Não há quaisquer obstáculos para a saída de civis, a não ser a decisão de Kiev e dos neonazis de continuarem a usar civis como ‘escudo humano’
Novamente, apesar de todos os esforços do lado russo no complexo siderúrgico Azovstal, com o anúncio de mais um cessar-fogo unilateral na segunda-feira (25) e instalação de um corredor humanitário, as forças ucranianas ali entocadas – hegemonizadas pelo Batalhão Azov – ignoraram as convocações feitas pela Rússia para que quaisquer civis que estivessem no interior da unidade fabril cercada pudessem sair em segurança, rumo à direção que preferissem.
“Acabamos de anunciar a suspensão das atividades de combate nas proximidades da fábrica de Azovstal em Mariupol para permitir que os civis restantes saiam com segurança da zona de combate”, anunciou o vice-chanceler russo Andrei Rudenko. “Este é um grande gesto de boa vontade em nosso nome”, ele acrescentou. A questão também foi levada à vice-primeira-ministra da Ucrânia, Irina Vereshchuk.
Por sua vez o comando militar russo conclamou à libertação dos civis, exigindo do regime de Kiev que “emita imediatamente a devida ordem aos comandantes de formações ultranacionalistas para a libertação deles [civis]”.
Solicitação que foi expressa de forma ininterrupta às formações ucranianas em Azovstal por meio de canais de rádio a cada 30 minutos, segundo o coronel-general general Mikhail Mizintsev, diretor do Centro Nacional de Gerenciamento de Defesa da Rússia.
“O sinal para iniciar a ação humanitária será o levantamento de bandeiras brancas por aqueles que queiram aproveitar a oportunidade para se retirar ou se render”, explicou Mizintsev.
ESCUDOS HUMANOS
“Não há quaisquer obstáculos para a saída de civis, a não ser pela decisão das autoridades de Kiev e dos comandantes ultranacionalistas de continuarem a usar civis como ‘escudo humano’”, ressaltou Mizintsev.
Ele explicou que a medida russa é em resposta às contínuas afirmações do lado ucraniano sobre a presença de civis na área da siderúrgica. Além do cessar-fogo, os russos também afastaram suas unidades de combate para distâncias seguras.
Sob ordens do presidente russo, Vladimir Putin, os militares russos vem se limitando a bloquear completamente as saídas do complexo siderúrgico, de forma a que “nem uma mosca” possa escapar, deixando de lado a alternativa de um ataque aos subterrâneos da Azovstal. O cancelamento de um assalto final à siderúrgica permite resguardá-la para dias melhores no futuro.
Mariupol foi declarada libertada na quinta-feira (21), após tomada da prefeitura, áreas residenciais e da segunda maior unidade industrial, a siderúrgica Ilyich, e rendição de 1.500 fuzileiros navais ucranianos. Seguem entrincheirados na Azovstal cerca de 2.000 ucranianos, principalmente do Batalhão Azov.
A situação em Mariupol é tranquila, de acordo com o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, a ordem na cidade está sendo restabelecida assim como a entrega de ajuda humanitária, as pessoas começam a voltar a seus lares. Uma solução para Azovstal está sendo buscada.
VÍDEO MOSTRA CIVIS
A recusa à evacuação dos civis, vista na segunda-feira, sem qualquer retorno do lado ucraniano e sem liberação de cidadãos não combatentes de Azovstal, contrasta com as declarações de mulheres e crianças, em um vídeo divulgado pelo setor de propaganda do Batalhão Azov, e filmado por eles, sob o título: “Esquecidos pelo mundo inteiro, mas não por Azov”.
O ‘apelo’ por ‘ajuda’ do Batalhão Azov é dirigido aos “líderes mundiais”, em que clamam por “métodos de extração” (sic) que permitam “levar todos” – os militares e neonazis entrincheirados nos subterrâneos da siderúrgica, cerca de 500 combatentes feridos e centenas de civis – para o território de um terceiro país.
Sobre o apelo, há o comentário russo de que foi enviado para o endereço errado, a Otan. Em síntese, os civis são cinicamente colocados na condição de reféns dos neonazis, militares regulares, mercenários e ‘instrutores’ que se mantêm na siderúrgica.
É óbvio que o governo de Kiev está vinculando a questão do resgate dos militantes Azov à evacuação de civis ao mesmo tempo.
DEIXEM-NOS IR EM SEGURANÇA
Nos depoimentos dos vídeos, crianças e mulheres pedem para sair em segurança e poder voltar para casa. “Queremos muito voltar para casa, queremos voltar vivos, queremos ver nossos pais, muito, muito!”, diz um menino. Uma idosa relata que está lá “há dois meses”
Uma mulher conta que só correu para lá “depois que a casa foi bombardeada”.
Outra diz que “temos muitas crianças aqui” e pede “garantias de segurança para nossas famílias para que possamos sair livremente e que seja tranquilo”.
Nossos suprimentos – ela acrescenta – “já estão acabando”. “Em breve não teremos comida, não teremos nada para alimentar nossos filhos. Portanto, peço-lhe que nos dê a oportunidade de ir para o território pacífico da Ucrânia a partir da fábrica de Azovstal”.
Um homem, que diz estar há 56 dias em Azovstal e que a comida e a água são poucas, pede um “regime de silêncio” [cessar-fogo] para “poder sair, ver meus parentes e amigos”.
“Faça-nos um corredor tranquilo para que possamos sair com segurança para tirar mulheres, crianças, velhos, porque não vamos durar muito assim”, ele completa – mas alguém em Kiev e nos bunkers da siderúrgica tem outros planos.
‘VENDA’ CASADA
É óbvio – apontam analistas – que o governo de Kiev está vinculando a questão do resgate dos militantes Azov à evacuação de civis ao mesmo tempo. A vice-primeira-ministra Vereshchuk disse que a questão de Azovstal será abordada pelo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, em sua visita a Moscou.
Eles também assinalam que o regime de Kiev não quer foto alguma da rendição do Batalhão de Azov e há ainda a questão pendente de quem seriam os ‘instrutores’ estrangeiros e mercenários que coabitam com os neonazis os bunkers na siderúrgica.
Na verdade – quem aponta é o correspondente de guerra do jornal russo Konsomolskaya Pravda, Dmitry Steshin -, “não deve ser muito difícil evacuar os civis que ainda estão nos porões. Suas casas estão aparentemente a apenas alguns quilômetros de onde estão agora. Se realmente estiverem inabitáveis devido à destruição, os civis podem ser transportados de ônibus em qualquer direção que desejarem, seja para parentes na Ucrânia ou para alojamento de refugiados na República Popular de Donetsk ou mesmo para a Rússia”.
“Mas não há vontade política em Kiev para dar esse passo. De acordo com informações russas, confirmadas por relatos de várias testemunhas oculares civis, sempre foi o lado ucraniano que disparou contra corredores de refugiados previamente acordados e depois culpou a Rússia pelo suposto fracasso das evacuações”.
AZOVSTAL
É de Steshin um histórico sobre o complexo siderúrgico. “Nem a atual Ucrânia, nem o oligarca Rinat Akhmetov [que se locupletou com a privatização], têm algo a ver com Azovstal. A siderúrgica foi construída pela URSS, além disso, duas vezes”, ele revela.
“Em 1930, o concreto foi lançado na fundação do primeiro alto-forno. Ao mesmo tempo, começou a construção de um porto e um canal navegável – o Mar de Azov é raso nesses lugares. Mariupol, uma cidade comercial tranquila e sonolenta perto do mar de Azov, se transformou em um gigantesco canteiro de obras. Já em 1939, um dos altos-fornos de Azovstal estabeleceu um recorde mundial de fundição de ferro – 1614 toneladas por dia. Um único forno de fornalha oscilante foi colocado em operação, o aço foi fundido na planta”.
“O Grande Combinado Patriótico não sobreviveu: em setembro de 1943, os alemães foram expulsos de Mariupol e, ao partirem, explodiram tudo: altos-fornos, fornalhas, baterias de coqueria, uma usina. Mas dois anos depois, a Azovstal não só foi restaurada, como também iniciou a produção de laminados! Além disso, todos os anos de poder soviético, a produção continuou a se expandir, literalmente, a cada ano”.
Em 1996, a filial alemã da seguradora marítima Lloyd reconheceu a fábrica como fabricante de aço para navios. Na sequência, foram os americanos reconheceram e certificaram o aço de alta resistência para plataformas de perfuração – apenas quatro instalações no mundo receberam tal reconhecimento, e a Azovstal é uma delas.
Desde o primeiro dia da operação especial russa na Ucrânia, 24 de fevereiro, o Batalhão Azov começou a trazer equipamentos militares pesados para Azovstal e a minar as instalações. Os altos-fornos foram parados – um novo lançamento de um alto-forno custa de 80 a 90% do custo de sua construção. A própria usina teve a energia cortada no segundo mês e, dos 14 mil funcionários, os que puderam, fugiram. Desde 2015, o Batalhão Azov transformou a unidade fabril em seu reduto.
No vídeo a seguir, o repórter Patrick Lancaster entrevista moradores de Mariupol assim que foram libertos da condição de reféns mantidos pelos nazistas do Batalhão Azov: