O corregedor-geral eleitoral, Benedito Gonçalves, votou pela condenação e cassação dos direitos políticos de Jair Bolsonaro por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião com embaixadores, em julho de 2022.
Benedito Gonçalves, relator da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) 0600814-85, proposta pelo PDT contra Jair Bolsonaro e Walter Braga Netto, começou a ler seu voto às 19h desta terça-feira (27).
Os demais ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deverão votar na quinta-feira (29). Caso condenado, Bolsonaro ficará inelegível por oito anos.
A análise das provas “não deixou dúvidas de que Bolsonaro difundiu informações falsas a respeito do sistema eletrônico de votação direcionada a convencer que havia grave risco de que as eleições de 2022 fossem fraudadas para assegurar a vitória do candidato adversário”, declarou Benedito Gonçalves em seu voto.
“Ao propor uma cruzada contra uma inexistente conspiração para fraudar eleições, Bolsonaro não estava perdido em autoengano: estava fazendo política e estava fazendo campanha”, advertiu o ministro. O ato do ex-presidente “transborda no golpismo sob a forma de um flerte perigoso com soluções extremas, supostamente motivadas pelo desejo de eleições transparentes”.
O ministro apontou em seu voto que o ex-chefe do Executivo “violou ostensivamente deveres de presidente da República”. E “despejou sobre as embaixadas, embaixadoras e embaixadores mentiras atrozes a respeito da governança eleitoral brasileira”.
O objetivo do discurso de Bolsonaro era “gerar e manter mobilização política de caráter altamente passional e impermeável à contestação factuais vindas de fora da bolha”. “Conspiracionismo, vitimização e pensamentos intrusivos foram fortemente explorados no discurso”.
O conteúdo da fala de Bolsonaro servia somente “para incitar um estado de paranóia coletiva” naqueles que acompanharam pela TV Brasil ou pelas redes sociais “diante do amontoado de informações falsas ou distorcidas”.
“A liberdade de expressão não alberga a opção de Bolsonaro por trazer informações falsas para fabricar uma teoria conspiracionista sobre fraudes eleitorais envolvendo ministros e servidores do TSE, sendo inconcebível que o chefe de Estado usasse de um evento oficial transmitido ao vivo para fazer diversas declarações inverídicas”, declarou o ministro.
A reunião aconteceu no dia 18 de julho de 2022 no Palácio do Planalto e teve transmissão na TV Brasil e nas redes sociais de Bolsonaro. Jair Bolsonaro “foi integral e pessoalmente responsável pela concepção intelectual do evento”, continuou.
A transmissão na TV Brasil e nas redes “fizeram com que a mensagem se alastrasse rapidamente, efeito potencializado pela tendência das informações falsas, sobretudo em temas políticos, em circular com maior velocidade e produzir mais engajamento que informação verídica”.
O evento “possibilitou a projeção antecipada de temas que foram explorados continuamente na campanha, assegurando aos investigados [Bolsonaro e Braga Netto] vantagem eleitoral triplamente indevida”.
O ex-presidente ainda “violou ostensivamente” o dever do presidente da República de zelar pela independência dos Poderes da República.
Gonçalves afirmou que a reunião foi um ato eleitoreiro uma vez que nela foi divulgada e usada a estratégia de Bolsonaro para sua reeleição, que era, em parte, desacreditar as urnas eletrônicas e dizer que era um candidato perseguido pelo TSE.
O corregedor-geral afirmou que Jair Bolsonaro, em seu discurso aos embaixadores e todos os demais que assistiam ao vivo, usou argumentos falaciosos e construiu uma narrativa de que as eleições seriam fraudadas contra ele.
“O improvável fio condutor [do discurso] foi a afirmação de que houve manipulação de votos nas eleições de 2018 e que era iminente o risco nas eleições de 2022 que a fraude se repetisse, quiçá levando que o candidato verdadeiramente mais votado não fosse proclamado eleito”, explicou Benedito Gonçalves.
Bolsonaro “se apresenta como líder popular que, até mesmo correndo riscos pessoais, vinha conduzindo uma jornada heróica pela defesa da democracia brasileira”.
“Nesta performance, se mostra disposto, de forma altruística, a levar ao conhecimento da comunidade internacional os enormes riscos que rondariam as eleições de 2022. Descreve-se como conhecedor do sistema e da política brasileira, dizendo que percorreu o país em campanha desde a eleição de 2014 até reunir multidões”, relatou Gonçalves.
Por outro lado, “o TSE é desenhado como instituição opaca, cooptada por magistrados e servidores com grande poder de interferência sobre o cômputo de votos e disposição para exercer esse poder em benefício do principal adversário [Lula]”.
Quando da reunião com embaixadores, o TSE já havia esclarecido diversos pontos publicamente. O ex-presidente Bolsonaro optou por não mencionar esse fato no encontro.
De acordo com o voto, Jair Bolsonaro planejou a reunião como “evento resposta” a um encontro informativo do TSE para embaixadores estrangeiros
No evento, Bolsonaro “desenhou a possibilidade de não aceitação no pleito de 2022 caso não satisfeitas as condições que considerava inegociáveis para garantir eleições limpas”.
FORÇAS ARMADAS
Em seu voto, o corregedor-geral eleitoral apontou que Jair Bolsonaro se utilizou do prestígio das Forças Armadas para tentar descredibilizar o processo eleitoral brasileiro.
Para o ex-presidente, o fato do TSE não ter acatado a todas as sugestões feitas pelas Forças Armadas para o processo eleitoral é uma “prova” de que o pleito seria fraudado.
“As Forças Armadas passaram a ocupar um papel central na estratégia de Bolsonaro para confrontar o TSE. Isso acabou dando contornos muito problemáticos à margem difundida” na reunião com embaixadores.
No discurso, Bolsonaro “mencionou as Forças Armadas 18 vezes, sempre com uma concepção hiperdimensionada do convite para integrar a Comissão de Transparência do TSE”. Ele ainda “lembrou por duas vezes a sua pré-condição como chefe-supremo das Forças Armadas, em ambas para indicar que não endossaria uma farsa”.
“Para se ter uma ideia, a palavra ‘democracia’ apareceu apenas quatro vezes e em nenhuma delas foi reconhecida como um valor associado à realidade do processo eleitoral”, sublinhou.
DECRETO GOLPISTA
O relator Benedito Gonçalves explicou que a minuta de decreto golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, é válida como prova no caso porque tem relação com a estratégia eleitoral de Bolsonaro usada na reunião com embaixadores.
Para ele, “as palavras podem levar dano à democracia” e “não é possível fechar os olhos para os efeitos antidemocráticos de discursos violentos e mentiras que colocam em xeque a credibilidade da Justiça Eleitoral”.
A minuta de decreto presidencial era “golpista em sua essência e perigosamente compatível com a lógica defendida por Bolsonaro na reunião” de julho de 2022.
Com o discurso mentiroso sobre o processo eleitoral e o TSE, Bolsonaro legitimou “eventuais pensamentos golpistas que se insinuaram”.
Ao final, Gonçalves declarou acatar parcialmente a ação, ou seja, pediu a inelegibilidade de Bolsonaro e rejeitou a condenação do candidato a vice na chapa, Walter Braga Netto.
O ministro Raul Araújo é o próximo a apresentar o seu voto.