A Confederação Israelita do Brasil, Conib, entrou com uma denúncia-crime contra o bolsonarista Roberto Jefferson depois que ele afirmou em sua conta no Instagram, intitulada blogdojefferson que os judeus são praticantes ainda hoje de sacrifício de crianças.
O texto de Jefferson, já retirado da rede pelo Instagram, diz que “Baal, deidade satânica, Cananistas e judeus sacrificavam crianças para receber sua simpatia. Hoje, a história se repete.”
A Conib se manifestou contra a postagem, afirmando que ela é “antissemita” e pode ser caracterizada como crime de racismo “com aumento de pena pelo fato de ter sido praticado por intermédio de rede social”.
Ao saber da medida tomada pela Conib, Jefferson reagiu dizendo ser “um grande entusiasta de judeus, o povo de Deus”, mas não se furtou em chamar o presidente da Conib e do Hospital Albert Einstein, Claudio Lottenberg de “proxeneta de judeus”, disse ainda que é haja entusiasmo. O Ex-deputado e atual presidente do PTB – em uma clara projeção da sua personalidade doentia – acrescentou que a medida dos advogados orientados pela Conib é “uma palhaçada” e que “há uns babacas que fazem questão de gerar tensões para aparecer. Essa direção da Conib quer sensacionalismo. Bobalhões”.
Houve imediatamente uma reação de repúdio entre diversas entidades judaicas, a exemplo do grupo denominado Judeus pela Democracia, que publicou nota afirmando: “Roberto Jefferson, talvez o principal aliado político de bolsonaro, publicou isso em seu Instagram. Trata-se de uma mentira histórica absurda e de um grave gesto antissemita. A única história que se repete é a intolerância com aqueles que são diferentes. Antissemitismo é crime!”.
Destacamos ainda a nota do Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil “Henry Sobel”:
REPÚDIO AO ANTISSEMITISMO DE ROBERTO JEFFERSON, PRESIDENTE NACIONAL DO PTB
O Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil “Henry Sobel”, exercendo a sua principal vocação, que é a vigilância e defesa intransigente dos direitos humanos, vem repudiar a deplorável postagem antissemita e racista de Roberto Jefferson no Instagram.
Ao disseminar que judeus sacrificavam crianças para obter simpatia de Baal, entidade satânica, e que “hoje, a história se repete”, avança por um território já conhecido de todos, estimulando o racismo e o preconceito.
Não satisfeito, ato seguinte, Jefferson desferiu ataques covardes ao atual presidente da Confederação Israelita do Brasil, chamando-o de proxeneta do povo judeu, o que reitera sua índole antissemita.
Aproveitamos para nos colocar ao lado e apoiar a célere e justa decisão das entidades judaicas, em especial a CONIB, na apresentação da notícia-crime.
O LIBELO DE SANGUE
O que o autoproclamado “entusiasta dos judeus”, Roberto Jefferson, fez uma clara incitação racista no mais puro estilo nazista, uma tentativa insana, perigosa e injusta de reviver uma das mais vis acusações medievais contra os judeus. Uma acusação que fomentou várias perseguições e pogroms (chacinas de judeus na Europa Oriental) no período que vai do século 12, passando pela prisão e julgamento de Menachem Mendel Beilis em 1913, nos anos finais da Rússia Czarista, até o caso da mesma acusação que levou o rabino Berel Brennglass, da pequena cidade de Massena, no Estado de Nova Iorque a depor na polícia sob a mesma “denúncia”.
Trata-se, além de tudo, de uma acusação que foi ressuscitada pela propaganda antissemita nazista e mostra a que vertente política degenerada Jefferson e outras figuras de destaque do entorno de Bolsonaro se vinculam.
A supersticiosa história antissemita que se espalhou pela Europa era de que os judeus sacrificavam crianças cristãs para cozinhar as matzot (pão usado pelos judeus no Pessach, a Páscoa judaica) no sangue destas crianças.
Em 1255, por exemplo, como relata a Enciclopédia Britânica, “a morte de um garoto, Hugh of Lincoln, desencadeou um fervor antissemita que acabou com o assassinato de 19 judeus ingleses”.
E mais, “a história do ‘Pequeno Santo Hugh’ tornou-se parte da literatura e do cancioneiro popular e ele foi amplamente venerado como um mártir”.
O caso mais famoso foi mesmo o do diretor de uma fábrica na cidade ucraniana de Kiev que foi peso e enfrentou julgamento acusado de matar um jovem de 13 anos, Andrei Yuschinsky, em 1911. Beilis resistiu a todo tipo de pressão para confessar o crime e, com o governo tzarista sob intensa repulsa internacional, acabou por ser absolvido após dois anos de prisão. A comovente história foi contada em uma novela escrita por Bernard Malamud. O livro deu origem a um filme lançado em 1966, ‘The Fixer’, que recebeu no Brasil o título de ‘O homem de Kiev’, com Alan Bates no papel principal.
O julgamento integrou a propaganda antissemita do czarismo no vão desespero de aplacar a ira popular contra o decadente regime do Czar Nicolau, uma revolta que levaria à Revolução Socialista de 1917.
ANTISSEMITISMO E FASCISMO DE MÃOS DADAS COM O BOLSONARISMO
Essa ensandecida história de Roberto Jefferson está longe de ser a única manifestação a demonstrar que no interior das hostes bolsonaristas o antissemitismo e o fascismo andam de mãos dadas, apesar das loas do capitão de que é “muito amigo de Israel”.
A percepção do risco que o bolsonarismo representa para a comunidade judaica brasileira tem crescido a cada uma destas manifestações.
Algumas das passagens mais significativas desta mentalidade de preconceito e intolerância estão no trabalho do Observatório Judaico dos Direitos Humanos intitulado “O Antissemitismo Durante o Governo Bolsonaro”, lançado no dia 21 de julho de 2020.
Entre as mostras de ode ao fascismo retratadas no Relatório, há o vídeo no qual o então secretário de Cultura, Roberto Alvim, em pronunciamento no qual macaqueia chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels, repetindo palavra por palavra sua fraseologia.
Ali está relatado também a fala de Bolsonaro à saída do Museu Yad Vashem (erguido em Israel em homenagem e memória dos judeus chacinados pelo nazismo. Na ocasião, Bolsonaro disse que o extermínio de 6 milhões de judeus poderia “ser perdoado, mas nunca esquecido”. Levou uma imediata reprimenda do presidente de Israel e do diretor do Museu.
Outra atitude reveladora da mesma doença proporcionada pelo ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que, em um surto de desrespeito e negacionismo (atitude dos que negam ou procuram atenuar os crimes nazistas) comparou as medidas restritivas propostas pela Organização Mundial de Saúde, no esforço inicial de conter a disseminação do vírus causador da pandemia, aos campos de concentração nazistas.
O Relatório e sua ampla repercussão botou o dedo em uma ferida que o governo tenta desesperadamente esconder porque ele deixa claro que a suposta veneração do bolsonarismo a Israel – que rendeu apoio majoritário à candidatura de Bolsonaro na comunidade judaica e entre os neopentecostais que rendem tributo religioso a um imaginário Israel bíblico – é uma farsa. É uma mentira em seu aspecto essencial, pois a natureza fascista do bolsonarismo tem como pilar ideológico central o racismo e a judeofobia.
Foi assim que secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Fabio Wajngarten, se mostrou extremamente inconformado com o Relatório do Observatório Judaico de Direitos Humanos. É o que mostra sua irritação com o jornal O Globo que publicou uma matéria sobre o lançamento: “Aumentam denúncias de antissemitismo no Brasil e pandemia acentua tendência”, detalhando elementos trazidos pelo Observatório. Na matéria do jornal, se afirma: “Documento do Observatório de Direitos Humanos Henry Sobel mostra que relatos aumentaram durante governo Bolsonaro; entidade destaca influência de discurso oficial que flerta com totalitarismo”.
O secretário recriminou O Globo pela publicação dizendo que o jornal não poderia “cometer a leviandade de fazer estardalhaço com algo que não se sustenta”.
PARENTESTO DO BOLSONARISMO COM A KU KLUX KLAN
A estupidez antissemita revelada pela postagem de Roberto Jefferson casa com o parentesco do bolsonarismo com a raiz de seus principais mentores norte-americanos assumidamente aparentados com a expressão mais degenerada do racismo nos Estados Unidos, a Ku Klux Klan.
O elo entre a submissa direita daqui – que, ao contrário da ideologia que preza as conquistas dos mentores, do nazismo e do fascismo, se contenta em macaquear a direita europeia e dos EUA -, e o torpe racismo norte-americano é Steve Bannon, triste figura de quem David Duke, ex-Grande Mago da Ku Klux Klan, declara que é o “indivíduo que basicamente está criando o aspecto ideológico do rumo que vamos tomar” (como citado no trabalho de Jeffrey C. Alexander, do Departamento de Sociologia da Universidade de Yale, intitulado “Vociferando contra o iluminismo: a ideologia de Steve Bannon”.
Estrategista de campanha e de governo de Donald Trump – cujo mandato presidencial terminou com a desastrosa invasão de seus diletos fascistas ao Capitólio – Bannon foi afastado depois do vexaminoso desvio de dinheiro que arrecadara para supostamente apoiar a construção do muro de contenção da imigração hispânica na fronteira sul dos Estados Unidos. Contravenção que o levou à prisão de onde só saiu mediante uma fiança de 5 milhões de dólares.
O flerte entre o expoente admirado pela Ku Kliux Klan e a família Bolsonaro foi como uma paixão direitista à primeira vista, como relata Breiler Pires em seu artigo “Os laços do clã Bolsonaro com Steve Bannon” publicado em 20 de agosto de 2020 pelo jornal espanhol El País:
“Celebrada a partir de um casamento de ideias à primeira vista, a relação entre Bannon e a família Bolsonaro se solidificou no mesmo ano em que o Brasil elegeu pela primeira vez um presidente de extrema direita. No início de agosto, às vésperas da campanha eleitoral, Eduardo conheceu pessoalmente o estrategista que ajudou a levar Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. O encontro aconteceu em Nova York. Para retratar o tom da conversa, o filho do então presidenciável usou a retórica de ojeriza à esquerda, repetida meses depois no aniversário de Bannon, ao resumir que se tratava de “uma união de forças contra o marxismo cultural”.
O artigo também conta da alegria de Eduardo Bolsonaro em participar de uma festa em comemoração ao aniversário de Bannon: “Ao completar 65 anos, Bannon recebeu dezenas de convidados em uma festa promovida em Washington. Um deles era o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que não poupou elogios ao anfitrião. ‘Pessoa ícone no combate ao marxismo cultural’, escreveu o parlamentar brasileiro ao homenagear o aniversariante por meio de suas redes sociais, em novembro de 2018”.
Entre os integrantes da comitiva, Felipe Martins, que tirou foto ao lado de Bannon e que, na última aparição de Ernesto Araújo no Senado, fez o gesto que simboliza o “White Power”, que é como os racistas norte-americanos se referem a seu supremacismo.
Por último, alguns elementos que servem de fonte e referência e que mostram a raiz fascista e antissemita do ideólogo dos Bolsonaro:
“Bannon está engajado numa luta feroz contra as ideias e o espírito da democracia. Quando faz menção a grandes pensadores – seus simpatizantes o reputam um intelectual brilhante e leitor voraz -, Bannon acena com admiração para fascistas, fanáticos, ditadores e teocratas reacionários. Para Charles Maurras, por exemplo, o intelectual e político católico francês, fanático antissemita, fã de Mussolini e Franco, líder dos “antidreyfusards” – que perseguiram o capitão judeu do exército falsamente acusado de traição -, ferrenho agitador contrário à Terceira República democrática e secular, sentenciado à prisão perpétua após a Segunda Guerra Mundial por colaboração com a ocupação nazista. Ou para Julius Evola, professor italiano na esquisita, mas apropriadamente nomeada, “Escola de Misticismo Fascista”, ferozmente antissemita; conselheiro intelectual e espiritual de Mussolini; íntimo da SS nazista, padrinho das Leis Raciais que enviaram para a morte milhares de judeus italianos no final dos anos 1930, figura-chave intelectual em torno de quem o movimento neofascista italiano se reconstruiu no pós-guerra”, como descreve Jeffrey C. Alexander.
NATHANIEL BRAIA