
Medida foi justificada pela gestão Tarcísio/Feder como mecanismo de ‘otimização de vagas’ e desrespeita a Lei de Diretrizes e Bases da Educação que determina consulta ao Conselho Tutelar nesses casos
Mais uma vez as ações descabidas da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo entram na mira do Ministério Público de São Paulo. Após a absurda tentativa de proibir os livros didáticos no Estado, o MP-SP instaurou inquérito civil para apurar inconstitucionalidade e ilegalidade da resolução editada pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) que prevê a expulsão de alunos que faltarem às aulas por 15 dias consecutivos.
A medida, anunciada em 5 de julho, foi justificada pela gestão Tarcísio/Feder como mecanismo de ‘otimização de vagas’, o que significa tratar a educação como mercadoria e, portanto, deve gerar lucros ao invés de despesas. Uma visão excludente e mercadológica da dupla bolsonarista.
No documento, assinado pelo secretário/empresário Renato Feder, dono da Multilaser, empresa que possui contratos com o governo de São Paulo, a escola pode incluir o aluno na lista de não comparecimento a partir do décimo sexto dia de ausência, depois de procurá-lo através dos dados do sistema. Passado esse processo, o estudante será excluído desse sistema, perdendo a vaga.
Na resolução não é mencionado se o Conselho Tutelar terá a palavra final na expulsão do estudante, o que é prerrogativa do órgão, conforme determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A medida afeta 3,5 milhões de alunos matriculados nos ensinos fundamental, médio e EJA (Educação de Jovens e Adultos).
O Geduc (Grupo de Atuação Especial de Educação do PM) deu prazo de dez dias para que a pasta justifique a decisão, indique quantos estudantes já foram atingidos e informe sobre a possibilidade de revogação ou revisão da norma, válida desde julho.
Os promotores João Paulo Faustinoni, Bruno Simonetti e Fernanda Cassiano solicitam dados sobre as medidas de controle da frequência dos estudantes, bem como as ações que comprovem a realização de busca ativa daqueles com o registro de faltas frequentes. O grupo também pede informações à secretaria sobre a estrutura existente nas escolas minimizar as ausências e evitar o abandono da escola.
“Considerando a sempre desejável solução dialógica e extrajudicial de conflitos, informe a possibilidade de revogação expressa da referida resolução 25/2023 ou de sua revisão, assegurando-se o direito constitucional de permanência e frequência escolar, o cumprimento das normas de prevenção e enfrentamento à evasão escolar e compatibilização com as necessidades de organização administrativas da rede”, requer o MP.
A mudança restringe o direito básico à educação garantido pela Constituição, dificulta a permanência de jovens que cursam o período noturno e ainda pode ocasionar a perda de benefícios atrelados à frequência escolar, como o Bolsa Família.
Além da ‘otimização’ de vagas, segundo afirmou a secretaria, a medida “beneficia estudantes frequentes que aguardam transferências entre unidades”. A gestão empresarial alega que o “recurso” só poderá ser aplicado quando as 15 ausências consecutivas não forem justificadas e quando todas as tentativas para garantir o retorno do estudante, como contatos telefônicos, mensagens e cartas, não atingirem o objetivo.
Mas para os promotores “a complexidade dos citados fatores de exclusão escolar não parece admitir medidas simples e pontuais de enfrentamento, exigindo políticas públicas estruturadas e contínuas”. Eles afirmam ainda que a gerência de oferta de vagas deve “guardar harmonia com as normas constitucionais e legais que exigem esforços máximos para a permanência e garantia do percurso escolar dos estudantes”.
AUTORITARISMO SEM FUNDAMENTO
“É a coisa mais autoritária, sem nenhum fundamento pedagógico e social. Eles não têm a mínima noção das dificuldades que passa hoje a juventude brasileira, após uma pandemia, uma crise econômica e um desemprego enorme dos pais”, criticou a professora Madalena Guasco Peixoto, diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP, em entrevista ao Portal Vermelho.
“A medida só aumenta a exclusão, além de mostrar o autoritarismo”, prossegue a educadora, que também é secretária-geral da Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino). “O papel da escola não é saber se a criança vai ou não, o papel da escola é acolhimento”, defende.
Para Madalena, a escola deveria ter como primeira providência saber a razão das faltas. Depois, oferecer o apoio necessário, inclusive com reforço escolar. “Essa é a concepção pedagógica, por isso, essa medida não tem base em nenhuma concepção de educação, senão numa visão autoritária, anti-escola e anti-acolhimento”.