Na última terça-feira (24), entrevistamos o promotor de Justiça Guilherme de Sá Meneghin, da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Mariana, em Minas Gerais, que acompanha os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão. Ele foi o autor da ação cautelar que, cinco dias após o desastre, pediu o bloqueio de R$ 300 milhões da mineradora Samarco, e é quem acompanha a ação de indenização e reassentamento das famílias atingidas da cidade. No próximo mês de novembro, o desabamento da barragem da Samarco, que dizimou o Rio Doce, causando a maior tragédia ambiental do país, e matou 19 pessoas, completará três anos.
À época, a então presidente Dilma Rousseff (PT) articulou um acordo com as mineradoras em que elas criariam a Fundação Renova que seria a responsável pela reparação da destruição causada por elas mesmo, e prometeu: “Vamos fazer um Rio Doce melhor do que estava antes”. Até hoje, ninguém responde criminalmente pelo crime.
Abaixo, o promotor Meneghin, relata a situação do processo na comarca de Mariana e expõe a tentativa das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billinton, de não reconhecer o total de atingidos pela tragédia:
CAMILA SEVERO
Hora do Povo: Como começou sua atuação no caso do rompimento da barragem de Fundão?
Guilherme de Sá Meneghin: Nós começamos a atuar nesse caso assim que houve o desastre, sempre no que tange a reparação dos direitos das vítimas, já que as questões ambientais não são da alçada da justiça estadual. Nós ajuizamos no dia 10 de novembro uma ação cautelar de bloqueio de bens, pra bloquear R$ 300 milhões da Samarco, e depois no dia 10 de dezembro de 2015 nós ajuizamos uma ação civil pública pedindo a reparação integral dos direitos das vítimas do desastre. Nessa ação principal, que é conexa a essa ação cautelar de bloqueio de bens, é que nós estamos tomando as providências necessárias para atender a comunidade atingida.
Quais medidas foram tomadas nesse período?
No bojo desse processo foram tomadas várias medidas para proteção dos atingidos. Exigi que a empresa fornecesse casa para que as pessoas não ficassem desabrigadas até o reassentamento, auxílio financeiro para as famílias, antecipação de indenização, entre outros. Isso foi sendo feito ao longo desses dois anos com alguns percalços, porque as empresas não reconheciam algumas vítimas como atingidos, e nós tivemos que entrar com processos paralelos para demonstrar que aquelas pessoas mereciam algum tipo de reparação imediata, que são esses auxílios, que nós pleiteamos, e que acabaram virando um acordo nessa ação.
Como está a situação neste momento?
No atual estágio nós continuamos com a tramitação desse processo e pactuamos uma série de regras que as empresas têm que cumprir, que chamamos de diretrizes do reassentamento. Uma delas, por exemplo, é que por cinco anos após o reassentamento a Samarco, a Vale e a BHP, através da Fundação Renova, tem que fornecer assistência técnica aos atingidos, para que eles possam retomar suas atividades econômicas. Outra é que o auxilio assistencial financeiro não cesse imediatamente. Ele só vai poder ser extinto quando as famílias retomarem suas condições econômicas anteriores ao desastre, ou seja, ainda que a pessoa ganhe uma casa e seja reassentada, enquanto ela não tiver sua atividade econômica amplamente restaurada, ela ainda receberá esse auxilio mensal, que não é a indenização.
De quantas famílias estamos falando?
Atingidas só na cidade de Mariana, nos distritos afetados, são 850 famílias, que dá aproximadamente 3.000 vítimas. Delas, serão reassentadas são 306 famílias. Fizemos esse acordo para que o reassentamento seja o mais justo possível e continuamos cobrando. A fundação Renova adquiriu os terrenos, no caso de Bento Rodrigues está mais avançado, eles já estão quase com a licença para iniciar as obras. Eles estão começando a chamar as vítimas para elas planejarem suas casas no futuro reassentamento. Já o distrito de Paracatu de Baixo o projeto não está pronto, nem foi aprovado pela comunidade.
Há algum tipo de previsão para o reassentamento em Bento e Paracatu?
Não existe nenhum tipo de previsão para o reassentamento, embora eles aleguem uma ou outra data, elas não tem fundamento. Porque a obra é longa e complexa. De qualquer forma nós estamos cobrando que as empresas concluam essa obra até o final de 2019, e também estamos cobrando uma multa, que seja aplicada judicialmente caso eles não cumpram esse prazo. Mas a decisão sobre se essa será considerada de fato a data final ainda não foi tomada.
E como está o processo de indenização às vítimas?
Quanto à indenização, a gente espera concluir o acordo ainda este ano com a Fundação Renova e as empresas. Estamos trabalhando com a possibilidade de nesse acordo já haver os critérios para indenizar as pessoas. É um acordo coletivo, mas cada família vai ter uma indenização individualizada de acordo com os danos que ela sofreu. Para identificar esses danos esta sendo feito um processo de cadastramento dessas vítimas, e de todos os prejuízos que a pessoa sofreu. Esse cadastramento não é feito pelas empresas e nem pela Fundação Renova.
Como está a relação dos atingidos com a Renova?
Não está boa, a Renova pisou na bola em alguns momentos durante esse processo e nós inclusive já fizemos algumas críticas sobre essa forma de atuação, principalmente daquelas pessoas que foram prejudicadas e não tiveram seus direitos reconhecidos. A gente [MPMG] teve que ajuizar ações paralelas para garantir esses direitos. A gente espera que a Fundação melhore e venha de fato atender os interesses dos atingidos, e, caso ela não venha a atender, o Ministério Público está aí justamente pra cobrar, inclusive com medidas judiciais, o cumprimento de tudo que é obrigação deles.
O conselho da Renova é composto majoritariamente pelas empresas que causaram o dano, como você vê isso e os acordos fechados por ela?
O que acontece é que essa questão da Fundação Renova é tratada na Justiça Federal, então eu não atuei diretamente na formulação desse novo acordo de governança da fundação e nem poderia, são muitos órgãos atuando e não tenho como avaliar o que está sendo feito. Independentemente desse acordo, nós vamos continuar com os processos tramitando em Mariana, com as medidas adotadas aqui, com a ressalva de que a única cidade que os processos permaneceram na justiça estadual é aqui em Mariana, onde estamos muito perto, cobrando e fiscalizando de uma maneira mais próxima pra atender de forma adequada as vítimas.
Qual é o impacto que o Termo de Ajustamento de Conduta fechado pelo Ministério Público Federal terá nos acordos com os atingidos?
Não tem como avaliar como o TAC vai impactar os atingidos, por causa da especificidade da comarca de Mariana, que foi a única que permaneceu com os processos. De alguma forma tudo aqui passa por uma decisão judicial, pelo ministério público ou pelos atingidos, é um processo bastante desvinculado do que está acontecendo com o restante da Bacia do Rio Doce.