”, afirmou.
Raquel Dodge lembrou que a norma está calcada na ideia de equilíbrio entre arrecadação e gastos, inclusive para não permitir que algum desequilíbrio nas contas públicas gere aumento de tributos. No entanto, ela sustenta que é importante que “não se permita uma interpretação dessa lei que implique em ofensa a direitos fundamentais, à separação de poderes, ao princípio federativo e à independência e autonomia garantidos aos Poderes da União, ao Ministério Público e também aos indivíduos enquanto sujeitos de direitos”.
Para ela, a ineficiência do gestor não pode ser resolvida com redução de salários porque a Constituição proíbe. Sobre a redução de jornada, Raquel Dodge assinalou que a norma dispensa o consentimento do empregado, como previsto na Constituição. A lei “fere não só uma garantia fundamental, mas a autonomia do indivíduo que firmou livremente um contrato ou foi admitido pelo serviço público”, complementou.
Seguindo esse entendimento, a PGR defendeu a inconstitucionalidade de cinco dispositivos da norma em análise, e a confirmação da liminar já concedida pelo Supremo nos demais pontos. Ela ainda se manifestou pelo não conhecimento da ADPF, por considerar que a matéria deve ser tratada por meio de ADI.
A Lei de Responsabilidade Fiscal foi aprovada em 2000, impondo normas fiscais abusivas contra os governos federal, Estaduais e municipais, além de punições para o descumprimento das medidas. A prioridade da LRF é arrochar os Estados e municípios e gerar dinheiro para os bancos.
Com sua aprovação, o limite de gastos com pessoal da União passou a ser de 50% das receitas e de 60% para os Estados e municípios. Segundo o texto, quando os gastos com pessoal forem superiores ao limite estabelecido, os Estados, o Distrito Federal e o governo federal devem reduzir em 20% as despesas com cargos comissionados e funções de confiança, promover a redução da jornada de trabalho e dos salários e demitir servidores não estáveis. Em 2002, o STF considerou o texto inconstitucional, pois a Constituição determina que os salários dos trabalhadores são irredutíveis.
A procuradora também questionou o artigo 20, inciso II, alínea d, por estabelecer regras imutáveis no modo como o dinheiro público vai ser gasto, ao invés de apenas estabelecer referências percentuais que podem auxiliar na gestão da coisa pública. “Agindo assim, a norma dita à entidade federada a forma como ela vai gastar seus próprios recursos ferindo o princípio federativo”. Segundo ela, do mesmo modo, também fere a autonomia do Ministério Público porque impede que, ao longo dos anos, se adapte de forma adequada e gradativa às demandas próprias dos conflitos sociais sobre os quais deve intervir. Dodge defende que a norma fere a autonomia administrativa, funcional orçamentária e financeira garantida pela Constituição Federal.
O julgamento do caso foi adiado e não tem data marcada para continuar no STF.