Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (18)
(HP 07/10/2015)
CARLOS LOPES
Há, na conduta de Vaccari – aprovada explicitamente pelo sr. Rui Falcão, presidente do PT – e de outros membros da mesma agremiação envolvidos no esquema revelado pela Operação Lava Jato, uma evidente hostilidade à Petrobrás.
Se é algo consciente, ou não, a questão é menos importante, porém, não desprezível. O que isso representa como hostilidade ao Estado nacional – e, portanto, ao país e ao povo do país – aparece exposto na postura elitista e arrogante de alguns desses elementos.
Comprar apartamentos ou casas em bairros grã-finos não é o maior – embora não seja o menor, até porque há o problema da origem do dinheiro – dos sintomas dessa, digamos assim, doença ideológica. Não esqueçamos da ridícula tentativa de transformar, fantasiosamente, o Brasil em um “país de classe média”, e, no limite, o horrendo deslumbramento com os espetáculos imperiais, que faz a senhora presidenta sair do carro do Google – aquele que não precisa de motorista, um brinquedo que já tem seis ou sete anos – com um olhar esgazeado, dizendo: “eu vi o futuro”. Não faltaram nem alguns espelhinhos…
Notemos, também, que essa hostilidade coincide perfeitamente com a política pública do governo Rousseff em relação à Petrobrás: desde leiloar o maior campo petrolífero do mundo, Libra, descoberto pela nossa empresa, para abri-lo às multinacionais, até a privatização – e/ou desnacionalização – total ou parcial dos seus ativos (Gaspetro, BR Distribuidora, frota de petroleiros, etc.), exatamente como fez Collor.
Aliás, é bom relembrar, pois o esquecimento é o co-piloto da reação: entre as primeiras medidas de Collor estiveram a destruição da Petrobras Mineração S.A. (Petromisa) e da Petrobras Comércio Internacional S.A. (Interbrás), a maior trading do país, com ativos de US$ 600 milhões e contratos assinados no valor de US$ 1 bilhão (cf. Diário do Congresso Nacional, Ano XLV, nº 22 e nº 23, Seção I, 27/03/1990 e 28/03/1990).
A palavra “destruição” não é uma ênfase: a Petromisa e a Interbrás foram, simplesmente, fechadas. Não é difícil perceber a quem beneficiava essa chacina em cima da Petrobrás.
Em seguida, Collor destruiu a subsidiária mais antiga da Petrobrás, a Petrobras Química S.A. (Petroquisa) – esvaziando-a, por privatizar sua participação numa série de outras empresas, incluindo a Petroflex, a maior produtora de borracha sintética do Hemisfério Sul, hoje filial da alemã Lanxess, e a Companhia Nacional de Álcalis.
Em suma, esse desinvestimento amputou o braço petroquímico da Petrobrás, levando o país a uma crise nessa área, da qual ainda não se recuperou totalmente.
O mesmo aconteceu com a Petrobrás Fertilizantes (Petrofértil): a Fosfértil e a Goiasfértil foram privatizadas ainda em 1992, depois a Ultrafértil e a Arafértil.
Que diferença há, em relação à Petrobrás, entre a política de Collor e a de Dilma?
Não é acaso que Dilma tenha entregue a maior parte da BR Distribuidora – a segunda empresa do Grupo Petrobrás e segunda do país em faturamento – exatamente a Collor, depois do que este, em seu breve governo, fez contra a Petrobrás.
As consequências foram terríveis – mas como poderia ser diferente?
A Petrobrás sempre foi o principal alvo, desde as múmias que tentavam impedir que ela existisse – e, logo depois, queriam destruí-la no nascedouro –, de todos os entreguistas, traidores do país e meretrizes a serviço de Washington e Wall Street.
O BANDO
Os trechos das mensagens trocadas pelo sr. Marcelo Odebrecht com seus funcionários – especialmente com Rogério Araújo, diretor da Odebrecht Plantas Industriais e Participações – são muito ilustrativos da atividade de quadrilha, característica do cartel que assaltou a Petrobrás.
Por exemplo, na quinta-feira 24 de julho de 2014, depois da prisão do ex-diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa – mas antes da prisão dos ex-diretores Renato Duque e Nestor Cerveró – houve a seguinte troca de mensagens entre Marcelo Odebrecht e Rogério Araújo (com cópia para Márcio Faria da Silva, diretor da Construtora Norberto Odebrecht, e Maurício Ferro, diretor jurídico da Odebrecht):
ROGÉRIO ARAÚJO (18:04 h): Como sabemos, foram indicadas algumas pessoas da Cia [Petrobrás] como testemunhas para processo PR [Paulo Roberto Costa]. Uma delas, Wilson Guilherme (GEX Abast), foi abordado por MGF [Maria das Graças Foster] na seguinte linha: “pense bem antes de ir e se definir em que quadrílha vc pertence!”.
MARCELO ODEBRECHT (18:06 h): Não sei se entendi bem a mensagem dela…
ROGÉRIO ARAÚJO (18:14 h): Se for da quadrilha do PR, depor favorável a ele…
MARCELO ODEBRECHT (18:15 h): Ou seja, ela quer detonar o PR? Não apenas não ajudar mas atacar? Acha que não tem refluxo?
ROGÉRIO ARAÚJO (18:21 h): Também detonar Duque (será testemunha), Cerveró e Gabrielli. Não sei se tem alinhamento com PR…
MARCELO ODEBRECHT (18:24 h): Seria bom se tivéssemos certeza desta postura dela, pois seria mais um ponto de minha conversa amanhã. Isto é suicídio, só vai prejudicar governo e empresa.
ROGÉRIO ARAÚJO (18:35 h): Com relação ao WG [Wilson Guilherme], certeza absoluta! Com relação ao Duque, ela fez o seguinte comentário numa apresentação GT a DE [diretoria executiva], sobre ação do Imbassay junto a Proc Geral União acerca RNEST [Refinaria Abreu e Lima], arrolando ex-diretoria e atual para escutar a apresentação: solicitou ao Jurídico (Nilton Maia) para preparar trabalho defesa da atual diretoria e disse que não poderia fazer mesmo com PR (se beneficiou) e Duque (dinheiro para Partido)! Quanto ao Cerveró e Gabrielli, [ela] tem feito comentários ruins face Pasadena. Outro que ela detona é Zelada (cf. Relatório de Análise de Polícia Judiciária n° 438/2015 – Operação LAVA-JATO/SR/DPF/PR).
Há duas questões que imediatamente são levantadas por essa troca de mensagens.
A primeira é a ligação de Odebrecht com Paulo Roberto Costa, Renato Duque, Nestor Cerveró e Jorge Zelada.
O que não é surpreendente: a Odebrecht, mais que as demais empresas do cartel, havia adquirido esses elementos no mercado. Portanto, Costa, Duque, Cerveró e Zelada eram tratados como propriedade da Odebrecht.
As mensagens instantâneas e e-mails dos diretores da Odebrecht, não apenas confirmam as acusações e reforçam as demais provas, como, também, mostram uma rara – e perigosa – sensação de impunidade. É como se eles contassem com o governo para torná-los imunes às leis e à Justiça.
Por exemplo, note-se este e-mail do presidente da Odebrecht Oil and Gas, Roberto Prisco Paraíso Ramos, ao chefe do grupo, Marcelo Odebrecht, com cópia a Márcio Faria da Silva, Rogério Araújo e ao diretor-superintendente da Odebrecht Engenharia Industrial, Fernando Barbosa:
“Falei com o André em um sobre-preço no contrato de operação da ordem de $20-25000/dia (por sonda). Acho que temos que pensar bem em como envolver a UTC e OAS, para que eles não venham a se tornar futuros concorrentes na área de afretamento e operação de sondas. Já temos muitos brasileiros ‘‘aventureiros” neste assunto (Schahim, Etesco…). Internamente, eu posso transferir resultado da OOG [Odebrecht Oil and Gas] para a CNO [Construtora Norberto Odebrecht], mas não posso fazê-lo para as outras duas; isto teria que ir dentro do mecanismo de distribuição de resultados dentro do consórcio.”
O André mencionado por Roberto Prisco é o banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, principal acionista da Sete Brasil – a empresa que o sr. Duque inventou para alugar sondas para a Petrobrás, construídas com dinheiro do FGTS, e, no plano inicial, do BNDES – além de dinheiro da própria Petrobrás -, em estaleiros do cartel do bilhão.
O que Prisco comunica a Odebrecht é, evidentemente, um sobrepreço contra a Petrobrás, única cliente da Sete Brasil.
Quanto ao e-mail que vem a seguir, a denúncia do Ministério Público aponta, corretamente, que ele mostra como a Odebrecht sabia de informações privilegiadas.
Porém, há outra coisa interessante, sobretudo para quem acha que defender a Odebrecht – portanto, o roubo da Odebrecht – é defender, supostamente, a “engenharia nacional”: o desembaraço da Odebrecht na relação com as multinacionais.
Antes que se diga que estamos defendendo que as empresas nacionais não tenham relação alguma com as multinacionais, esclarecemos que esse não é o nosso ponto de vista. O que é característico aqui é a desinibição, por exemplo, nessa mensagem de Rogério Araújo para Marcelo Odebrecht – e como o esquema EPC (v. HP 26/08/2015) se prestava não apenas ao assalto contra a Petrobrás, mas, também, ao contubérnio entre monopólios internos e monopólios multinacionais – o que, no caso, é apenas a outra face da moeda. A mensagem é a seguinte:
“(1) Este assunto está sendo conduzido pela Engenharia/Amaral em conjunto G&E/Antonello.
“(2) A modelagem definida pela Pb [Petrobras] eh a seguinte: vai ser feita uma licitação a âmbito da Petrobras para a escolha do Epcista (parceria entre Empresa +Turbineiro) que participará com a Pb/G&E no Leilão.
“(3) Nos já estamos em parceria com exclusividade, com a Alsthon. Ainda estão no processo, na condição de turbineiros, a Siemens e ABB.
“(4) Confidencialmente, tivemos acesso as Empresas que a Pb [Petrobras] vai convidar para a Licitação do Epcista +Turbineiro, com objetivo escolher seu Parceiro para o Leilão: CNO, Galvão, Setal, SK, Techint, GDK. Estão fazendo força para entrar nesta lista a Hyundai e ABB.”
SOMBRA
A outra questão, levantada pela troca de mensagens com a qual iniciamos este artigo, diz respeito à atitude da senhora Maria das Graças Foster, uma incapacidade colocada à testa da Petrobrás por Dilma, com resultados desastrosos.
A senhora Foster jamais foi uma privilegiada quanto ao horizonte mental – sua credencial para chegar à presidência da Petrobrás (como, aliás, a todos os cargos que ocupou a partir de 2003) era a proximidade com Dilma, e nada mais. Embora, é bastante possível que ela tenha acreditado na “Fortune”, a revista dos monopólios norte-americanos, que, com olho no pré-sal, a escolheu “mulher mais poderosa do mundo fora dos EUA”.
Mas, deixemos de lado as brincadeiras – ou palhaçadas imperialistas. Vamos ao que é sério: segundo o diretor da Odebrecht, ela estava encarando os acontecimentos como uma briga de quadrilhas, ao dizer para um gerente, listado como testemunha de Paulo Roberto Costa: “pense bem antes de ir e se definir em que quadrilha vc pertence!”.
Pode ser – é o mais provável – que a senhora Foster não tenha percebido o que falou, ou seja, que tenha cometido um lapso, um “ato falho”. Mas o que caracteriza o ato falho é, precisamente, revelar o que a pessoa não quer revelar nem para si mesma.
Além da questão psicológica, ao detonar Costa, Duque, etc., a preferida de Dilma demonstrava, mais uma vez, sua incompetência: nem percebia – como Odebrecht percebeu – que estava detonando o próprio esquema que a havia (assim como a Dilma) alçado ao cobiçado cargo, isto é, o esquema do PT e, portanto, do governo.
Certamente, a essa altura dos acontecimentos, a detonação do esquema não dependia dela – mas parece que ficou satisfeita com algo que, no final das contas, inevitavelmente acabaria por derrubá-la da presidência da Petrobrás.
Obviamente, como escreveram alguns articulistas sobre a troca de mensagens entre Marcelo Odebrecht e Rogério Araújo, se ela sabia que havia uma quadrilha – ou mais de uma – na Petrobrás, por que não a(s) denunciou?
Porque ela sabia quais eram essas quadrilhas – inclusive quem as acobertava.
Basta fazer a pergunta acima sob outra forma: durante os sete anos em que, antes de ser presidente da empresa, ocupou cargos dentro do Grupo Petrobrás (2005-2012), mais os dois anos (2003-2005) como secretária de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis da então ministra Dilma Rousseff – e sendo casada com um empresário, o sr. Colin Vaughan Foster, que era fornecedor da Petrobrás – ela não percebeu nada?
Quanto à sua excitação para detonar a diretoria anterior – a mesma na qual foi diretora de Gás e Energia -, ela aparece logo no dia de sua posse na presidência, em 2012, pelo pior lado possível: o chaleiramento da mídia, sobretudo norte-americana, e da especulação com papéis da Petrobrás em Nova Iorque. Em suma, ela atacou o que houve de melhor na diretoria anterior com o objetivo de tornar-se, supostamente, a mais-querida da “Fortune” e outras porcarias semelhantes.
Ela não estava interessada nos problemas reais. Tanto isso é verdade que, ao falar do custo da Refinaria Abreu e Lima, que passou de US$ 2,3 bilhões em setembro de 2005 para US$ 20,1 bilhões em junho de 2012 (ou seja, nove vezes o custo inicialmente previsto), com três anos de atraso no “primeiro trem” (a primeira parte da refinaria; o atraso em relação ao conjunto da refinaria é, evidentemente, maior), a senhora Foster jogou a responsabilidade sobre a diretoria anterior, mas omitiu as causas reais dos problemas – os sobrepreços e superfaturamento do cartel continuaram impunes na sua gestão.
As críticas à diretoria anterior estavam, portanto, a serviço de sua autopromoção, de, basicamente, mostrar-se confiável aos especuladores, sobretudo aos externos.
Já em 2014, é outra coisa que aparece. Sua ação, diz Odebrecht, “é suicídio”.
A explicação parece ser que, ao que tudo indica, a senhora Foster foi movida pelo ressentimento em relação ao ex-ministro José Dirceu, que, em 2004, havia, em documento da Casa Civil (Nota Técnica nº 23/2004), alertado a então ministra Dilma Rousseff para os negócios do marido de sua favorita com a Petrobrás. Nesta nota, Dirceu diz que considera “prudente” (sic) a ministra tomar conhecimento das denúncias.
O que, aliás, pouco adiantou: a partir de 2007, a C. Foster, empresa do marido da senhora Foster, assinou 42 contratos com a Petrobrás.