A decisão recente da juíza Gabriela Hardt, bloqueando contas e bens de 13 investigados e 38 empresas, no processo sobre a construção do prédio da Petrobrás em Salvador, é excepcionalmente sintética, apesar de suas 57 páginas.
É verdade que a quantidade de ilícitos, ou de coisas estranhas, por cada linha, provoca no leitor uma certa sensação de vertigem.
Mas o problema não está no estilo da juíza, que, aliás, é até mais claro e direto que aquele de seu antecessor, na 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro.
O fato é que poucas vezes, mesmo na Operação Lava Jato, uma investigação expôs uma lambança ladroeira, uma orgia doida de corrupção, como nesse caso.
O prédio da Petrobrás em Salvador (“Torre Pituba”) foi construído por uma “sociedade de propósito específico” (SPE), a Edificações Itaigara S/A.
Os sócios dessa SPE eram a OAS (51%) e a Odebrecht (49%).
O orçamento para a construção do prédio era de R$ 320 milhões – no final, saiu por R$ 786 milhões, 20 mil, 713 reais e 55 centavos (a preços de novembro de 2010).
As propinas passadas pela Odebrecht, já identificadas, montam a R$ 39.378.171,00, por meio de contratos fictícios.
A OAS passou 28.917.695,00 em propinas, através da “Área de Projetos Estruturados”, o departamento de propina, equivalente ao “Setor de Operações Estruturadas” da Odebrecht.
Ao todo, portanto, R$ 68.295.866,00 – uma propina de 9% do valor da obra.
Porém, nem tudo foi, ainda, somado. Esse valor é provisório.
Além disso, algo notável é o tempo de passagem dessas propinas.
A decisão de construir o prédio (a “ampliação”, de que falam alguns documentos, implicava na construção de um outro prédio) foi em abril de 2008.
No ano seguinte foi contratada a “gestora” da obra – que contratou as empresas projetistas e a empresa construtora (a sociedade entre a OAS e a Odebrecht).
Pois em 2015, quando o prédio ficou pronto, ainda houve repasse de propina, mesmo com a Operação Lava Jato em ação.
Por exemplo, escreve a juíza Gabriela Hardt:
“Os indícios de que houve pagamento de vantagens indevidas no contexto da obra realizada para a ampliação da nova sede da Petrobrás em Salvador, Bahia, no Conjunto Pituba, são ainda reforçados pelo conteúdo das planilhas e documentos apreendidos com Maria Lúcia Guimarães Tavares (…), relativos à realização de operações financeiras secretas por intermédio do Setor de Operações Estruturadas do Grupo Odebrecht.
“Consta de uma das planilhas apreendidas do Setor de Operações Estruturadas da Grupo Odebrecht, referente aos período de 01/01/2015 a 09/06/2015, a indicação de dois pagamentos de vantagens indevidas relacionadas ao Prédio da Petros em Salvador (Conjunto Pituba).
“No dia 22 de janeiro de 2015 consta o pagamento de R$ 250.000,00, relacionado à ‘Torre Pituba’, codinome ‘(PÊLO) – COLMEIA’.
“No dia 11 de fevereiro de 2015 consta o pagamento de R$ 1.254.000,00 também relacionado à ‘Torre Pituba’, codinome ‘(PÊLO) – CAMARÃO’.
“Outra planilha apreendida indica ainda um pagamento de R$ 254.000,00 na data de 19/11/2014, vinculado à ‘Torre Pituba’, codinome ‘Abelha’.
“Também há planilha consolidada de controle de caixa da Área de Projetos Estruturados da OAS, do mês de outubro 2011, em que há o registro do pagamento de R$ 600.000,00, em 28 de outubro de 2011, relacionado expressamente a ‘PRÉD. PETROS’ e referente ao boleto 0.480/11 – BYNKELOR S.A.”
Obviamente, certos nomes não podiam deixar de aparecer:
“… em julho e agosto de 2014, Newton Carneiro [diretor da Petros] e José Adelmário Pinheiro [Léo Pinheiro, presidente da OAS] trocaram mensagens suspeitas relativa à cobrança, por parte de Léo Pinheiro, do valor aparentemente de R$ 200 mil em favor supostamente de João Vaccari Neto.”
Ou, referindo-se a um dos principais investigados:
“Armando Tripodi [chefe de gabinete da presidência da Petrobrás] foi também interlocutor frequente de João Vaccari – a quem destinados, para atendimento ao Partido dos Trabalhadores, ao menos R$ 2.820.000,00, até o momento rastreados – identificando-se, no período de manutenção de dados telefônicos pelas operadoras, 152 ligações telefônicas e 65 mensagens de texto [entre Tripodi e Vaccari]”.
Mas Vaccari não é o único integrante do esquema de corrupção do PT que aparece no processo:
“Ainda no contexto do pagamento de propinas em razão do contrato de ampliação do Conjunto Pituba, os colaboradores Rogério Santos de Araújo, Paul Elie Altit e Djean Vasconcelos Cruz relataram o pagamento de vantagens indevidas a Renato de Souza Duque, no valor de seis milhões de reais (…) no ano de 2012, por meio de créditos em conta da offshore Brooklet Holdings LTD.
“A quitação da vantagem indevida teria sido acertada em dez parcelas de seiscentos mil reais, das quais pelo menos seis foram depositadas na conta nº 91121184.2001, da offshore Brooklet Holdings LTD, do Banco BSI SA – Lugano [Suíça], em nome de David Arazi, agente interposto de Renato de Souza Duque, já que ele, na condição de pessoa politicamente exposta, não poderia figurar como beneficiário da conta”.
ALUGUEL
Apenas para organizar o raciocínio – e ajudar o leitor a compreender o caso:
1) Ao invés da Petrobrás mandar construir, diretamente, o prédio em Salvador, essa construção foi entregue, em 2008, ao fundo de pensão dos funcionários da Petrobrás, o Petros.
2) A Petrobrás pagaria R$ 3.975.258,29 mensais, de aluguel, por 30 anos, ou seja, R$ 1.431.092.984,40 em 30 anos (daí a precipitada “notícia” de que “houve propina de R$ 1,4 bilhão” ou “superfaturamento de R$ 1,4 bilhão”; o que diz a juíza Hardt, transcrevendo a denúncia do Ministério Público é algo diferente: “o comprometimento financeiro da Petrobrás [isto é, o que ela deve pagar, em consequência do contrato de aluguel] foi na ordem de R$ 1,4 bilhão”; ou seja, a Petrobrás ficou com uma dívida de R$ 1,4 bilhão, mas em 30 anos; nem por isso o caso é menos escandaloso).
3) A Petros contratou uma empresa – a Mendes Pinto Engenharia Ltda – para “gerenciar” o empreendimento, isto é, para contratar uma empresa que fizesse o projeto e outra para construir o prédio; a fiscalização também foi entregue à Mendes Pinto. Qual a necessidade de contratar uma empresa para fazer isso? Nenhuma. Esse é um daqueles esquemas pelo qual ficou conhecido Renato Duque, então diretor da Petrobrás, hoje na cadeia, que era o pivô do PT no roubo contra a Petrobrás (v. O esquema do PT na Petrobrás: Vaccari, Duque & alguns outros (1) e seguintes).
4) O dono da Mendes Pinto, o hoje falecido Paulo Afonso Mendes Pinto, era ligado (se assim é possível dizer) ao chefe de gabinete da presidência da Petrobrás, Armando Tripodi, e a um diretor da Petros, Newton Carneiro, que também foi o presidente da comissão da tomada de preços para o prédio de Salvador.
Newton Carneiro também era ligado ao presidente da OAS, Léo Pinheiro, a quem agradeceu publicamente por sua nomeação à diretoria da Petros.
Mas, aqui, o melhor é transcrever o texto da juíza Gabriela Hardt:
“… no dia 10 de abril de 2008, representantes da Petrobrás reuniram-se com representantes da Petros para apresentar a necessidade de ampliação de áreas de ocupação no Conjunto Pituba.
“No mês seguinte, precisamente nos dias 05 e 13 de maio de 2008, consta da agenda funcional da Petrobrás o registro de reuniões havidas entre Armando Tripodi e Paulo Afonso Mendes Pinto, na sede da Petrobrás.
“… na data de 12 de agosto de 2008, a Petros encaminhou à área de Serviços Compartilhados, Regional Norte-Nordeste da Petrobrás, nota contendo descrição da execução da obra, o projeto e a estimativa de valores de aluguel.
“No mesmo dia, registrada a ocorrência de nova reunião entre Armando Tripodi e Paulo Afonso, seguindo-se outro encontro na data de 22 de agosto de 2008.
“… foi emitido Relatório, na data de 27 de outubro de 2008, sobre os resultados obtidos pelo Grupo de Trabalho da Petrobrás de 2007 a respeito dos estudos do empreendimento do Conjunto Pituba. O relatório foi firmado, dentre outros, por Gilson Alves de Souza, vinculado à Petrobrás.”
Sete dias depois, “Armando Tripodi, utilizando-se de seu e-mail funcional, encaminhou a Paulo Afonso Mendes o referido relatório, por meio de mensagem eletrônica com o assunto ‘Projeto Prédio Bahia’, contendo em anexo documento intitulado “RELATÓRIO GT BA”.
Observa a juíza:
“O título da mensagem eletrônica e do documento anexado, aliado à proximidade da mensagem com a data do relatório, indicam que Armando Tripodi remeteu a Paulo Afonso Mendes, da Mendes Pinto Engenharia Ltda, informação privilegiada a respeito de obra de seu interesse referente à ampliação da nova sede da Petrobrás em Salvador, em grave violação a seus deveres funcionais e possivelmente criminosa (grifo nosso).
Mas, continuemos:
“Em 14 de novembro de 2008 Armando Tripodi recebeu novamente Paulo Afonso no gabinete da Presidência da Petrobrás, em reunião na presença igualmente de Newton Carneiro, Diretor da Petros, que posteriormente seria o Coordenador da Comissão Mista de Tomada de Preços Petros/Petrobrás, a quem coube atribuir o serviço de gerenciamento e fiscalização do empreendimento à Mendes Pinto Engenharia (grifo nosso).
“O MPF aponta ainda suspeita proximidade entre almoços havidos entre Armando Tripodi e Paulo Afonso, nos dias 10 e 20 de março de 2009, e a assinatura, em 20 de maio de 2009, do Protocolo de Intenções entre a Petros, firmado por seu então Diretor Financeiro e de Investimentos, Luis Carlos Fernandes Afonso, e a Petrobrás, firmado pelo Gerente Executivo dos Serviços Compartilhados, Antonio Sergio Oliveira Santana, com o destaque de que esse último participou da reunião do dia 20 de março de 2009, conjuntamente a Armando e a Paulo Afonso (grifo nosso).
“Durante todas as tratativas houve, ainda, novos encontros entre Armando Tripodi e Paulo Afonso, nos dias 29/06/2009, 06/07/2009 e 18/08/2009”.
Em seguida, Newton Carneiro foi nomeado presidente da Comissão Mista de Tomada de Preços Petros/Petrobrás.
Essa comissão ignorou a lista das “empresas gerenciadoras” da própria Petrobrás, para escolher cinco empresas, às quais foram enviadas “cartas-convites” para participar da concorrência.
Essas empresas foram: Mendes Pinto Engenharia, Edrafe Engenharia, Service Engenharia & Qualidade, Engemisa Engenharia e Encibra Estudos e Projetos de Engenharia.
Três empresas responderam à “carta-convite”: Mendes Pinto Engenharia, Edrafe Engenharia e Service Engenharia & Qualidade.
Nas investigações, apareceram as coincidências:
“A Edrafe estava localizada no mesmo prédio comercial da Mendes Pinto em Belo Horizonte, havendo ambas já ocupado a mesma sala comercial, em momentos distintos.
“A Service Engenharia & Qualidade, por sua vez, possui sede e filiais em endereços aparentemente residenciais e manteve relacionamentos financeiros milionários com empresas já investigadas na assim denominada Operação Lava Jato, a exemplo da Quip S/A, da GDK S/A, e do Consórcio Andrade Gutierrez Mendes Junior – KTY.
“No dia seguinte à apresentação das propostas e dois dias antes de a Comissão Mista apresentar o resultado da Tomada de Preços, Armando Tripodi e Paulo Afonso novamente se encontraram, em 08 e 14 de dezembro de 2009.”
A coincidência final: a escolhida foi a Mendes Pinto, propriedade de Paulo Afonso.
CONVITE
A Mendes Pinto foi contratada, em janeiro de 2010, por R$ 19.200.000,00.
Na verdade, a própria carta-convite da Petros para as empresas fora escrita pelo dono da Mendes Pinto:
“De quebra de sigilo telemático surgem indícios ainda mais claros do conluio entre os citados, em especial quando Paulo Afonso encaminha, em 05 de outubro de 2009, e-mail para Gilson [Alves de Souza, que fazia parte da comissão de tomada de preços] transmitindo-lhe uma ‘minuta conforme falamos’. Na mensagem transcrita à fl. 14 da representação, Paulo Afonso combina de se encontrar com Gilson pessoalmente, referindo ‘sigo para seu escritório’.
“O exame do conteúdo do arquivo anexo ao e-mail ‘Pituba Carta Convite e TR paulo 041009.doc’, conforme ressalta o MPF, deixa ver que o documento que Paulo Afonso transmitiu a Gilson foi justamente uma minuta de carta convite para a contratação de ‘serviços especializados em consultoria para o Gerenciamento da ampliação do conjunto Pituba com a construção dos novos prédios destinados para abrigar a nova sede da PETROBRAS em Salvador-BA’, indicando que era Paulo Afonso quem ditava as regras do procedimento seletivo sob a condução do grupo de trabalho Petros/Petrobrás.
“Na sequência, Gilson encaminhou, em 08 de outubro de 2009, mensagem a Jean Clécio [funcionário da Petrobrás] com o documento, nomeado ‘PETROS Conjunto PitubaRev1.doc’, sendo que as propriedades do documento indicam de forma clara que este foi criado por Paulo Afonso” (grifo nosso).
OAS E ODEBRECHT
Após ser escolhida para “gerenciar” e “fiscalizar” a obra, “a Mendes Pinto apresentou proposta de aditamento do valor do contrato de gerenciamento e fiscalização, com manifestação favorável da Petrobrás, para R$ 40.270.543,19, em 18/07/2012. A formalização do contrato ocorreu dias após novo encontro entre Armando Tripodi e Paulo Afonso, em 30/06/2012 (ao todo, o preço da Mendes Pinto ficou em R$ 69.953.745,21).
“Assim, a empresa Mendes Pinto ficou responsável por escolher tanto as empresas projetistas (projetos de arquitetura e engenharia), como a empreiteira responsável pela obra na segunda fase, por meio de tomada de preços, que seriam submetidas à Petros, para aprovação e contratação”.
Mas, as coincidências e coisas estranhas continuaram.
Por exemplo, uma das empresas projetistas, contratada pela Mendes Pinto, a Chibasa “tinha apenas um empregado no período de 2010 a 2015, e apresentou o mesmo número de telefone e endereço eletrônico da empresa concorrente Gênese”.
“De forma semelhante ao acontecido com a Mendes Pinto, as contratações das empresas projetistas foram precedidas de reuniões suspeitas entre Armando Tripodi e Paulo Afonso, em 01/02/2010 e 29/03/2010”, aponta a juíza.
Para a construção, foram apresentadas quatro propostas. Duas delas foram eliminadas (as da Carioca Engenharia e da Engeform Construções), sem oportunidade para que essas empresas refizessem propostas – como, em geral, é a praxe.
Assim, sobraram as propostas da OAS e da Odebrecht.
Depois de ser declarada vencedora, a OAS firmou uma “sociedade de propósito específico” com a Odebrecht, a SPE Edificações Itaigara S/A.
CIPOAL
Uma das pontas do dinheiro (se assim pode se chamar) revelou um marketeiro do PT, Valdemir Garreta.
Este, segundo as investigações, recebeu R$ 2 milhões da propina passada pela OAS e Odebrecht no prédio de Salvador – gasto da campanha de Dilma Rousseff em 2014.
No departamento de propinas da Odebrecht, Garreta tinha o codinome “Programa”.
Impressionou à juíza o número de empresas que alguns dos implicados tinham em seu nome.
Por exemplo, Paulo Afonso Mendes Pinto tinha sete empresas: Mendes Pinto Engenharia, Marman Consultoria Técnica, Terra Consultoria Técnica, PMP Consultoria Ltda (situada no mesmo endereço da Mendes Pinto Engenharia); CMP Construtora Mendes Pinto Ltda, Construtora R Pinto Ltda e Mendes Pinto Empreendimentos Eireli (situadas todas no mesmo endereço).
Já Valdemir Garreta, diz a juíza, tem um “cipoal corporativo”, na maioria sem nenhum empregado. Tem seis empresas, cinco delas com o mesmo endereço: FX Comunicação Global, Brasiliense Empreendimentos Imobiliarios, VG Marketing Eleitoral, Mek Comunicação, EE Participação, Comunicação Mais Consultoria e Assessoria, FG Marketing Eleitoral SPE.
C.L.
Uma Nação em crise não precisa de plano.
Precisa de “H”omens para ampara´-la , temos direito à custódia.
Sou MMM: MITO, MOURÃO, MORO.