
Para o diplomata Rubens Ricupero, carta de Trump é “inaceitável”
O diplomata Rubens Ricupero afirma que a ameaça de Donald Trump de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, a partir de agosto deste ano, “é inaceitável”, e que, se concretizada, essa medida tornaria “quase inviável” o comércio bilateral entre os países.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, em 14 de julho, Ricupero afirma os EUA têm mais a perder do que o Brasil.
“Há 15 anos, eles vêm acumulando saldos no comércio bilateral. Somando todos os saldos dá mais ou menos US$ 410 bilhões em 15 anos. Isso significa, obviamente, que eles nos venderam US$ 410 bilhões mais do que nos compraram. Portanto, têm mais a perder do que nós”, ressalta Ricupero, que foi ministro da Fazenda (1994) e secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (mandatos de 1995 a 1999 e de 1999 a 2004).
O ex-embaixador do Brasil em Washington e em Roma diz que “quando há um litígio em matéria de comércio, o país que sai perdendo é sempre o que tem excedente. E no caso do Brasil, os Estados Unidos levam vantagem”.
“[O Brasil] um país que não contribui para o déficit americano, ao contrário do que ele falsamente alega na carta. Ou faz de propósito, porque é mentiroso ou porque é ignorante”, critica Ricupero.
O diplomata também destaca que, diferentemente de outros países alvo de tarifas americanas, o caso brasileiro tem um componente político. A carta enviada por Trump ao governo brasileiro menciona decisões do Supremo Tribunal Federal e o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, como motivos para sanções econômicas contra o Brasil.
“A primeira parte [da carta], essa em que ele trata de assuntos políticos brasileiros, é totalmente inaceitável. Inclusive, Lula não tem nenhuma autoridade sobre o Supremo Tribunal Federal”, destaca Ricupero. “Na parte inicial, Trump se queixa de duas coisas: diz que Jair Bolsonaro está sendo perseguido e se queixa das decisões do Supremo a respeito das plataformas – e ele é proprietário de uma delas”, lembra.
“A parte que trata do Bolsonaro: ele foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral, e atualmente responde a um processo em curso perante o Supremo Tribunal. Não é alguma coisa sobre a qual Lula tenha qualquer tipo de ingerência”, observa Ricupero, que citou artigos do economista Paul Krugman, prêmio Nobel de 2008 e colunista do The New York Times, que classificou a medida como “abertamente ilegal”.
“É uma ameaça que, se concretizada, torna o comércio quase inviável com essa taxa de 50%. Já saíram dois artigos do Paul Krugman, em que diz que o caso da taxação do Brasil é abertamente ilegal, porque a lei americana não dá ao presidente dos EUA poderes para aplicar tarifa por razões políticas”.
De acordo com Ricupero, Trump “não é muito sensível a argumentos diplomáticos ou de outra natureza, mas é muito sensível a setores ligados à economia”. “Então, penso que aí reside a melhor esperança de se encontrar uma solução, mostrando que essas medidas são prejudiciais também aos americanos. Talvez até mais para eles do que para nós”, comentou. “Claro que no âmbito geral, como a economia deles é maior, são menos afetados. Mas na relação bilateral com o Brasil, perdem mais do que nós porque têm superávit”.
LULA FEZ BEM
Ricupero defende uma abordagem diplomática que evite confrontos públicos, e menciona a possibilidade de buscar alinhamento com outros países afetados pelas tarifas de Trump, como Canadá, México e União Europeia.
“Penso que Lula fez bem ao cancelar o pronunciamento nacional que iria fazer, porque com Trump, engajar-se em uma briga pública não leva a nada. Isso é o tipo de coisa que ele gosta. É melhor dizer: ‘Não, vamos negociar. Vamos botar de lado a questão política porque isso é inegociável, é uma questão de soberania, não há como contestar o Supremo Tribunal, é uma instituição brasileira’. Mas o resto tem que se estar sempre disposto a negociar”, defende.
Sobre as tarifas impostas a outros países, Ricupero descreveu Trump como “imprevisível e errático”, citando sua tendência a reabrir conflitos mesmo após acordos.
“Países que pensavam que já tinham resolvido o problema, como a Coreia do Sul e o Canadá, agora são ameaçados outra vez. Isso mostra que é impossível se ter esperança de resolver esse problema devido a essa personalidade imprevisível e errática. O máximo que se pode querer é adiar continuamente. O que vai ser um pesadelo. Ele não vai sair do nosso pé nem do pé dos outros”, alerta.
“Com ele é aquela frase que os americanos têm: ‘Enough is never enough’. Nunca é suficiente. Está sempre querendo mais. Você concede, mas amanhã ele reabre tudo”, argumenta.
“[Trump] não obedece a nenhum tipo de regra, de norma, de bom senso. A teoria dele é a do “madman”. Com ele, não há racionalidade, não tem bom senso, não se tem tranquilidade jamais. O máximo que se pode aspirar é ganhar tempo”, afirma Rubens Ricupero.
Na opinião do diplomata, o governo brasileiro não deve retaliar por retaliar, ressaltando que os EUA têm um excedente em comércio e mercadoria, mas muito maior em serviços, citando o Canadá que aplicou taxa sobre serviços digitais.. “É preciso examinar qual o melhor arsenal para se estar preparado, com a ideia de não usar. Mas se for preciso, tem que se estar pronto para saber onde é que se pode atingir o adversário”.
O diplomata avalia também que “valeria a pena, não de público, mas de maneira discreta, que o Brasil entrasse em contato com países que estão sendo muito atingidos como o Canadá, o México, a União Europeia, a China – que aliás foi o país que já saiu de público em defesa do Brasil, condenando a ação. Não propondo alguma coisa, mas consultando como é que os demais estão vendo a situação, como é que pretendem reagir. Lula já disse que pretende recorrer à Organização Mundial do Comércio, a OMC”, mencionou Ricupero.
“É correto do ponto de vista legal, mas não leva a nada”, adverte. Porque Trump não liga para a OMC, ele não liga para regra nenhuma. Nunca citou a OMC, que eu saiba, tem o mais soberano desprezo por isso. No fundo é uma perda de tempo. É pouco efetivo”, considera o diplomata.
Ricupero destacou que “outro aspecto muito desagradável é essa ação de brasileiros conspirando com o governo americano contra o Brasil”.
“São cidadãos brasileiros que, estando em uma posição de desvantagem na luta política interna, recorrem a um governo estrangeiro para punir o Brasil”, crítica. “Em tempo de guerra, seria considerado traição à Pátria. Tomar o partido de um governo estrangeiro contra o teu próprio país? Qual é a definição disso? É traidor que faz isso, não é? Não sou eu quem está dizendo, são eles que se orgulham nas mídias sociais de serem responsáveis por isso”.