República Saarauí: Palmares no norte da África

Saarauís em manifestação por soberania (FP)

A convite da Frente Polisário, delegação brasileira visita campos de refugiados

MONICA FONSECA SEVERO

Neste 20 de novembro, oficialmente Dia Nacional de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, integro uma delegação e viajo para a África. Mais especificamente para a região noroeste do Saara, onde estão os campos em que vivem os refugiados saarauís, na Argélia, próximos à cidade de Tindouf. Segundo a ONU, são cerca de 200 mil pessoas que vivem em cinco campos, 88% destas sofrendo insegurança alimentar, 60% economicamente inativas e com 11% das crianças agudamente desnutridas. 

O território do Saara Ocidental é rico e marcado por décadas de conflito, sendo a última colônia do continente africano. Outrora dominada pela Espanha – da Partilha da África pelos corsários europeus, até 1976 – a região passou a ser disputada entre a Mauritânia e o Marrocos. O povo do deserto enfrentou as duas nações, e a Mauritânia se retirou do território em 1979. O enfrentamento com o Marrocos, no entanto, segue até nossos dias.

A ocupação marroquina domina a faixa litorânea, onde se concentram as riquezas. Além da pesca, há agricultura e fosfato, que é utilizado como fertilizante. Não se conhecem os números destes negócios, pois o Marrocos não os divulga. A ONG Western Sahara Resource Watch é quem dá detalhes do tamanho do saque, que recebe apoio dos EUA e de potências europeias. Transnacionais lucram com o conflito e agem para normalizar a situação de dominação e espoliação do povo.

Muro da vergonha também existe, construído com apoio e experiência da França e de Israel: conhecido como Berma, o paredão marroquino é uma das maiores barreiras militares ativas do mundo. Seus 2.700 km de extensão, vigiados, foram construídos na década de 80 e tem campos minados ao seu redor. 

O SAARA OCIDENTAL É A ÚLTIMA COLÔNIA NA ÁFRICA

A ONU atua na região, com uma missão (MINUSRO) que tentava organizar uma saída amistosa para o conflito, bem como atender às necessidades básicas dos moradores dos campos de refugiados. No entanto, no mês passado, o Conselho de Segurança aprovou uma resolução apoiando o Marrocos em sua reivindicação de soberania sobre o Saara Ocidental. Foi fruto de uma negociação com o governo Trump, em troca do reconhecimento do Estado de Israel pelo regime marroquino. Se o patrocínio foi dos EUA, o apoio veio em 11 votos. Rússia, China e Paquistão se abstiveram.

Esta mudança de postura da ONU veio acompanhada de mensagem de Trump para o rei Mohammed VI, que respondeu com uma “uma menção especial” aos EUA e elogios ao “amigo” Donald. Em seus agradecimentos, o rei não se esqueceu da Espanha, do Reino Unido e da França.

Os saarauís se declaram uma mistura de cultura africana, árabe e espanhola. Islâmicos, não permitem que os homens tenham várias esposas e o divórcio é legal. As mulheres são ministras e compõem 30% do parlamento. A cada quatro anos acontecem eleições para presidente, membros da Frente Polisário e para o Parlamento. Há 650 mulheres saarauís desaparecidas pelo governo marroquino, além de uma centena de prisioneiros políticos nos cárceres, lideranças que ousaram levantar sua voz contra a ocupação.

A República Árabe Saarauí Democrática (RASD) é reconhecida por 84 países no mundo e tem assento na União Africana (UA). O Brasil reconhece a Frente Polisário, mas mantém uma posição de neutralidade em relação ao status diplomático da RASD.

Se a relação com a Palestina é direta, neste novembro imagino que os saarauís estão aquilombados em seus campos Palmares. Que os jovens combatentes do deserto, enfrentando o poder bélico das potências, são descendentes dos ideais de Zumbi e Dandara. Que a proposta do Conselho de Segurança da ONU parece o mesmo prometido a Ganga Zumba: uma Cucaú para alguns e a permanência dos grilhões para outros. Resta saber se os palmarinos vão aceitar.

Monica Fonseca Severo é mestre em filosofia, produtora cultural, professora e sindicalista.

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