O rio Negro atingiu nesta segunda-feira (16) seu nível mais baixo em 120 anos de medição em Manaus. Conhecido pelas águas escuras e extensão de quase 1.700 km, o Rio Negro alcançou a marca de 13,59 metros e a seca de 2023 já é a pior da história em Manaus.
A marca quebra o recorde negativo de 2010 e confirma a seca de 2023 como a mais severa dos últimos tempos nesse ponto da amazônia brasileira.
Os dados foram obtidos pelo porto da capital amazonense, que monitora o ritmo de subida e descida das águas.
No dia 24 de outubro de 2010 o rio chegou a descer para 13,63 metros. Na época, foi considerada a seca mais severa desde que as medições hidrológicas foram instaladas no Rio Negro, em 1902.
Agora, 13 anos depois, a marca foi ultrapassada oito dias antes e as águas continuam baixando, uma média de 13 centímetros por dia, conforme o Porto de Manaus. Com a marca histórica, o Rio Negro atinge a maior seca em 121 anos.
No final de setembro deste ano, o Serviço Geológico do Brasil (CRPM) emitiu um relatório em que apontou que o ápice da estiagem só deveria ocorrer nesta segunda quinzena de outubro, o que vai refletir ainda mais no cenário de calamidade da cidade.
Manaus, assim como quase todos os municípios do Amazonas, vive uma severa crise ambiental. Além da seca, que é recorde e tem deixado comunidades isoladas, a cidade precisou fechar escolas nas áreas rurais e sofre prejuízos na navegação de embarcações e com o escoamento de produção do Polo Industrial.
A cidade também enfrenta uma “onda” de fumaça produzida por queimadas ocorridas na região metropolitana. Na última semana, o ar na capital do Amazonas foi considerado um dos piores do mundo.
Em quase toda a orla da capital, o cenário é o mesmo. O rio sumiu e deu lugar a bancos de areia e pequenos filetes de água. O principal balneário da cidade, a Praia da Ponta Negra, foi fechado. Uma cerca foi montada para impedir a passagem de banhistas.
Até no Encontro das Águas, um dos pontos turísticos mais famosos da cidade, a seca deixou seu rastro de destruição e mudou a paisagem. Em outros pontos da grande Manaus, um “mar de lixo” e de canoas e barcos encalhados dá lugar ao que antes – ou melhor, um mês atrás – era o majestoso Rio Negro.
ESTADO DE EMERGÊNCIA
Desde o final de setembro, a Prefeitura de Manaus decretou situação de emergência na capital. Naquela época, o Rio Negro media pouco mais de 16 metros, três metros a mais do que o registrado atualmente.
Desde então, a administração municipal disse que vem executando diversas ações para que as zonas rural e ribeirinha da cidade não fiquem isoladas e desabastecidas. Entre as medidas anunciadas estava a abertura de 30 poços artesianos e a distribuição de cestas básicas.
Outra medida tomada foi o fechamento da Praia da Ponta Negra, no início do mês. Segundo a prefeitura, a interdição considera as normas de uso da praia perene, definidas em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pela município junto ao Ministério Público do Amazonas (MP-AM), com órgãos municipais e estaduais, incluindo Corpo de Bombeiros do Amazonas (CBAM) e Polícia Militar.
Para impedir o avanço de banhistas e turistas no local, considerado perigoso por conta da seca, cercas foram instaladas na faixa de areia. O prefeito David Almeida também prometeu um auxílio para permissionários que têm barracas no local e estão sendo impactados pelo fechamento do balneário.
A seca severa que atinge a capital também fez com que a prefeitura encerrasse mais cedo o ano letivo da rede municipal de comunidades ribeirinhas, localizadas no Rio Negro.
CAUSAS
A seca severa que atinge o Amazonas está relacionada, segundo especialistas, à combinação de dois fatores que inibem a formação de nuvens e chuvas: o El Niño (que é o aquecimento do oceano Pacífico) e a distribuição de calor do oceano Atlântico Norte.
“O evento do Atlântico Tropical Norte está se somando ao El Niño. Dois eventos ao mesmo tempo são preocupantes. Tivemos isso entre 2009 e 2010, que foi a maior seca registrada na bacia do rio Negro nos últimos 120 anos”, afirmou Renato Senna, meteorologista responsável pelo monitoramento da bacia amazônica no Inpa.
De um lado, há o El Niño, que aumenta a temperatura das águas do Oceano Pacífico Equatorial. Esse fenômeno altera os padrões de ventos, umidade, temperatura e chuvas, em particular em regiões tropicais. No Brasil, se traduz em menos chuvas e aumento das temperaturas em parte das regiões Norte e Nordeste.
Do outro lado do continente, há o aquecimento do Atlântico Tropical Norte, que fica logo acima da linha do Equador e também inibe a formação de nuvens, reduzindo o volume de chuvas na Amazônia.
Com a água dos oceanos mais quente, as correntes ascendentes carregam ar aquecido para a atmosfera. Esse ar segue até a Amazônia por meio de duas correntes descendentes, onde vai diminuir a chuva.
No caso do El Niño, o processo ocorre de leste para oeste – a partir do Pacífico. No caso do Atlântico, do norte para o sul.
“Esse ar mais quente atua inibindo a formação de nuvens e, por consequência, das chuvas”, afirmou Senna, do Inpa.
Enquanto em Manaus, o Rio Negro seca, em Tabatinga, o Rio Solimões inicia o fenômeno do “repiquete”, que é a subida e a descida das águas ocorrendo ao mesmo tempo. Na segunda (9), o rio estava em -71 centímetros. Na quarta (11), -61 centímetros e já na sexta-feira (13), ele voltou a descer e estava medindo -67 centímetros. Os dados são do Proa Manaus.
A situação é a mesma em Iquitos, no Peru, onde o Rio Amazonas media 76,58m na quinta-feira (5). As águas subiram para 76,84 metros no domingo (8) e desceram para 76,61m na sexta-feira (13).
Tudo isso impacta diretamente no nível da água em Manaus, que agora luta para sair da crise climática, que transformou a famosa “Paris dos Trópicos” em uma terra arrasada pela seca, pelas queimadas e pela fumaça.
Milhões de peixes estão morrendo praticamente cozidos. As águas do Lago de Tefé (AM) chegaram aos 40 graus, matando 125 botos. Agora, ele secou e já é possível atravessá-lo a pé ou de moto até a cidade vizinha de Alvarães. Comunidades foram destruídas pelo fenômeno das terras caídas, desbarrancamento às margens dos rios provocado por erosões.
Se a situação não se reverter nas próximas semanas, ficará comprometido o escoamento da produção industrial da Zona Franca de Manaus, o que deve afetar os estoques de eletroeletrônicos para as vendas de natal em outras cidades do país.
Porém, os cientistas preveem que a influência deste “El Niño” vai se estender até meados de 2024, determinando um menor volume no próximo período de chuvas, até a próxima estiagem. Assim, é improvável que a natureza recomponha-se em menos de dois anos, prolongando o sofrimento da população.