Para o especialista, na arquitetura do nosso sistema, a empresa pública foi projetada “exatamente para assumir um papel de protagonismo e para reparar os defeitos do modelo privado mercantil que ele tanto admira”
O especialista Roberto Pereira D’Araújo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), rebate a tese defendida por Adriano Pires de que a Eletrobrás só terá “papel protagonista” se for privatizada. O lobista das multinacionais do petróleo foi recém indicado por Bolsonaro para assumir a presidência da Petrobrás.
Reproduzimos, a seguir, o artigo de Roberto D’Araújo, publicado no site Ilumina no dia 23 de março.
DR. ARIANO PIRES E SUAS CONSIDERAÇÕES ANALISADAS
ROBERTO PEREIRA D’ARAÚJO*
A pedidos de um dos leitores de artigos no Ilumina, faço uma análise do seguinte texto de autoria do Dr. Adriano Pires. Ler antes.
https://www.poder360.com.br/opiniao/a-capitalizacao-da-eletrobras-nao-tem-jabutis-e-sim-corujas-adriano-pires/
O Sr. Adriano Pires sempre esteve a favor, tanto do modelo mercantil, que hoje ele recrimina, como a favor da privatização da Eletrobras. Se, como ele afirma, “não é de hoje que discute a privatização da Eletrobras”, é porque algo está muito errado nas premissas que ele sempre acreditou. Não me parece que “antiguidade” seja um argumento válido.
Repare que a tese principal defendida é que a Eletrobras só exercerá um “papel de protagonista” se passar a ser controlada pelo capital privado. O que ele não consegue entender é que o problema da empresa pública que imaginou, coordenou e implantou a arquitetura do nosso sistema, foi exatamente ter que assumir um papel de “protagonismo” para reparar os defeitos do modelo privado mercantil que ele tanto admira.
Senão, vejamos:
- Sem ser sua área de atuação, a Eletrobras assumiu empresas distribuidoras rejeitadas pelo capital privado assumindo dívidas e contrariando seu estatuto.
- O racionamento, que não foi obra exclusiva de São Pedro, mas sim da falta de investimento do capital que aguardava a confortável situação de comprar usinas prontas, preparou outras armadilhas para a Eletrobras.
- Com a queda de consumo, a Eletrobras perdeu seus contratos, apesar de mais baratos, e continuou sendo obrigada a gerar energia hidroelétrica. Foi proibida de atuar no mercado livre liquidando seus MWh a preços irrisórios.
- Enquanto isso, tão ao gosto do Dr. Adriano, o plano prioritário de térmicas lançava 14 GW de usinas. Exerceram um papel inútil por mais de 8 anos, pois sua geração média não passou de 2 GW médios, já que o consumo caiu 15%.
- O mercado livre, viciado em preços irrisórios, atinge 30% da carga e não contrata expansão nem para a sua parcela de energia. Outro leilão de térmicas contrata mais de 10 GW a partir de 2008.
- Já que o capital mostrou não ter iniciativa e nem interesse por construir hidroelétricas, a Eletrobras foi obrigada a oferecer parcerias majoritárias ao capital para construir quase 17 GW de projetos hidroelétricos.
- Sem qualquer diagnóstico das razões da verdadeira explosão tarifária brasileira, o governo, atendendo campanhas da FIESP, faz uma redução tarifária a fórceps nas usinas da Eletrobras. A maioria das usinas privadas não foi atingida.
- Agora, se aproveitando de erros conceituais, o governo faz uma redução do certificado matemático de garantia física nas usinas atingidas pelo processo de cotização, outra vez atingindo usinas da Eletrobrás. O Dr. Adriano faz considerações totalmente equivocadas sobre o MRE e o GSF, parte da “sopa de letrinhas” do modelo mercantil que não se enquadra no mundo físico brasileiro.
- Como se vê, a Eletrobras foi a “protagonista” de vítima nessa irônica comédia. Mas, infelizmente, como já é tradição do Brasil, ninguém conhece esses detalhes.
Todas as explicações detalhadas se encontram na postagem abaixo, que, até hoje, 23/03 não foram respondidas pela audiência do BNDES sobre o processo de capitalização.
http://www.ilumina.org.br/consulta-publica-sobre-a-privatizacao-da-eletrobras-bndes/
*Roberto Pereira d´Araujo é engenheiro eletricista formado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) e mestre em sistemas pela mesma universidade. Ex-chefe de departamento em Furnas Centrais Elétricas