“A lógica da tributação das exportações de petróleo cru é aumentar a oferta para o mercado interno e assim estimular o refino do petróleo no Brasil, substituindo importações de derivados de petróleo por produção doméstica”, afirmou o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro.
“Como existe uma grande capacidade ociosa nas refinarias brasileiras então essa medida irá reduzir as importações, aumentando o saldo da balança comercial, e estimular a geração de empregos no setor de refino de petróleo”, acrescentou Oreiro, ao contestar o economista Samuel Pessoa que atacou a medida adotada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na semana passada de taxar em 9,2% as exportações do petróleo cru por um período de quatro meses.
Segue o artigo do economista Oreiro na íntegra.
SAMUEL PESSOA E O IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO SOBRE O PETRÓLEO
Por JOSÉ LUIS OREIRO*
Eu gosto de ler as colunas dominicais de Samuel Pessoa na Folha de São Paulo. Não porque concorde com elas, mas porque elas me dão uma visão bastante clara do pensamento liberal brasileiro e, dessa forma, uma fonte quase inesgotável de ideias sobre como combater o liberalismo no Brasil.
Na coluna publicada no domingo 05 de março de 2023, intitulada “Imposto sobre exportação de matérias-primas”, Samuel Pessoa faz menção a um artigo publicado na Economic History Review pelo historiador da USP Thales Zamberlan sobre os efeitos da tributação das exportações de algodão no Brasil no período 1800-1860. Segundo o estudo a imposição do imposto de exportação sobre algodão gerou uma queda acentuada das exportações brasileiras desse produto na primeira metade do século XIX, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos (na verdade no sul dos Estados Unidos onde prevalecia a monocultura escravista de exportação), onde ocorreu um elevado aumento das exportações de algodão para a Inglaterra (algo que certamente atuou no sentido de alongar a escravidão nos Estados Unidos por algumas décadas).
Samuel Pessoa comenta que devido à imposição do imposto de exportação, ocorreu um descasamento entre a produtividade da produção de algodão nos Estados Unidos e a produção de algodão no Brasil, o que teria inviabilizado a produção de algodão no Maranhão.
Esse artigo de Samuel Pessoa suscita uma série de questões que marcam claramente a diferença entre o pensamento liberal e o pensamento desenvolvimentista. Primeiramente a argumentação de Pessoa deixa explícita a ideia de que o imposto de exportação sobre algodão foi uma medida equivocada porque (i) reduziu as exportações de algodão e (ii) levou a um aumento do hiato de produtividade entre a produção de algodão nos Estados Unidos e a produção brasileira.
A redução das exportações de um produto primário pode ser um problema para países que enfrentam um desequilíbrio estrutural externo no Balanço de Pagamentos, como é o caso do Brasil ao longo da maior parte do período pós-independência. Trata-se aliás de um problema reconhecido por Raul Prebisch e pela Cepal, que desaconselhavam a introdução de medidas de política econômica que restringissem as exportações de produtos primários, pois as divisas geradas por essas exportações eram fundamentais para o financiamento do processo de industrialização por substituição de importações.
Já o aumento do hiato tecnológico intra-setorial (produção de algodão) não será um problema relevante se as restrições à exportação de produtos primários permitirem um aumento da oferta desses produtos no mercado interno, reduzindo assim seus preços e possibilitando a transformação desses produtos em bens manufaturados, os quais estarão disponíveis tanto para o mercado interno como para a exportação. Essa medida foi adotada pelo Rei Henrique VII da Inglaterra que ao assumir o trono em 1485 percebeu que:
“Quando, posteriormente, Henrique assumiu a chefia do seu reino que estava empobrecido, com vários anos de produção de lã hipotecados a banqueiros italianos , ele se lembrou se sua adolescência no continente. Na Borgonha, não só os produtores têxteis , mas também os padeiros e outros artesãos estavam abastados. A Inglaterra estava no negócio errado: o rei percebeu isso e definiu uma política para tornar a Inglaterra uma nação produtora de têxteis, não uma exportadora de matérias-primas”.
“Henrique VII criou um considerável arsenal de política econômica. Sua primeira e mais importante ferramenta eram as tarifas de exportação: os produtores de têxteis estrangeiros teriam de processar as matérias-primas mais caras que suas contrapartes inglesas. Aos fabricantes de lã recém-estabelecidos concediam-se isenção fiscal por certo período e monopólios em determinadas regiões. Também houve uma política para atrair artesãos e empreendedores do exterior, especialmente da Holanda e da Itália (…) Tal como Veneza e Holanda, a Inglaterra posicionou-se na situação de renda tripla: um setor comercial forte, monopólio sobre determinada matéria-prima (lã) e comércio ultra-marino” (Reinert, 2016, pp. 128-129).
Em resumo, Henrique VII intuiu que o desenvolvimento econômico não é o resultado de se fazer de maneira mais eficiente a mesma atividade econômica, mas decorre da mudança estrutural: deslocar recursos produtivos dos setores com menor valor adicionado per capita (a produção e exportação de lã) para os setores com maior valor adicionado per capita (a produção e exportação de produtos têxteis).
Isso posto, o resultado logicamente esperado da introdução de um imposto de exportação de matérias-primas é a redução das exportações das mesmas para incentivar a substituição de importações de produtos manufaturados por produção local, num primeiro momento, para na sequência, após aproveitadas as economias de aprendizado tecnológico, passar para a exportação de produtos manufaturados que utilizem como insumos as matérias-primas que antes eram exportadas. Esse é o verdadeiro caminho da Riqueza das Nações.
O objetivo do artigo de Pessoa foi atacar a surpreendente medida adotada pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na semana passada de criar um imposto de exportação sobre o petróleo cru. Ao criticar o imposto de exportação criado por Haddad, Pessoa curiosamente não utiliza o argumento desenvolvido na primeira parte do artigo mas faz referência a uma suposta quebra contratual com relação às petroleiras que entraram nos leilões de blocos de petróleo. Esse argumento me parece estapafúrdio: só haveria quebra de contratos se o governo brasileiro tivesse explicitamente se comprometido em manter as exportações de petróleo isentas de tributação. Não existindo essa restrição não se pode falar de quebra de contratos.
A lógica da tributação das exportações de petróleo cru é aumentar a oferta para o mercado interno e assim estimular o refino do petróleo no Brasil, substituindo importações de derivados de petróleo por produção doméstica. Como existe uma grande capacidade ociosa nas refinarias brasileiras então essa medida irá reduzir as importações, aumentando o saldo da balança comercial, e estimular a geração de empregos no setor de refino de petróleo. No final o Brasil irá adicionar valor ao petróleo produzido domesticamente, gerando uma massa maior de salários e lucros no mercado interno, a qual será gasta com a compra de produtos made in Brazil. Intencionalmente ou não o Ministro da Fazenda Fernando Haddad está adotando uma das políticas econômicas defendidas pela escola novo-desenvolvimentista Brasileira. Da minha parte só tenho que parabenizar o Ministro Fernando Haddad.
Referências
Reinert, E.S. (2016). “Como os países ricos ficaram ricos … e porque os países pobres continuam pobres”. Contraponto: Rio de Janeiro.
* JOSÉ LUIS OREIRO é Professor Associado do Departamento de Economia da UNB