Estão incluídas a Reforma Administrativa, que vai iniciar o debate pela CCJ da Câmara. O “Plano Mais Brasil”, que entre outras tem a “PEC Emergencial”, que o governo usa para chantagear o Congresso para aprovar novo e pífio auxílio emergencial. E, ainda, a Reforma Tributária, que se não servir para, pelo menos, desconcentrar a renda, só vai resolver, de forma capenga, para extinguir e unificar impostos e tributos
Em entrevista virtual na última terça-feira (23), ao jornal Valor Econômico, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), prometeu entregar a Reforma Administrativa (PEC 32/20), em dois meses, e as propostas do “Plano Mais Brasil” que, na prática, significam “menos Brasil”, em 15 dias. A Tributária, disse que em até oito meses.
“Temos que destravar a economia, precisamos votar bem, com amplo debate e alicerçado em teses de desenvolvimento. É o nosso compromisso, vamos trabalhar com muita firmeza, e fazendo com que esta Casa tenha muita responsabilidade. O dever do Congresso reformista é entregar o que for possível, temos que fazer por partes e trazer melhoras para a sociedade”, defendeu Lira.
Importante destacar, que essas pautas “reformistas” (neoliberais) foram reintroduzidas com força pelo governo Temer (2016-2018), por meio do programa “Ponte para o futuro”. E, definitivamente, não irão “destravar a economia”, como sugere Lira. Ao contrário.
A Reforma Administrativa aguarda relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), cuja tramitação é relativamente rápida, se comparada à fase de mérito na comissão especial. Na fase de mérito, se houver debate adequado sobre a proposta, não há como aprová-la antes de dois meses. Na CCJ, o relator tem até 10 dias para apresentar parecer. O colegiado aprecia e vota apenas a constitucionalidade do texto.
O que é a Reforma Administrativa?
A proposta, encaminhada ao Congresso pelo governo em setembro de 2020, significa a redução do tamanho e do papel do Estado brasileiro. Esta “reforma” está para o funcionalismo, o que a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) esteve para os trabalhadores da iniciativa privada — será o caos!
“O que não tem previsão legal não é direito adquirido e os chamados penduricalhos (extrateto) serão tratados no momento adequado. Só penso que ela [essa] será sinalizadora. O Brasil precisa criar um ambiente de perspectiva confiável de investimento”, destacou sobre a proposta.
ENTENDA A PROPOSTA
A PEC 32/20, que trata da Reforma Administrativa, chega no contexto das demais reformas de cunho neoliberal — Terceirização, Teto de Gastos, Trabalhista e Previdenciária —, de retirada de diretos e mitigação do papel do Estado no trato das questões e demandas da população brasileira, sobretudo, a mais carente e pobre, que demanda cada vez mais serviços públicos, e de boa qualidade. Embora não seja isso que Temer fez e muito menos que Bolsonaro está fazendo. Pelo contrário.
Sinteticamente, a Reforma Administrativa significa desregulamentar (retirar) direitos e regulamentar (incluir) restrições.
A proposta tem duplo objetivo: 1) de natureza liberal-fiscal, que busca satisfazer o mercado e atender à visão ideológica neoliberal da equipe econômica; e 2) de caráter persecutório e de preconceito para com o servidor. O primeiro teria por base a suposição de que o Estado é perdulário, faz má alocação e desperdiça recursos, além de ser acusado de patrocinar privilégios e ser ineficiente. O segundo se expressa na narrativa de ataque à honra dos servidores, que têm sido associados por autoridades governamentais a parasitas, a assaltantes e a inimigos do povo.
Em linhas gerais, as principais mudanças e pretensões com a reforma, são: 1) desconstitucionalizar direitos, remetendo-os para leis complementares e ordinárias; 2) extinguir o RJU (Regime Jurídico Único), com a instituição de novas modalidades de contratação e as formas de ingresso; 3) extinguir a estabilidade como regra e instituir uma estabilidade mitigada para os cargos típicos de Estado; 4) extinguir as promoções automáticas por tempo de serviço; 5) transversalidade/mobilidade com redução de salário de ingresso no serviço público; 6) extinguir vantagens; 7) transferir a execução de serviços públicos da União para estados, municípios e entidades privadas; 8) transferir competências do Congresso para o presidente para extinguir cargos e órgãos da Administração Pública; e 9) atacar os direitos dos atuais servidores.
Com as mudanças, para pior, se prevalecerem, a reforma cria quatro categorias de vínculos funcionais com a administração pública: 1) ocupantes de cargo típico de Estado (com estabilidade); 2) ocupantes de cargos com vínculo indeterminado; 3) ocupantes de empregos públicos por prazo determinado; e 4) ocupantes de cargo de liderança e assessoramento.
“PLANO MAIS BRASIL”
O pacote fiscal do governo, apelidado de “Plano Brasil Mais” é composto de três PECs (propostas de emendas à Constituição). Foi apresentado pelo governo Bolsonaro, em 5 de novembro de 2019, por intermédio do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
Estão em tramitação no Senado com o propósito de “conter o crescimento da despesa obrigatória, regulamentar a ‘regra de ouro’, a PEC 186; instituir plano de revisão de despesa, desvincular, desindexar e desobrigar despesas (PEC 188); além de liberar recursos vinculados a fundos públicos (PEC 187)”.
CONTEÚDOS
A “PEC Emergencial” (PEC 186), além da inovação trazida pelo governo nesta semana, para viabilizar o auxílio emergencial, de extinguir os fundos públicos que financiam a Saúde e a Educação, pretende ainda, senão agora, noutro momento: 1) reduzir salário do servidor em até 25%, com redução proporcional de jornada; 2) vetar progressão e promoção funcionais de carreira; 3) impedir concessão de reajustes, criação de cargos, reestruturação de carreiras, realização de concursos públicos e criação de verbas indenizatórias; e 4) proibir o aumento real para o salário mínimo.
A que trata dos fundos infraconstitucionais (PEC 187), prevê a extinção de 248 fundos, disponibilizando R$ 219 bi para amortização da dívida pública, além de: 1) determinar a transferência dos recursos que hoje formam estes fundos ao respectivo poder na esfera federativa que os tenha criado; 2) anular qualquer dispositivo infraconstitucional vinculado aos fundos; 3) autorizar que as receitas desvinculadas poderão ser destinadas a programas voltados à erradicação da pobreza, investimentos em infraestrutura que visem a reconstrução nacional; e 4) destinar as receitas públicas dos fundos, até que esses sejam extintos, à amortização da dívida pública.
A do Pacto Federativo (PEC 188), é a mais abrangente das propostas, e está classificada em cinco eixos: 1) Fiscal – cria o Conselho Fiscal da República (controle de contas públicas); 2) Transferência de receitas aos entes Federados – compartilhamento de royalties e participações especiais com entes subnacionais e proíbe que a União possa socorrer entes em dificuldades fiscais a partir de 2026; 3) Desobrigação, Desindexação e Desvinculação (DDD) – desindexa despesas obrigatórias (deixa de reajustar) em caso de emergência fiscal; 4) Pacto Federativo — prevê a extinção de municípios que tenham menos de 5 mil habitantes e possuam arrecadação própria inferior a 10% da receita total; e 5) Plano Emergencial – reprodução da PEC 186.
REFORMA TRIBUTÁRIA
O Congresso debate duas propostas. A da Câmara (PEC 45/19) e a do Senado (PEC 110/19). Para superar impasses, foi criada comissão mista para unificar ambas as propostas. O relator é o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Os textos estão sob análise de comissão mista (formada por deputados e senadores).
Entretanto, depois que a matéria sair do colegiado, não há definição sobre por onde começará a tramitar, se pela Câmara ou se pelo Senado. A ideia é que a comissão mista produza um relatório de consenso de duas propostas que já tramitavam separadamente em ambas as Casas.
ENTENDA AS PROPOSTAS
A da Câmara (PEC 45/19), foi formulada pelo economista Bernard Appy e apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP). Extingue três tributos federais (IPI, PIS e Cofins) e acaba com o ICMS, estadual, e o ISS, municipal. Todos esses tributos incidem sobre o consumo.
No lugar, seria criado o IBS (Imposto sobre Operações com Bens e Serviços), de competência de municípios, Estados e União, além de outro, sobre bens e serviços específicos, de competência federal. O tempo de transição previsto é de 10 anos. O texto foi aprovado pela CCJ, em 22 de maio, e aguardava análise da comissão especial, cuja relatoria é do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
CONTEÚDO DA PROPOSTA DE APPY
• Saída de federalismo fratricida que existe hoje para a adoção de federalismo colaborativo;
• Criação do IVA (Imposto sobre o Valor Agregado), que existe em vários países do mundo;
• Unificação em um único tributo, chamado de IBS, o IPI, PIS, Cofins (todos do governo federal), ICMS (estadual) e ISS (municipal);
• Cobrança não-cumulativa sobre base ampla de bens e serviços;
• Sistema de crédito financeiro;
• Desoneração de exportações e investimentos;
• Cobrança “por fora” sobre preços de bens e serviços;
• Devolução de créditos acumulados em até 60 dias. Em 180 dias, em caso de investigação sobre fraude;
• Alíquota única inicial de 1% com redução de alíquota da Cofins para compensar carga tributária
• Transição de 10 anos para os contribuintes em relação à unificação dos cincos tributos; e
• Transição de 50 anos para a distribuição da parte dos estados e de municípios na receita do novo imposto.
No final da legislatura passada, comissão especial da Câmara aprovou o parecer Hauly à PEC 293/04, que simplifica o atual sistema tributário, extinguindo 8 tributos federais e criando 1 imposto sobre o valor agregado de competência estadual. O texto dessa PEC estava pronto para ser votado em plenário, mas Rodrigo Maia evitou a apreciação da proposta, a fim de priorizar a da reforma da Previdência. Essa PEC não está no radar dos deputados e tampouco deve ser retomada na Casa.
A do Senado (PEC 110/19), cuja proposta baseia-se na PEC 293/04, do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). Nesta, o IBS (Imposto sobre Operações com Bens e Serviços) substituiria os seguintes tributos: PIS, ICMS, IPI, Cofins, Cofins-Importação, ISS, Cide-Combustíveis, salário-educação, IOF, Pasep, CSLL e ITCMD. Seria criado também um imposto sobre bens e serviços específicos (Imposto Seletivo), de competência federal.
A Casa pretendia assumir o debate sobre a reforma tributária com a PEC 110/19, que tem (tinha) o apoio dos líderes partidários que foi encabeçado pelo então presidente, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), assegura que a equipe econômica do governo concorda com boa parte da proposta de Hauly. Pontos específicos serão discutidos caso a caso, apesar de todos os líderes terem assinado a proposta.
CONTEÚDO DA PROPOSTA
• Simplificação de cobranças de impostos sem alterar a divisão das receitas;
• Criação do IVA (Imposto de Valor Agregado) – recolhimento estadual;
• IR unificado – recolhimento federal;
• Alíquota zero para alimentos, remédios, máquinas e equipamentos, exportações;
• Rateio com a manutenção da arrecadação de cada nível de governo nos primeiros 5 anos;
• Extinção de oito tributos federais – IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), IOF (Imposto sobre Obrigações Financeiras), CSLL (Contribuição sobre o Lucro Líquido), que seria absorvida pelo IRPJ, com alíquota de 33-34%, PIS-Pasep (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), Salário-Educação e Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre combustíveis; Um tributo estadual, ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços); e um tributo municipal, ISS (Imposto sobre Serviços);
• Criação, em substituição a esses 8 tributos, de imposto sobre o valor agregado de competência estadual, chamado de IBS (Imposto sobre Operações com Bens e Serviços); e imposto sobre bens e serviços específicos (Imposto Seletivo), de competência federal;
• Incidência do Imposto Seletivo para energia elétrica, combustíveis e derivados, comunicação, minerais, transportes, cigarros, bebidas, veículos, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, pneus e autopeças – recolhimento federal;
• IRPF com a cobrança de novas bases isentas ou pouco tributadas e o ataque ao incentivo à chamada “pejotização”;
• Redução da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos, com a extinção do Salário Educação, reduzindo a cobrança sobre a folha em 2,5% – alíquota a ser substituída por uma vinculação em receitas em valor equivalente para a educação básica;
• Criação do SuperFisco, órgão de todos os estados e do Distrito Federal e com autonomia perante os governos; e
• Sem alterações na propriedade (IPTU, IPVA, ITR, ITBI e ITCMD – recolhimento municipal); regulatório (II e IE – recolhimento federal); e Previdência (INSS, empregado e empregador).
PROPOSTA DO GOVERNO
A proposta de reforma tributária do governo (simulacro), a ser enviada ao Congresso (se enviar), baseia-se em três pilares:
1) simplificação e desburocratização;
2) combate à corrupção, evasão e sonegação; e
3) geração de empregos.
Além disso, troca até 5 tributos federais (PIS, Cofins, IPI, uma parte do IOF e talvez a CSLL) por uma única cobrança, o Imposto Único Federal, e extingue a contribuição ao INSS que as empresas pagam sobre a folha de pagamentos. No seu lugar, haveria duas opções:
1) a criação de um imposto sobre todos os meios de pagamento ou um aumento adicional na alíquota do Imposto Único.
2) paralelamente, o governo prepara mudanças no IRPJ.
REFORMA TRIBUTÁRIA SOLIDÁRIA
Trata-se de movimento encabeçado pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), que inclui mais de 40 especialistas em tributos no Brasil.
“A tributação brasileira está na contramão de outros países capitalistas relativamente menos desiguais. No Brasil, a tributação é extremamente regressiva, porque incide sobre o consumo, não sobre a renda e a propriedade das classes abastadas. Não é verdade que a nossa carga tributária seja elevada, na comparação internacional. Mas é fato que temos a maior carga tributária, em todo o mundo, a incidir sobre o consumo, repassada aos preços das mercadorias, onde captura proporção maior da renda dos pobres e parcela menor da renda dos ricos”, está na apresentação da publicação sobre o tema elaborada pela Anfip e Fenafisco.
E acrescenta: “A tributação progressiva é possível, e as simulações mostram que se pode quase duplicar o atual patamar de receitas da tributação da renda, patrimônio e transações financeiras e, em contrapartida, reduzir a tributação sobre bens e serviços e sobre a folha de pagamentos, quase na mesma proporção. Antecipando os “grandes números” que resultaram desse exercício, sublinha-se que é possível ampliar a justiça fiscal pela:
• Elevação de R$ 253,7 bilhões das receitas da tributação da renda e redução de R$ 231,7 bilhões da receita da tributação sobre bens e serviços; e
• Elevação de R$ 73,0 bilhões da tributação sobre o patrimônio e redução de R$ 78,7 bilhões da tributação sobre a folha de pagamentos.
Esse desenho alternativo permite que o sistema tributário brasileiro deixe de ser regressivo e passe a ser progressivo: no modelo proposto, após a incidência dos tributos indiretos, a desigualdade de renda cai, enquanto que, na situação atual, essa aumenta”.
EMENDA SUBSTITUTIVA GLOBAL 178/19
No contexto do debate sobre a reforma tributária, único ponto da pauta oficial que pode ser uma oportunidade, já que todos os outros itens são ameaças, vai requerer dos partidos e movimentos atenção especial, notadamente para garantir fontes de financiamento dos direitos sociais, especialmente os previdenciários, além de reduzir a progressividade dos impostos e tributar os lucros, dividendos, as grandes heranças e grandes fortunas.
A proposta que mais se aproxima desses postulados é a Emenda Substitutiva Global 178/19, apresentada pelos partidos de oposição à PEC 45, que sinaliza para uma reforma tributária sustentável, justa e solidária.
MARCOS VERLAINE (colaborador)