A missão diplomática russa junto às Nações Unidas apresentou quarta-feira a sua própria resolução sobre a Venezuela no Conselho de Segurança da ONU, que propõe apoiar a soberania do país e resolver a crise política no âmbito do “mecanismo de Montevidéu”, registrou o Sputnik.
O Mecanismo de Montevidéu, encabeçado pelo México, Uruguai e Comunidade do Caribe, prevê quatro etapas para a solução da crise na Venezuela, sem intervenção e com respeito à sua soberania: o lançamento imediato de um diálogo sobre a situação na Venezuela com todas as partes, estabelecimento de processo de negociação, elaboração de um acordo e sua implementação.
Uma solução “entre venezuelanos”, com a ajuda dos países mediadores, conhecidos por sua defesa da autodeterminação e do respeito à soberania dos povos.
Em 2004, para resolver o impasse que a oposição empurrava desde o fracassado golpe de 2002, o presidente Chávez encaminhou a solução constitucional da votação revogatória, que manteve os bolivarianos no poder nas urnas.
Agora, a Plataforma Cidadã em Defesa da Constituição, que congrega ex-ministros chavistas, têm proposto um referendo para desencadear eleições gerais e revalidar todos os poderes da República. O próprio chanceler do governo Maduro, Jorge Arreaza, não descartou a discussão sobre convocação de eleições, se isso vier a resolver a crise e se oposição acatar o resultado.
Os países europeus – embora na maioria hajam reconhecido o preferido de Trump, Juan Guaidó, ‘autoproclamado’ presidente após telefonema da Casa Branca e rechaçem Maduro – recusam a intervenção militar e apoiam os esforços do Mecanismo de Montevidéu. Segundo a maioria dos países europeus, é preciso realizar eleições, a que todos se submetam, para pacificar o país.
Independente do juízo político que se queira fazer sobre a incompetência e o desastre do governo Maduro, este é o presidente legítimo, eleito por 67% dos votantes e participação equivalente à da maioria dos governos da região. Eleição em que parte da oposição participou, e teve 21% dos votantes, e parte boicotou por determinação de Washington.
Na quinta-feira, o CS vai votar um projeto de resolução dos EUA na linha da intervenção feita pelo enviado especial de Trump, e ex-operador do Irã-Contras e da Guerra Suja na América Central, Elliot Abrams, de “eleições livres, justas e confiáveis” sob o que seria “supervisão internacional” e na prática decretando o não reconhecimento do mandato em vigor de Maduro, antes de qualquer negociação entre as partes, e a entrada da “ajuda humanitária”.
Até então, a proposta de Washington vinha sendo que “todas as opções estão sobre a mesa”, o que foi reforçado, na cúpula de Bogotá do Grupo de Lima, com a declaração do vice de Trump, Mike Spence, de que se chegou ao “ponto de não retorno”. Já o ex-diretor da CIA e atual secretário de Estado, Mike Pompeo, asseverou que os dias de Maduro “estão contados”. Trump ameaçou que os militares venezuelanos “perderiam tudo”, se não baterem continência para Guaidó.
Ao que parece, o fiasco da provocação com ‘ajuda humanitária’ forçada, no final de semana, e a oposição do Grupo de Lima a embarcar neste momento em uma aventura que todo mundo sabe como começa, mas ninguém sabe como termina, forçaram Washington a retocar sua proposta, para incluir a isca das “eleições”.
O Wall Street Journal publicou comentário em que asseverava que Washington acreditava que bastava um chamamento de Guaidó e a Venezuela cairia como um castelo de cartas.
“As pessoas que inventaram em Caracas e venderam aqui [em Washington] venderam-no com a promessa de que se Guaidó fizesse um movimento e (os países da América do Sul) e os EUA viessem atrás, os militares virariam e Maduro iria”, disse um ex-funcionário sênior dos EUA. “Eles pensaram que era uma operação de 24 horas.”
Pelo visto, o “Plano B”, a “avalanche humanitária” na fronteira não teve destino diferente.
Além disso, pela constituição venezuelana, Guaidó, se fosse de verdade um “presidente interino”, teria que convocar eleições em 30 dias, prazo que se encerrou com a provocação na fronteira, o que depõe contra sua pose de presidente defensor da democracia contra a ‘ditadura de Maduro’. Então, Washington precisa providenciar um biombo, que é o que a resolução busca fazer.
A resolução de Washington também tenta reeditar a falseta usada contra a Líbia, em que uma autorização dada com um fim determinado, foi arrombada para propiciar a derrubada do governo. Agora, a resolução autorizaria “ajuda humanitária” em termos em aberto, quando a operação de Washington no fim de semana havia sido desautorizada explicitamente pela ONU e pela Cruz Vermelha Internacional, por sua “politização” e não respeito aos princípios da “imparcialidade e neutralidade”.
Além disso, Abrams não é propriamente o melhor interlocutor para promover eleições, dado sua folha corrida de operador do Irã-Contras e da Guerra Suja na América Central, o que inclui genocídio e seu acobertamento, montagem de esquadrões da morte, tráfico de drogas e envio de armas disfarçado de “ajuda humanitária”. O criminoso de guerra também foi condenado por mentir ao Congresso dos EUA. É tido ainda como a eminência parda do golpe fracassado de 2002.
Na verdade todo o movimento é para criar ambiente para o alegado “direito de proteger”, o R2P (Right to Protect) sob suposta “crise humanitária” – já clamorosamente usado contra a Iugoslávia e a Líbia. Mas Rússia e China vão vetar qualquer falseta contra a Venezuela – como já fizeram em relação à Síria. Na busca de uma saída, o chanceler Arreaza sugeriu até mesmo uma reunião Maduro-Trump para deter a espiral da crise.
A.P.