Com apoio dos EUA e da França, a imensa máquina de guerra do reinado do Marrocos enfrenta a determinação saarauí
A agenda de nossa caravana de solidariedade ao povo da República Árabe Saarauí Democrática (RASD) é muito intensa. Até agora, visitamos escolas de educação infantil, ensino fundamental e médio. Fomos ao Museu de Antropologia e ao Museu da Resistência. Participamos dos atos em comemoração aos 50 anos do Meia Lua Vermelha Saarauí e da abertura do XI Congresso da União da Juventude Polisário- UJSario. Fomos convidados a um casamento e a uma festa no deserto. Conversamos com o ministro da Educação, com a ministra de Assuntos das Mulheres, com o secretário-executivo do Ministério da Saúde. Mas o mais impactante, o mais emocionante, é a convivência com esta gente tão generosa e gentil, que enfrenta enormes adversidades. Aqui é melhor prepararmos nossos pratos, pois os anfitriões servem uma quantidade colossal de comida quando o fazem.
A educação é obrigatória até os dezesseis anos. Há vagas para todas as crianças. Como disse o ministro da Educação, Abdelkader Taleb Omar, muitos vão se perdendo pelo caminho. A falta de perspectiva de trabalho desestimula a busca de formação universitária. As dificuldades cotidianas colocam um sem-número de problemas e muitos não concluem o Ensino Médio. Falar em desemprego na juventude não é o mesmo que em nosso país. Como grande parte das coisas foram construídas de forma coletiva e voluntária, o trabalho está presente em todas as rotinas. Lembremos, estes são os descendestes daqueles que saíram de suas casas fugindo de ataques, foram bombardeados em suas barracas no deserto, vieram habitar uma região em que não havia nada, onde se considerava impossível viver.
Mais de 80% dos profissionais de educação são mulheres. Infelizmente, as condições econômicas são tão adversas que uma das batalhas é dar a estas mulheres a condição de exercer a docência. Sim estamos falando de um povo que precisa de ajuda humanitária para viver. Um povo que teve a parte mais rica de seu território sequestrada pelos marroquinos, a serviço dos interesses dos Estados Unidos, da França, dos países ricos.
Há muita solidariedade. A Argélia é lembrada por todos com quem conversamos. Desde a primeira hora acolheu o povo exilado, reservando uma parte de seu território para que instalassem sua República, cuidando de sua saúde, do abastecimento, ajudando na educação. Sempre respeitando sua identidade. Os atos dos argelinos são descritos como obras de amor, que jamais serão esquecidas. E são várias histórias, desde o combate ao surto de cólera, o tratamento dos mutilados na guerra, até as vacinas contra a Covid.
CAMPANHA DE DESINFORMAÇÃO É DIRIGIDA POR ISRAEL
A coisa é tão complicada que a campanha de desinformação pelas redes sociais dos marroquinos é feita com a gerência e expertise do Mossad, o serviço secreto de Israel. Os sionistas também estão envolvidos numa nova fase, em que corpos humanos são caçados por drones. Já são mais de 300 mauritanos, argelinos e saarauís atingidos por esta nova modalidade de conflito. Uma escalada de violência, desproporcionalidade de forças e pura covardia. Como disse Paco, nosso guia no Museu da Resistência, com “seus cinco tomates e seu falso turismo, como o rei poderia sustentar tudo isso?”. Paco se refere à monarquia marroquina, que investe de 3 a 4 milhões de dólares por dia para sustentar a máquina de guerra, o enorme exército, os mercenários, a manutenção da enorme estrutura que simplificamos chamando de muro.
Este muro é uma enorme extensão de mais de 2.700 quilômetros, composto por vários obstáculos. Campo minado com peças para explodir pessoas e outras para mandar pelos ares automóveis. Bombas que se deslocam quando chove, na proporção aproximada de 10 para cada saarauí vivo. Uma cota de bombas per capita.
Depois do campo minado, alambrados. Segue o largo e alto muro de areia, minas, mais outro muro de pedras. Artilharia e radares, que os marroquinos conseguem com os europeus a pretexto de “conter a imigração”. Há também profundas trincheiras. Só então chegamos nas tropas de intervenção rápida e suas instalações, prontas para um ataque a qualquer hora.
A RASD é reconhecida por 84 países, e não estamos nesta lista. Esse gesto não é mero jogo diplomático, pode ajudar este povo a voltar para sua casa, ter as condições de manter sua vida sem depender de ajuda humanitária. A analogia com a questão palestina é direta, a motivação também. Podemos e precisamos avançar.
Comecei falando de escola e acabei no muro, nas bombas. Pois esta viagem é isso. O riso e o sorriso largo das crianças, a pintura de rena em nossas mãos, as mulheres e homens que nos recebem com tanta deferência em contraste com a carência material, os mutilados, a violência que enfrentam a décadas. O deserto é isso, parece que está tudo seco, mas a vida floresce. Por isso sei que a vitória será do povo saarauí. A vida prevalecerá!
Monica Fonseca Severo, da wilaya Bojador, República Árabe Saarauí Democrática, novembro de 2025.











