O relator da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o direito à moradia, Balakrishnan Rajagopal, condenou nesta quinta-feira o governo brasileiro por cruzar os braços diante dos despejos, mesmo em meio ao crescimento da pandemia. A acusação ao comportamento de Jair Bolsonaro foi feita durante o Conselho de Direitos Humanos da ONU, atendendo à solicitação dos movimentos de moradia do Estado de São Paulo.
Apontando a realização de ações de despejo desde março, envolvendo a expulsão de mais de 2.000 famílias paulistas de suas casas, o especialista alertou que “milhares de outras estão em risco nas cidades e no interior” do país.
“O Brasil tem o dever de proteger urgentemente todos, especialmente as comunidades em risco, da ameaça da covid-19, que afetou mais de um milhão e meio de pessoas no país e matou mais de 65.000”, ressaltou o relator especial da ONU. Segundo Rajagopal, “desalojar forçosamente pessoas de suas casas nesta situação, independentemente do status legal de seu arrendamento, é uma violação de seus direitos humanos”.
Mesmo que alguns tribunais tenham suspendido as ordens de despejo até que a violenta crise sanitária termine, outros continuam emitindo ordens, em flagrante violação a este direito elementar. “As autoridades locais também parecem priorizar a reintegração de posse de propriedades pertencentes a grandes empresas e proprietários de terra em detrimento da saúde e segurança das pessoas vulneráveis”, alertou.
Além disso, ponderou Rajagopal, tais medidas entram em conflito com as ações para evitar a propagação da doença. “O Ministério da Saúde brasileiro pediu às pessoas que ficassem em casa se tivessem sintomas, que lavassem bem as mãos e que mantivessem distância física a fim de evitar o contágio. Ao mesmo tempo, centenas de famílias foram despejadas no estado de São Paulo sem nenhuma acomodação alternativa, o que as impossibilita de cumprir as recomendações oficiais e as torna em alto risco de contágio”, acrescentou.
Para o especialista da ONU, é preocupante o veto de Bolsonaro a um esforço do Congresso Nacional para limitar a gravidade do impacto dos despejos. Os parlamentares ainda não votaram um projeto de lei mais amplo para suspender todos os despejos judiciais ou administrativos durante a pandemia. “Eu encorajo os poderes legislativo e executivo no Brasil a priorizar urgentemente a proteção dos direitos humanos das comunidades em situações vulneráveis”, conclamou.
Na avaliação do relator, “a atual crise sanitária exige medidas de emergência, incluindo uma moratória imediata sobre todos os despejos”. “A solução da crise habitacional do Brasil, com uma falta estimada em mais de 7 milhões de unidades habitacionais, implicará em outras medidas mais transformadoras, que o país também precisa considerar sem mais demora”, concluiu.
Conforme os movimentos de moradia, o que se tem visto, na prática, “é a continuidade e efetivação de remoções forçadas de populações, fazendo com que mulheres, em muitos casos, gestantes, homens, crianças, idosos, pessoas portadoras de deficiência e outras comorbidades fiquem expostos à violência da remoção e da falta de moradia, acrescida da exposição ao novo coronavírus”.