“Não sei se é uma crítica ou elogio”
O mediévico considera ainda a Europa “espaço culturalmente vazio”
Durante a ditadura, quando o falecido Gustavo Corção levantou a tese (?) de que a idade de ouro da humanidade fora a Idade Média, nenhum membro do governo, nenhum membro do Congresso, nenhum apoiador do governo – o mesmo governo que Corção apoiava – se solidarizou com ele.
Todos mantiveram distância, como se o autor da tese fosse portador de alguma doença contagiosa.
Afinal, a Idade Média, nas palavras de Monteiro Lobato, foi a “noite de mil anos”, ou, como disseram alguns pensadores renascentistas, as “trevas de dez séculos”.
Agora, Bolsonaro anunciou um ministro – e ministro das Relações Exteriores, que sentará na cadeira que Rio Branco e seus sucessores honraram – que acha que ser chamado de um ente da Idade Média pode ser um elogio.
A manifestação ocorreu através do Twitter – o instrumento ideal de quem não consegue pensar, muito menos escrever, mais de duas frases que façam algum sentido.
No fim de semana, o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, disse em entrevista ao jornal “O Globo” que a nomeação de Ernesto Araújo para o cargo era uma “volta à Idade Média”.
O motivo era simples – e justificado. Araújo tem se esmerado por atacar todo e qualquer pensamento, todo e qualquer acontecimento no progresso humano, após a Idade Média. E, também, por pregar que o Brasil (e o mundo) seja uma teocracia, é verdade que uma teocracia à sua própria moda (Araújo inventou algo chamado “metapolítica”, que, segundo ele, “significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história“; abaixo, veremos quem é esse Deus).
Pois, respondendo a Amorim, no Twitter, disse Araújo: “não entendi se [voltar à Idade Média] é crítica ou elogio”.
Em seguida, disse que irá fazer um “exame minucioso” na administração de Amorim “em busca de possíveis falcatruas”.
Qualquer psiquiatra reconhecerá, aqui, o quadro: a megalomania, o delírio pseudo-religioso, a persecutoriedade (o perseguido que se transforma em perseguidor) e outros traços bem desenhados, há mais de 100 anos, por Emil Kraeplin, ilustre professor alemão.
Imaginemos um sujeito que dissesse, em público, que a globalização – isto é, o avacalhamento das Nações, e seus Estados Nacionais, pelos monopólios financeiros e cartéis imperialistas – “surgiu quando alguém entendeu que o consumismo era o melhor caminho para o comunismo”.
Ou que, coerente com essa concepção, dissesse que “a globalização econômica passou a ser pilotada pelo marxismo cultural” e que “parte importante do projeto globalista é transferir poder econômico do Ocidente para o regime chinês”.
(De onde se pode concluir que os dois Bush, mais Clinton e Obama, são perigosíssimos agentes marxistas a serviço da China.)
Porém, continuemos.
Imaginemos um sujeito que propusesse um nacionalismo no qual o Estado-nação é dispensável…
Ou que afirmasse que Trump é o salvador do Ocidente – e, aliás, algo parecido com Deus (literalmente: “Somente um Deus poderia ainda salvar o Ocidente, um Deus operando pela nação – inclusive e talvez principalmente a nação americana” – cf. Ernesto Henrique Fraga Araújo, Trump e o Ocidente, Cadernos de Política Exterior, ano III, número 6, 2º semestre 2017, pp. 323-356).
Acima, mencionamos um quadro psiquiátrico. Realmente, até há poucos anos, um cidadão com tais crenças seria candidato ao hospício. Não temos, como sabe o leitor, nenhuma inclinação pelo PT ou pela reforma manicomial do PT. Mas o chanceler de Bolsonaro deveria agradecer ao PT por ter fechado os manicômios.
Se não fosse isso, talvez ele não fosse anunciado, agora, ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro.
Não por acaso, até o insuspeito Estadão noticiou que “escolhido para chefiar Itamaraty diz que mudança climática é uma trama marxista para favorecer País asiático”.
Araújo tem a seguinte virtude: é completamente imune ao debate intelectual numa casa (a de Rio Branco) em que este debate sempre foi uma marca, até mesmo na época da ditadura (v., p. ex., os livros de memórias de dois ministros das Relações Exteriores: Mario Gibson Barboza, Na diplomacia, o traço todo da vida, Record, 1992; e Ramiro Saraiva Guerreiro, Lembranças de um empregado do Itamaraty, Siciliano, 1992).
Araújo acha que Trump é um pensador profundo, que demanda o conhecimento de Nietzche, Spengler, Heidegger, e outros menos votados, para ser entendido (v. texto citado acima, que é sobre um discurso de Trump, expelido em Varsóvia; somente a frase “we want God” – nós queremos Deus – merece de Araújo uma série de citações, inclusive em alemão, para demonstrar a sua genialidade).
Araújo acha, também, que “marxista” é tudo aquilo de que não gosta. E, como gosta de poucas coisas, o mundo lhe parece uma conspiração marxista.
Inclusive os conceitos oriundos do ramo principal do imperialismo lhe parecem “marxistas”.
Assim é, ao ver de Araújo, e como já citamos, a globalização: “A globalização triunfante (…) não estava senão enunciando um conceito marxista. Mais do que isto: sem o saber, estava hasteando a bandeira comunista ao mastro de uma nova sociedade universal materialista”.
Também é assim o “aquecimento global”, dogma marxista para “favorecer o crescimento da China”.
E, também, a situação do Brasil, segundo ele, um “conluio de uma certa elite político-econômica com a mídia manipuladora e a classe intelectual marxista”.
Somente o que vem do lado mais lumpen do imperialismo – Trump e quejandos – é que, para Araújo, não é “marxista”.
Mas, o que ele pensa sobre política externa?
Por exemplo, ele acha que a Europa é “apenas um conceito burocrático e um espaço culturalmente vazio”.
Enquanto que “só quem continua sendo ator e não mero espectador, são os norte-americanos, ou pelo menos alguns norte-americanos. Hoje, é muito mais fácil encontrar um ocidentalista convicto no Kansas ou em Idaho do que em Paris ou Berlim” (idem, p. 346).
Como diz um amigo: diplomata que prefere Kansas a Paris, deveria ser designado para um consulado perpétuo em Wichita ou Topeka.
Embora esse lado brega seja o de menos (quer dizer, nem tanto), é verdade.
Porém, a raiva – não há outro nome – que Araújo sente pelos europeus, somente tem como causa o seu puxa-saquismo em relação aos EUA. Por exemplo:
“A Europa, como centro civilizacional, desapareceu na I Guerra Mundial, e o Ocidente ter-se-ia extinguido ali, não fossem os Estados Unidos empunharem a bandeira desse Ocidente moribundo. O protagonismo e a centralidade dos EUA na civilização ocidental foram ficando claros a partir de então, para tornar-se indiscutível após a II Guerra, embora os europeus, carregados de esnobismo intelectual, nunca tenham plenamente admitido esse fato”.
Aquele maluco, Carlos Pena Boto – que a ditadura em boa hora marginalizou – provocou a gargalhada geral do país quando, lá pela década de 60, depois que a França saiu da Otan, resolveu denunciar as “atitudes criptocomunistas” do general De Gaulle e propor que o Brasil invadisse a China.
Temos, agora, pelo jeito uma reencarnação de Pena Boto – e nas Relações Exteriores.
C.L.
BAH! POBRE BRASIL. Tudo é comunismo, marxismo, para a turma do bolso.
Sério que esse cara falou esse verdadeiro FEBEAPÁ? Quanta idiotice! Que o bozo é maluco a gente já sabe,mas,colocar uma pessoa que diz essas sandices no governo é atirar no próprio pé! Estamos ferrados!