“Precisamos parar de acreditar em salvador da pátria, principalmente quando esse salvador é um charlatão de circo”, afirmou o cientista
O ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o cientista Ricardo Galvão, afirmou que “os governos autoritários ou de força nunca gostaram de dados científicos que vão contra a sua ideologia ou contra seu programa de estado. Tudo o que os desagrada eles são contra, vão procurar desmerecer ou contrariar”.
Segundo ele, “nós não teremos um desenvolvimento socialmente equânime e que coloque o Brasil em destaque que merece no cenário internacional sem uma participação fortíssima da ciência, sem gestores que entendam a importância da ciência na formulação de políticas públicas”.
Galvão ressaltou que “é claro que o Jair Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) consideram a preservação do meio ambiente contrária aos interesses econômicos” dos grupos privados que os apoiam. “É um absurdo total”.
Na sexta-feira (19), Galvão participou da live “Papo Com Ciência”, organizada pelo grupo Cientistas Engajados, com a Dra. Mariana Moura.
Ricardo Galvão esteve à frente do Inpe entre 2016 e 2019, quando foi hostilizado e atacado por Jair Bolsonaro, acabando por exonerar-se. Isso aconteceu depois que o Instituto divulgou dados que mostravam o crescimento das queimadas na Amazônia.
Jair Bolsonaro e seus ministros disseram que o Inpe mentia e que Galvão estava a serviço das ONGs internacionais.
Ricardo Galvão relatou que ouviu o ministro Ricardo Salles, depois de debate na Globonews dizer que o governo não pode mudar o discurso, que acabaria por prejudicar o agronegócio legalizado, “‘porque o presidente Bolsonaro foi eleito com 100% de apoio dos mineradores e desmatadores da Amazônia’. Eu fiquei escandalizado”.
Assista na íntegra:
O pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) disse que tentou conversar com o governo, mas que não recebia resposta. “Nunca o ministro Marcos Pontes respondeu um ofício meu”.
O ministro Ricardo Salles dizia que queria tirar do Inpe o serviço de alerta de desmatamento, passando para a estrangeira Planet. “Desde antes de assumir ele já vinha falando nessa direção e com uma política completamente equivocada. Ao invés de vir ao Inpe e conversar sobre o que poderíamos fazer juntos, ele começou imediatamente a criticar a qualidade dos dados fornecidos pelo Inpe”.
“Eu não sei com que base ele critica. O ministro Ricardo Salles disse que a resolução não era suficiente. Em todas as reuniões que ele fez com a Planet, nunca chamou o Inpe”. O ex-diretor do Inpe mostrou que os sistemas do Inpe são completamente capacitados de fazer o monitoramento.
“O Inpe é uma instituição muito importante e que deveria ser orgulho de todos os brasileiros”, afirmou.
Para o cientista, “precisamos parar de acreditar em salvador da pátria, principalmente quando esse salvador é um charlatão de circo. As pessoas precisam ver isso”. “Nós não podemos mais ter gente incapacitada no governo”.
“A salvação do país tem que ser estruturada em partidos muito bem formulados, com políticas públicas claras, com diálogo, com respeito à civilidade republicana”.
Mariana Moura, doutora em energia pelo Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, acrescentou que “vereadores e prefeitos no Brasil inteiro precisam tomar a decisão entre manter o isolamento nas cidades ou não. Essa decisão muitas vezes é tomada sem o devido cuidado científico ou sem as devidas informações, como em casos de alinhamento ideológico ao presidente Bolsonaro. Isso coloca em risco a vida das pessoas”.
DESMATAMENTO
O físico Ricardo Galvão denunciou que “o desmatamento cresceu do ano passado para cá, invasão de terras indígenas por mineradores ilegais, principalmente na Amazônia, está progredindo sem nenhuma ação efetiva do governo, os fiscais do Ibama que quiseram apreender equipamentos foram exonerados”.
“Agora chegando a era mais seca, vão começar as queimadas. No período de queimadas na Amazônia nós sabemos que as doenças pulmonares aumentam muito, enquanto o pico do coronavírus parece que não foi alcançado na Amazônia. Então se houver uma coincidência do máximo de queimadas com o pico do coronavírus, o sistema de saúde da Amazônia toda vai falir completamente. Vai ser um crime contra a sociedade brasileira”.
PEDRO BIANCO
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