“O Brasil conta com o Pré-Sal, que é a mais produtiva província petrolífera do mundo, mas o seu povo, que é o verdadeiro dono dessa província, não se beneficia dela em razão de o País ter um dos piores “modelos” do mundo. Quando será que o País discutirá seriamente todas essas questões?”, questiona o Consultor Legislativo aposentado Paulo César Ribeiro Lima
O Consultor Legislativo aposentado, Paulo César Ribeiro Lima, uma das maiores autoridades em petróleo no Brasil, apresenta neste artigo, uma profunda análise crítica do atual modelo adotado no setor petrolífero do país e aponta os caminhos para que o Brasil e o seu povo possam desfrutar dessa riqueza incomensurável que é o petróleo.
“A baixa participação governamental no Brasil é, de fato, a principal “infecção” do modelo brasileiro. Essa participação é especialmente baixa quando comparada a de outros países produtores de petróleo”, diz o especialista. “Nos Estados Unidos, onde a produção interna é extremamente incentivada, a participação governamental média de 2009 a 2014 foi de 67%; na Noruega, foi de 76%. Na Arábia Saudita, em razão do monopólio estatal do petróleo, a participação governamental é próxima de 100%. No Brasil, entretanto, essa participação foi de apenas 56% nesse período”, acrescenta.
“Mantido o atual “modelo petrolífero”, seria importante estabelecer uma alíquota para o imposto de exportação de petróleo bruto no caso de elevadas cotações desse produto e alterar o modelo brasileiro de tributação sobre a renda. A cobrança de um imposto de exportação poderia reverter o atual quadro de baixos investimentos no segmento Refino, Transporte e Comercialização? Poderia. Além disso, abriria espaço fiscal para a redução dos tributos sobre o consumo e para a instituição de subvenção econômica, com grandes benefícios para a população”.
Confira o artigo na íntegra.
Esclarecimentos do resultado contábil da Petrobrás no 3º Trimestre de 2021 e sobre o modelo brasileiro
Os altos preços dos combustíveis são a febre, mas não são a infecção
PAULO CÉSAR RIBEIRO LIMA (*)
Tem sido publicado na grande mídia nacional, em sítios da internet defensores do papel estratégico da Petrobrás e contrários à desconstrução da estatal, e até em Lives de candidato à Presidência da República, que os elevados preços praticados pela Petrobrás, que repercutem nos preços pagos pelos consumidores brasileiros, foram responsáveis pelo elevado lucro contábil da empresa no 3º trimestre de 2021.
Este artigo tem por objetivo demonstrar, com números, que os abusivos preços praticados pela Petrobrás não são a principal causa desse alto lucro e da elevada distribuição de dividendos, inclusive para acionistas estrangeiros, e esclarecer sobre a principal razão de tais fatos.
No 3º trimestre de 2021, no segmento Exploração e Produção (E&P), o lucro operacional da Petrobrás foi de R$ 63,1 bilhões, enquanto o lucro – Acionistas foi de R$ 41,8 bilhões, conforme mostrado na Figura 1. O segmento E&P também apresentou um altíssimo EBITDA ajustado de R$ 54,5 bilhões, com margem de 71%.
O Refino, Transporte e Comercialização (RTC) é outro importante segmento da Petrobrás, responsável pelas refinarias, seus respectivos ativos de transporte e pela comercialização de derivados, como óleo diesel, gasolina e gás de cozinha (GLP).
No 3º trimestre de 2021, o segmento RTC apresentou resultados contábeis muito inferiores ao segmento E&P. Isso sempre ocorre quando há elevação nos preços do petróleo. Do 2º trimestre para o 3º trimestre, a cotação média do petróleo Brent aumentou de US$ 68,83 por barril para US$ 73,47 por barril.
Conforme mostrado na Figura 2, o lucro operacional do segmento Refino, Transporte e Comercialização foi de apenas R$ 6,3 bilhões, enquanto o lucro – Acionistas foi de apenas R$ 5,5 bilhões.
Como no 3º trimestre de 2021, o lucro consolidado atribuível aos Acionistas foi de R$ 31,14 bilhões, fica demonstrado que o lucro – Acionistas do segmento Exploração e Produção foi o grande responsável pelo lucro consolidado e que o segmento Refino, Transporte e Comercialização teve pequena participação.
A Figura 3 ilustra a composição do lucro consolidado da Petrobrás no 3º trimestre a partir da contribuição de cada segmento de negócio da empresa.
Os elevados lucros no segmento Exploração e Produção explicam, de certa forma, porque a Petrobrás está concentrando suas operações na produção dos campos mais produtivos do mundo do Pré-Sal e vendendo metade do seu parque de refino.
Mas essa é uma visão equivocada, pois, no caso de baixos preços do petróleo, o segmento Refino, Transporte e comercialização garante importantes lucros para a Petrobrás. Desse modo, o segmento RTC é fundamental para a resiliência financeira da estatal. Mas essa discussão não é o objetivo deste artigo.
No cenário de altos preços do petróleo, é o segmento Exploração e Produção que deveria gerar receitas para o Estado brasileiro, de modo a reduzir e estabilizar os preços dos combustíveis pagos pelos consumidores. Isso poderia ocorrer tanto pela redução dos tributos pagos pelo povo brasileiro quanto por subvenções econômicas.
A baixa participação governamental no Brasil é, de fato, a principal “infecção” do modelo brasileiro. Essa participação é especialmente baixa quando comparada a de outros países produtores de petróleo. A Figura 4 mostra a posição relativa do País.
Nos Estados Unidos, onde a produção interna é extremamente incentivada, a participação governamental média de 2009 a 2014 foi de 67%; na Noruega, foi de 76%. Na Arábia Saudita, em razão do monopólio estatal do petróleo, a participação governamental é próxima de 100%. No Brasil, entretanto, essa participação foi de apenas 56% nesse período.
Essa baixa participação governamental no Brasil é mais grave, ainda, em razão da elevada produção e produtividade da província petrolífera do Pré-Sal. Nessa província, estão localizados os poços mais produtivos do mundo; mais produtivos do que na Arábia Saudita, conforme mostrado na Figura 5.
Em seu Relatório Fiscal do 3º trimestre de 2021, a Petrobrás informou que pagou R$ 134,1 bilhões nos três primeiros trimestres de 2021, o que não é verdadeiro. A Figura 6 apresenta a informação incorreta da Petrobrás.
A principal parcela desse total de R$ 134,1 é o ICMS (tributo estadual) de R$ 64 bilhões que foi pago pelo consumidor brasileiro quando da compra do combustível. Mas o consumidor pagou também R$ 22,9 bilhões de tributos federais: PIS, COFINS e CIDE.
No 3º trimestre de 2021, a Petrobrás pagou participações governamentais correntes de R$ 14,5 bilhões e tributos sobre a renda de R$ 9,8 bilhões, o que totalizou R$ 24,3 bilhões.
Nesse trimestre, a produção média da Petrobrás no Brasil alcançou 2,27 milhões de barris de petróleo por dia e 520 milhões de barris equivalentes de gás natural por dia. O preço médio de venda do petróleo foi de US$ 69,54 por barril.
Como o custo total de produção de petróleo, sem participações governamentais, foi de US$ 21 por barril, a receita líquida foi de US$ 48,54 por barril. Para uma produção de 208,84 milhões de barris de petróleo no Brasil, a receita líquida total foi de R$ 53,02 bilhões, com taxa de câmbio média de 5,23 reais por dólar.
Assim sendo, a participação governamental corrente, em termos percentuais, foi de 44,1%, que corresponde a R$ 24,30 bilhões dividido por R$ 53,02 bilhões.
Em condições normais, os dividendos relativos ao 3º trimestre de 2021 seriam de 25% sobre o lucro líquido recorrente de R$ 17,37 bilhões, o que corresponde a R$ 4,34 bilhões.
Como a União e entidades federais têm apenas 36,7% do capital social da Petrobrás, como mostrado na Figura 7, os dividendos para o Estado brasileiro seriam de apenas R$ 1,59 bilhão, o que aumentaria a participação governamental de 44,1% para 47,1%. Se fosse computada a produção e venda de gás natural, essa participação governamental seria ainda menor.
Como o custo total de produção do petróleo foi de apenas US$ 32 por barril para um preço de venda de US$ 69,54 por barril, no 3º trimestre de 2021, a Petrobrás tem priorizado seus investimentos no segmento E&P e mantido o programa de desinvestimento no segmento RTC.
Foram colocadas à venda oito refinarias e seus respectivos terminais e dutos, que correspondem à metade do parque de refino da Petrobrás. Dois ativos do segmento RTC já foram vendidos: Cluster RLAM (Bahia) e Cluster REMAN (Amazonas).
É importante registrar que não faz o menor sentido a Petrobrás cobrar preço de paridade de importação (PPI) para derivados produzidos no Brasil a partir de petróleo nacional. No entanto, se a Petrobrás não receber o preço de paridade do mercado internacional, ela pode simplesmente hibernar ou vender todas as suas refinarias e exportar todo o petróleo produzido.
Se todo o petróleo produzido pela Petrobrás no 3º trimestre de 2021 tivesse sido exportado, o lucro da estatal também seria altíssimo. Como já mencionado, para um custo total de produção de US$ 32 por barril e receita de venda de US$ 69,54 por barril, a receita líquida seria de US$ 48,54 por barril.
Ainda que fossem pagos tributos sobre a renda de 34%, o lucro por barril seria de US$ 32,04 por barril.
Para uma produção de 2,27 milhões de barris de petróleo por dia, o lucro diário potencial seria de US$ 72,72 milhões e o lucro anual seria de US$ 26,54 bilhões. Admitindo-se uma taxa de câmbio de 5,6 reais por dólar, o lucro anual potencial da Petrobrás seria de R$ 148,65 bilhões, sem refinar uma gota de petróleo em território nacional.
Mesmo que fossem computados “custos corporativos” de uma empresa basicamente exportadora de R$ 28 bilhões, o lucro anual potencial da Petrobrás seria da ordem de R$ 120 bilhões.
Essa é a lógica das empresas petrolíferas estrangeiras que produzem no Pré-Sal, principalmente em parceria com a Petrobrás. É a lógica de investir no segmento E&P, mas não refinar petróleo no Brasil. Essa também tem sido a lógica da Petrobrás, que investe no segmento E&P, mas não investe em novas refinarias.
Atualmente, o custo de produção do óleo diesel, por exemplo, é de cerca de US$ 40 por barril. Como boa margem de lucro, a Petrobrás poderia vendê-lo por US$ 55 por barril.
No entanto, mantida a legislação atual e sua atual composição acionária, não há possibilidade de a Petrobrás vender seu principal produto final, que é o óleo diesel, por US$ 55 por barril se ela pode vender o petróleo bruto, que é a matéria-prima, por US$ 69,54 por barril. Isso seria uma “desagregação de valor” para a empresa.
Mantido o atual “modelo petrolífero”, seria importante estabelecer uma alíquota para o imposto de exportação de petróleo bruto no caso de elevadas cotações desse produto e alterar o modelo brasileiro de tributação sobre a renda.
A cobrança de um imposto de exportação poderia reverter o atual quadro de baixos investimentos no segmento Refino, Transporte e Comercialização? Poderia. Além disso, abriria espaço fiscal para a redução dos tributos sobre o consumo e para a instituição de subvenção econômica, com grandes benefícios para a população.
Nos três primeiros trimestres de 2021, o consumidor pagou cerca de R$ 86,9 bilhões de ICMS, PIS, COFINS e CIDE em decorrência das vendas da Petrobrás, o que corresponde a um valor mensal de R$ 9,66 bilhões. Se parcela desse valor fosse indiretamente “paga” por empresas petrolíferas, via tributos sobre a exportação e sobre a renda, poderia haver importante redução nos preços dos combustíveis no Brasil.
De janeiro a setembro de 2021, o Brasil produziu 801 milhões de barris de petróleo, cujo lucro potencial para as empresas petrolíferas é R$ 134 bilhões.
Dessa forma, há espaço para pagamento de tributo sobre a exportação e de aumento na arrecadação dos tributos sobre a renda. Se 25% desse valor, que é igual R$ 33,5 bilhões, fossem efetivamente pagos pelas empresas, haveria uma receita tributária mensal adicional de R$ 3,72 bilhões.
Com esse novo modelo tributário, os tributos mensais pagos pelos consumidores poderiam ser reduzidos de R$ 9,66 bilhões para R$ 5,94 bilhões, com forte impacto no “bolso dos consumidores”.
Em razão de terem “modelos petrolíferos” muito melhores e mais justos que o do Brasil, em países produtores de petróleo, os preços dos combustíveis “na bomba” são mais baixos que no Brasil. A Figura 8 mostra preços da gasolina para o consumidor em diversos países produtores de petróleo.
Em suma, o Brasil conta com o Pré-Sal, que é a mais produtiva província petrolífera do mundo, mas o seu povo, que é o verdadeiro dono dessa província, não se beneficia dela em razão de o País ter um dos piores “modelos” do mundo.
Como a Petrobrás é grande detentora de direitos nos melhores campos do mundo localizados no Pré-Sal, se não for alterado o atual modelo, com ou sem refinarias, a Petrobrás poderá continuar distribuindo elevados dividendos para os acionistas estrangeiros, cuja participação no capital social da estatal é maior que a da União.
Quando será que o País discutirá seriamente todas essas questões?
(*) PhD, Consultor Legislativo Aposentado