“Uma drástica contração”: o Ocidente decidiu, por sua própria iniciativa, “que só seria ocidental quem aplicasse sanções à Rússia. São neste momento cerca de 21% dos países membros da ONU, o que não chega a ser 15% da população mundial”.
O sociólogo e escritor Boaventura de Sousa Santos, um dos mais lúcidos intelectuais portugueses, assinalou em recente artigo publicado no jornal Público que, a seguir à guerra da Ucrânia, “o Ocidente decidiu, por sua própria iniciativa, que só seria ocidental quem aplicasse sanções à Rússia. São neste momento cerca de 21% dos países membros da ONU, o que não chega a ser 15% da população mundial”. Ou seja, uma “drástica redução” do ‘tamanho’ do Ocidente.
Chegou a hora da verdade e o fato é que “as milhares de sanções à Rússia estão, por agora, a causar mais dano no mundo ocidental do que no espaço geopolítico que o Ocidente está a construir como não-ocidental”.
“A inflação e a recessão que se avizinham levam o CEO da JP Morgan, Jamie Dimon, a afirmar que se aproxima um furacão”, ele acrescenta.
Para dimensionar esse encolhimento, Boaventura recapitula que “na véspera da Primeira Guerra Mundial, cerca de 90% do globo terrestre era ocidental ou dominado pelo Ocidente: Europa, Rússia, as Américas, África, Oceânia e boa parte da Ásia (com parciais exceções do Japão e da China)”.
Foi a revolução Russa de 1917 que fez então o Ocidente começar a se contrair, o que se aprofundou com a emergência do bloco soviético e os movimentos de descolonização.
“Em meados do século passado, o Ocidente havia encolhido tanto que um conjunto de países recém-independentes tomou a decisão de não se alinhar nem com o Ocidente nem com o bloco que emergira como seu rival, o bloco soviético. Assim se criou, a partir de 1955-61, o Movimentos dos Não-Alinhados”.
Com o fim do bloco soviético sob Gorbatchev em 1991, ocorre o “momento de entusiástica expansão” do Ocidente. O que, segundo ele, acabou se revelando um “período histórico curto”.
Nesse meio tempo, o ‘Ocidente’, que começara por ser “cristianismo, colonialismo, passando a capitalismo e imperialismo”, tinha se metamorfoseado em “democracia, direitos humanos, descolonização, autodeterminação, ‘relações internacionais baseadas em regras’ [do Ocidente] e, finalmente em globalização”.
A história dos impérios, ele assinala, “mostra que a contração vai de par com declínio e que esse declínio é irreversível e implica muito sofrimento humano”.
Para o sociólogo, os estrategistas dos EUA – o país hegemônico do Ocidente – aparentemente se recusam a perceber essa “flagrante contração” e mostram uma “ambição ilimitada”.
“Com a mesma facilidade com que prevêem poder reduzir a Rússia (a maior potência nuclear) a uma ruína ou a um Estado vassalo, prevêem neutralizar a China (a caminho de ser a primeira economia mundial) e provocar em breve uma guerra em Taiwan (semelhante à da Ucrânia) com esse objetivo”.
Boaventura Santos também faz menção à aparente coesão em meio ao esgarçamento do Ocidente. Assim, a liderança da União Europeia, isto é a Comissão Europeia, tem sido nos últimos vinte anos “muito mais alinhada com os EUA que os países que integram a UE”.
Tal coesão, se é eficaz na produção de políticas, pode ser “desastrosa na gestão das consequências delas”, ele aponta. “A Europa é um espaço geopolítico que desde o século XVI vive dos recursos de outros países que direta ou indiretamente domina e a quem impõe a troca desigual”. Nada disso é possível – destaca – “quando o parceiro é os EUA”.
“Além disso, a coesão é feita de incoerências: afinal a Rússia é o país com um PIB inferior ao de muitos países da Europa ou é uma potência que quer invadir a Europa, uma ameaça global que só pode ser travada com o investimento que já ronda cerca de 10 bilhões de dólares em armas e segurança por parte dos EUA, num país distante do qual pouco restará se a guerra continuar por muito tempo?”.