Acordos vão desde processos de desdolarização e defesa mútua até cultura e matrizes energéticas e representam uma resposta ao hegemonismo e sanções encabeçadas por Washington
Os presidentes Vladimir Putin e Masoud Pezeshkian assinaram em Moscou na sexta-feira (17) um acordo de parceria estratégica abrangente Rússia-Irã de 20 anos, que cobre áreas que vão da desdolarização à energia, ao novo corredor de transporte norte-sul, à cooperação em defesa e contraterrorismo e, ainda na ciência, tecnologia e cultura.
Para os dois presidentes, o tratado visa criar condições para o desenvolvimento estável e sustentável das duas nações, ainda mais quando ambas se acham sob intensas sanções dos EUA e seus vassalos.
Ele enfatizou que as autoridades da Rússia e do Irã estão unidas no seu desejo de levar as relações bilaterais a um nível qualitativamente novo, acrescentando que as posições dos dois países na maioria das questões de política externa coincidem.
“Ambos os países realizam uma política externa independente e resistem conjuntamente às pressões externas, aos ditames e ao uso de sanções ilegítimas e com motivação política”, destacou.
“Este documento verdadeiramente inovador visa criar um desenvolvimento estável e sustentável em toda a região da Eurásia”, disse o presidente russo após a assinatura do acordo histórico com o Irã.
Putin considerou que as suas conversas com o seu homólogo iraniano foram “profundas”, “úteis” e “construtivas” e afirmou que as relações entre o Irã e a Rússia se baseiam “nos princípios da igualdade e do apoio mútuo”.
Para Pezeshkian, o reforço dos laços com a Rússia em vários setores irá contrariar as sanções e as exigências excessivas do Ocidente. “O Irã e a Rússia podem cooperar com os países vizinhos sob a forma de acordos Brics, Xangai e Eurásia. Não temos outra escolha senão fazê-lo, porque ambos os países estão sob embargo e os Estados Unidos procuram o unilateralismo, o que não é aceitável”, assinalou.
Caracterizado por Putin como “sem precedentes”, o histórico acordo estreita as relações entre Moscou e Teerã, ambos membros plenos dos Brics e da Organização de Cooperação de Xangai. Por sua vez, Pezeshkian chamou a Rússia de “nação fraterna” e disse que o acordo abre “um novo e grande capítulo nas relações bilaterais”. Em 2021, o Irã já havia assinado outro tratado de âmbito estratégico de 25 anos com a China, também membro dos Brics.
USO DAS MOEDAS NACIONAIS
Putin enfatizou que a Rússia e o Irã passaram quase completamente para o uso das moedas nacionais em transações mútuas e estão trabalhando na interconexão dos sistemas de pagamento. A cooperação inclui um projeto para a implementação de um gasoduto para o Irã, cujo volume de fornecimento pode chegar a 55 bilhões de metros cúbicos de gás por ano, e a conclusão do complexo de geração de energia nuclear de Bushehr, com mais duas unidades.
A partir do tratado, o Irã se incorpora no esforço da Rússia para criar o corredor internacional Norte-Sul, que chegue até à Índia. Nesse sentido, está em discussão a construção da linha ferroviária Resht-Astara, que ajudará a estabelecer uma logística contínua entre os países.
O presidente iraniano também destacou que o documento inclui o aumento do nível de intercâmbios, aproveitando as capacidades e possibilidades dentro da União Econômica Eurasiática (EEU), a união de cooperação e sinergia entre países ex-soviéticos, que é liderada pela Rússia.
Uma das pedras angulares do tratado é uma promessa de defesa mútua, segundo a qual, se um país for atacado, o outro não ajudará o agressor de forma alguma. Os dois países se comprometeram ainda com a resistência ativa às sanções, com as duas partes se negando a aderir a quaisquer sanções impostas por países terceiros uns contra os outros e a garantia de não implementar medidas coercitivas unilaterais. Rússia e Irã também realizarão esforços conjuntos contra a desinformação e propaganda negativa nos meios de comunicação.
Como apontou o embaixador do Irã na Rússia, Kazem Jalali, o acordo iraniano-russo “não é dirigida contra nenhum terceiro país, mas é consistente com a segurança e a estabilidade da região”.
CONVERGÊNCIAS
Os dois presidentes também expressaram a convergência de pontos de vista sobre as principais questões no mundo. Putin manifestou seu apoio ao cessar-fogo em Gaza e acrescentou que seu país esteve e continua empenhado numa solução para o conflito na Síria baseada no respeito pela sua soberania, independência e integridade territorial, e está disposto a apoiar o povo sírio.
Referindo-se ao genocídio contra os palestinos de Gaza e a cumplicidade dos EUA e sócios menores, o presidente iraniano denunciou a inação das organizações internacionais e o duplo padrão, quando um regime “diz que tem o direito de matar mulheres e crianças e destruir hospitais e escolas, mas ao mesmo tempo ensina outras nações sobre os direitos humanos e diz o que fazer.” “Não aceitamos duplos padrões, é inaceitável”, destacou.
Ele acrescentou que as duas partes “enfatizam a necessidade de estabelecer um cessar-fogo permanente no Líbano e pôr fim à agressão do regime [israelense] contra o território sírio”.
Pezeshkian reiterou ainda que Teerã saúda “a solução política da questão entre a Ucrânia e a Rússia”, em referência à questão da guerra por procuração da Otan contra a Rússia na Ucrânia.
SÓ RINDO
Para o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, as especulações sobre a escolha da data para a assinatura do tratado Rússia-Irã na véspera da posse de Donald Trump nos EUA, marcada para 20 de janeiro, “não causam nada além de um sorriso”.
“Deixem que os teóricos da conspiração continuem pensar”, ele acrescentou. “Em geral, a posse do próximo presidente dos EUA é um evento que pode ser de algum interesse para alguns, principalmente para os cidadãos norte-americanos, mas de forma alguma afeta a natureza da cooperação russo-iraniana comprovada há muito tempo”.