O governo Bolsonaro está preparando uma medida provisória (MP) para regularizar terras com base na autodeclaração. O professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), Gerd Sparovek, alerta que a ação do governo pode incentivar a grilagem de terras.
“O maior risco de uma regularização fundiária, que é a transferência de terras que hoje são públicas para o setor privado, com a autodeclaração, é a gente fomentar, com isso, a grilagem de terras. Pessoas que não são detentores legítimos daquele direito passarem a utilizar a facilidade da autodeclaração como uma forma de apropriação indevida dessas terras”, afirmou Sparovek, que participou de um recente estudo sobre cadastros fundiários, coordenado pela Escola Superior de Agricultura da USP com a parceria de pesquisadores e especialistas da Unicamp e do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), entre outros.
Regularização fundiária é o ato de destaque ou transferência de terras do patrimônio público para o privado por órgãos do governo. O governo estima haver 800 mil imóveis rurais sem títulos no país e espera regularizar 750 mil em 2019, após a aprovação da MP, segundo divulgou o G1.
De acordo com o estudo da USP, o Brasil tem 18 cadastros fundiários e os registros não batem. Cerca de 17% do território brasileiro não está em nenhuma base de dados. Em outras palavras, ninguém sabe quem são os donos, alertam os pesquisadores.
Os pesquisadores explicam que também existe sobreposição de fazendas com terras indígenas, com áreas de proteção ambiental ou com terras públicas. Das cerca de 6 milhões de propriedades rurais, pelo menos 700 mil não têm escritura.
Os especialistas calculam que, só na Amazônia, 32 milhões de hectares estão em situação indefinida, e também destacam que esse caos fundiário vem abrindo espaço para a invasão de terras públicas e grilagem, violência e desmatamento.
Na nota técnica divulgada no dia 17 de outubro, os pesquisadores afirmam que “qualquer instrumento simples e flexível de cadastro autodeclarado sobre os limites de propriedades precisa ser acompanhado de um robusto e sofisticado sistema técnico para a sua validação. Este exige um alto grau de automação, combinado com uma equipe técnica e analítica de alto nível e em quantidade suficiente. Não temos conhecimento que tal estrutura de sistemas e pessoal esteja disponível na escala necessária para enfrentar a complexidade da situação fundiária brasileira. Também nos parece improvável haver capacidade de investimento para se alcançar a condição necessária, considerando-se os cortes de investimentos públicos do governo federal. Ademais é preciso considerar as diferenças significativas existentes entre a elaboração de um cadastro e a consumação de um processo de regularização fundiária, indubitavelmente muito mais complexo e que requer uma série de cuidados”,
Eles concluem a nota afirmando que “solução simplificada e baseada em autodeclaração pode acentuar conflitos e disputas, questionamento de títulos e aumentar ainda mais a insegurança jurídica sobre a propriedade. Pode beneficiar um grupo social muito restrito e, não necessariamente, os que mais necessitam de soluções. Pode também induzir e facilitar ainda mais a grilagem de terras públicas, acentuar problemas ambientais, aumentar o desmatamento e dificultar o funcionamento de diversas políticas públicas”.
Leia na integra o documento: Nota técnica preliminar sobre o anúncio de Medida Provisória de regularização fundiária
A pesquisadora associada ao Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Brenda Brito, também defende que a medida do governo não solucionará a situação da regularização de terras no Brasil.
“Historicamente, toda tentativa de se fazer um registro de terra com base em autodeclaração, no Brasil, ele foi um fracasso e levou a mais prejuízo e conflitos agrários no campo, porque o governo nunca tem essa capacidade de verificar o que está sendo declarado, e esses documentos acabam sendo usados para vender terra ou ser registrados. E isso cria, sim, conflito em campo”.
Um dos exemplos de fracasso foi o Cadastro Ambiental Rural criado em 2014. Das 6 milhões de autodeclarações, até agora, só 3% foram verificadas pelos governos estaduais.