Assim que o governo do Egito cancelou os encontros oficiais com o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, previstos durante o 2º Fórum Brasil-Egito de Oportunidades de Investimento, que se realizaria de 8 a 11 de novembro, já com a presença de 20 empresários brasileiros no Cairo, no dia 5, Bolsonaro começou a desconverar de sua propalada mudança de embaixada brasileira para Jerusalém quando assumisse o governo (tudo, segundo ele mesmo, “inspirado” no recém derrotado – nas eleições intermediárias – presidente Trump). Disse coisas como “não é uma questão de honra” e “algo que não está decidido ainda”.
Aloysio teria encontros com o chanceler Sameh Shoukry e com o general Abdel Fattah al-Sisi, que ocupa a Presidência do país desde 2014.
Na saída da visita ao Ministério da Defesa, foi perguntado por jornalistas sobre o assunto e saiu sem responder à imprensa.
A questão é que as declarações de Bolsonaro tanto na campanha, quanto depois de eleito de que iria mudar a embaixada do Brasil para Jerusalém ocupada, contrariando decisões da ONU, tanto do Conselho de Segurança, quanto da Assembleia Geral, geraram um isolamento que ameaça trazer sérios prejuízos ao país.
Um dia antes da decisão egípcia, o presidente da Câmara de Comércio Brasil-Árabe, Rubens Hannun, já alertara que a medida, se tomada, poderia levar o Brasil a perder um mercado que consome, em termos de importações do nosso país, US$ 12,7 bilhões. Em termos de comércio com os 22 países árabes o Brasil apresentou em 2017 perto dos 6 bilhões de dólares de superavit.
A primeira declaração árabe oficial veio da Palestina através de uma de suas mais destacadas lideranças, a diplomata e acadêmica Hanan Ashrawi, que considerou a declaração “hostil” e que, “além de provocativa e ilegal, não contribui para a paz nem para a estabilidade na região do Oriente Médio”.
Como já demonstrou através de seu estilo truculento de se pronunciar, o eleito não tenderia a se importar muito com a palestina Ashrawi, tanto assim que disse que fecharia a embaixada da Palestina em Brasília, também contrariando decisões de governos brasileiros desde 1975, e da ONU, reconhecendo a Palestina como membro-observador.
Mas a medida egípcia, que atinge em cheio o agronegócio, o fez tremer.
Mais divulgada, a medida do Egito não foi a única. Na página da Câmara de Comércio Brasil-Árabe, tanto o anúncio do fórum que se realizaria no Cairo, como a de uma missão empresarial brasileira ao Catar, aparecem como “Postergadas”.
As duas medidas, tanto pelo seu caráter, como pela rapidez com que foram tomadas devem ter surpreendido quem achava que podia sair tomando medidas hostis sem dar satisfação a ninguém.
Além destas iniciativas, a Organização para a Cooperação Islâmica (OCI), também se manifestou: “A Organização para a Cooperação Islâmica [OCI] condena o presidente eleito do Brasil por se comprometer a transferir a embaixada de seu país para a cidade ocupada de Al-Quds [Jerusalém], convidando o Brasil a reconsiderar essa posição ilegal, em flagrante violação do direito internacional e de relevantes resoluções da ONU”. Neste caso, já não é somente o relevante comércio com 22 países árabes que o seguidismo de Bolsonaro a Trump coloca em risco, estamos falando de 57 países.
O Brasil garantiu presença de seus produtos alimentícios em um grande esforço para ter uma produção de carne processada sob as normas islâmicas, o Halal (que a única forma de abate preceituada pela qual o muçulmano pode ingerir a carne), tornando-se um dos mais fortes exportadores de carne Halal do mundo.
“Não acredito em rompimento de relações diplomáticas e comerciais, mas os árabes poderão preferir outros concorrentes brasileiros, não certificar novas plantas para o abate Halal ou não renovar a certificação”, alerta Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério de Indústria e Comércio. Ele destaca que o mercado árabe paga preço adicional pelo produto Halal.
No ano passado, as exportações de frango Halal, renderam ao Brasil US$ 3,2 bilhões e responderam por 45% das receitas totais de vendas externas do produto, segundo dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), alerta para “o reflexo negativo recai na economia, danificando as exportações”.
Castro ressaltou que o Egito é um dos poucos países que o Brasil tem acordo comercial porque negocia muitos produtos, cerca de 800. O Egito foi o 3.º maior comprador da carne bovina brasileira, 146,95 mil toneladas e participação de 12,1%.
Para o diretor da MB Agro, José Carlos Hausknecht, o estremecimento das relações entre Brasil e Egito pode afetar as vendas de açúcar para os países árabes. O Brasil exporta cerca de 28 milhões de toneladas de açúcar por ano-safra. Só para o Egito, foram embarcadas no ano passado 1,5 milhão de toneladas.
Dá para se imaginar o impacto que seria a desastrosa medida se considerados os 57 países islâmicos.
NATHANIEL BRAIA