Só povo paga imposto em dia. Programa serve para grande devedor deixar de pagar
Em votação simbólica na quarta-feira (27/09), a Câmara dos Deputados aprovou com mudanças o programa de refinanciamento de dívidas tributárias, o Refis, para permitir que corruptos parcelem e tenham descontos de dívidas com a União, confirmando a máxima popular de que só pobre paga imposto. O governo deu aval para as mudanças, como moeda de troca na tentativa de barrar nova denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Temer.
A principal mudança ocorreu com a inclusão da Procuradoria-Geral da União. Inicialmente, o Refis referia-se apenas à Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Reportagem de “O Globo” aponta que a inclusão da Procuradoria-Geral da União possibilita que investigados na Lava Jato, por exemplo, possam aderir ao parcelamento a perder vista, redução de juros e multas na hora de ressarcir à União recursos desviados. Segundo o jornal, a alteração de última hora foi feita de tal forma que impede veto sem derrubar inteiramente a MP do Refis.
De acordo com o relator do texto do Refis, deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), a inclusão da emenda pró-corruptos teve aval do Palácio do Planalto para também beneficiar os partidos: “A inclusão da Procuradoria-Geral da União nisso daí foi para permitir que os partidos políticos pudessem fazer o parcelamento das suas multas eleitorais”.
Em seu texto final, o relator fez aquilo que se chama legislar em causa própria, uma vez que é sócio de empresas que têm dívidas de cerca de R$ 56 milhões em impostos. Apenas a Companhia Siderúrgica Pitangui, da qual é presidente, tem dívida ativa de R$ 48,7 milhões com a União.
Para Marinus Marsico, procurador da República junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), o Refis trata de refinanciamento de dívidas tributárias, o que não é objeto de atuação da Procuraria-Geral da União, que cuida de dívidas decorrentes da atuação de órgão de controle, ou seja, não de impostos devidos. “Então você não pode anistiar esse tipo de atividade. Ou seja, vai virar algo, digamos, muito propício a que uma pessoa receba recursos públicos para um fim público, não empregue esse dinheiro, não pague, e depois entre no Refis e seja anistiado. É um absurdo”, declarou Marsico. “A PGU inclui a aplicação de multas eleitorais, de desvio de recursos e os débitos de condenações”, disse Marsico. “Do jeito que está, tudo está incluído no Refis”.
Como já havia ocorrido quando da votação da primeira denúncia contra Temer, com a Câmara transformada em um verdadeiro balcão de negócios, a votação do Refis foi usado como moeda de troca para beneficiar Temer na votação da denúncia feita pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Inicialmente, o governo esperava arrecadar cerca de R$ 13,3 bilhões, depois reduziu para R$ 9 bilhões com o Refis. Com as concessões feitas pelo governo para agradar os deputados, a estimativa de arrecadação caiu para menos de R$ 4 bilhões. “Foi aprovada uma proposta [pelo Congresso Nacional]. A Receita Federal sinaliza que o impacto é em torno de R$ 5 bilhões [em relação à última estimativa vigente, de R$ 9 bilhões de receita em 2017]. É uma perda significativa”, afirmou a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi.
Pelo texto aprovado, os descontos incidentes sobre os juros vão de 50% a 90%, conforme a modalidade escolhida de pagamento da dívida.
Na sexta-feira (29/09), Temer editou nova medida provisória prorrogando o prazo para adesão ao Refis para 31 de outubro. Poderão aderir ao programa pessoas físicas e jurídicas.
Por meio de assessores, Cardoso Júnior declarou ao Estadão: “Estamos prestando um grande serviço à Nação”. Haja óleo de peroba.
VALDO ALBUQUERQUE