
A versão original de Ronald Reagan destacou-se pelo rotundo fracasso. Proibida por tratado de 1967, a militarização do espaço não traria mais segurança para os EUA e abriria corrida armamentista que só interessa aos Strangeloves
A Rússia exortou o governo Trump a “cair em si” e a recuar da “tentativa irresponsável de relançamento em nova base e mais alta tecnologia do programa Guerra nas Estrelas, da Era Reagan”, alertando que sua implementação desencadeará uma perigosa corrida armamentista no espaço.
Trump anunciou seu muro de mísseis e sensores no espaço no dia 17, um dia após Washington confirmar que sua retirada do Tratado de Proibição de Mísseis Intermediários (INF), em vigor desde 1987 e que afastou o risco de guerra nuclear no teatro europeu por três décadas, terá início no dia 2 de fevereiro.
Reagan anunciou sua Iniciativa Estratégica de Defesa em 1983, para militarizar o espaço com mísseis e canhões laser, “contra o ‘império do mal, a União Soviética”, logo apelidada de Star Wars por causa do filme, que acabou abandonada em função do fracasso e custo. Era a insana pretensão de vencer a guerra nuclear.
A Guerra nas Estrelas 2.0 de Trump é o primeiro desdobramento da constituição de sua “força armada espacial” no ano passado, na época já condenada por Moscou e Pequim, que rechaçaram a transformação do espaço em campo de batalha. A militarização do espaço está proibida por tratado de 1967.
“Gostaríamos de observar que a mesma lógica serviu de base para a corrida generalizada de mísseis nucleares que levou o mundo à beira do desastre várias vezes”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores russo, acrescentando que a liderança dos EUA “aparentemente decidiu pisar no mesmo ancinho, com consequências previsíveis”.
Moscou advertiu que esses planos dos EUA levarão “inevitavelmente” ao início de uma corrida armamentista no espaço “que terá as consequências mais negativas para a segurança e a estabilidade internacionais”. O comunicado assinalou que a nova revisão da estratégia de mísseis dos EUA (MDR) de fato “dá luz verde” para basear no espaço “mísseis com capacidade de ataque”.
A chancelaria russa denunciou que o documento norte-americano mostra a intenção de Washington de estabelecer a dominação militar e capacidade de conduzir com impunidade operações militares em qualquer lugar do planeta, e rejeitando quaisquer limitações sobre esses mísseis. A nota considerou de particular alarme a noção de usar “não apenas sensores, mas também armas em órbita”.
“Isso não melhorará a segurança dos EUA ou de seus aliados e parceiros, mas terá o efeito inteiramente oposto – um forte golpe na estabilidade internacional, que já está desmoronando graças às ações irresponsáveis de Washington”, afirmou Moscou. “Obviamente, ninguém ganha neste cenário.”
A diplomacia russa relembrou que até hoje Washington não respondeu à proposta de Moscou na cúpula de Helsinque, de julho do ano passado, de completa restauração das conversações russo-americanas em todas as questões relacionadas ao controle de armas e segurança internacional. A chancelaria conclamou os EUA a encontrar “vontade política” de trabalhar conjuntamente as questões estratégicas “antes que seja tarde demais”. A Rússia voltou a se declarar “pronta” para essas negociações.
O comunicado adverte, ainda, que o MDR não apenas contempla a colocação de armas no espaço, mas também a realização de ataques ditos “preventivos”, contra mísseis (e outras estruturas) que a juízo de Washington sejam “uma ameaça”. Como registrou a chancelaria russa, o projeto norte-americano considera como “método legítimo” a “destruição preventiva” de mísseis dos adversários, agressão apresentada como “desarmamento”. Conforme o próprio Trump, a nova diretriz “reconhece que o espaço é um novo domínio de combate de guerra, com a força espacial liderando o caminho”.
“Ao contrário das afirmações dos autores da Review, a realização dos planos e abordagens que ela contém não fortalecerá de maneira alguma a segurança dos Estados Unidos e seus aliados” e terá efeito oposto, reiterou a Rússia, denunciando as “ações irresponsáveis de Washington”. “Foi justamente essa lógica que originalmente serviu de base para uma corrida armamentista de mísseis nucleares em larga escala, que mais de uma vez levou o mundo à beira do desastre”, concluiu.
Como o presidente Vladimir Putin tem advertido, a arquitetura global de segurança e de prevenção à hecatombe nuclear está sendo desmantelada pelas ações unilaterais dos EUA, que em 2001 já se retiraram do Tratado ABM (um único sistema antimíssil para cada lado), agora estão saindo do Tratado INF e são cada vez mais frágeis as perspectivas de prorrogação do Novo START, que expira em 2021 e limita as armas nucleares.
A primeira medida da nova postura de Trump é ampliar de 44 para 64 os antimísseis instalados em uma base do Alaska, que fica a apenas 1000 km da fronteira russa. Um analista militar ouvido pelo portal Sputnik, Dmitri Drozdenko, mostrou a que perigo está se expondo a Humanidade. Ele apontou como nessa mesma base poderiam ser instalados mísseis intermediários [alcance até 5.500 km], reeditando os momentos mais tensos do auge da Guerra Fria. A decisão de retirar tais mísseis foi tomada, relatou, porque são capazes de chegar muito rápido ao alvo, sem deixar tempo para reagir.
“No caso de suposto ataque com estes mísseis não dá tempo para fazer análise. Algo está voando rumo ao nosso território, há que reagir imediatamente. Não sobra tempo para pensar: temos que apertar o botão vermelho. E o que se passa se tudo foi um erro? Não se pode desfazer nada: os mísseis já foram lançados”, sublinhou. Agora, com o chamado sistema de ataque global dos EUA, “a outra parte nunca sabe se o míssil que se avizinha é nuclear ou não, e portanto sempre espera o pior”. Em decorrência da retirada sucessiva dos EUA dos acordos de controle das armas, a Rússia desenvolveu os mísseis hipersônicos, drones subaquáticos e o ICBM pesado Samart, capazes de proteger o país. Na prática, o MDR também tira a máscara sobre as supostas ameaças da “Coreia do Norte” e do “Irã” e deixa claro que o que os Strangeloves de plantão no Pentágono temem mesmo é a Rússia e a China.
ANTONIO PIMENTA