
O ex-presidente da República condenou os acontecimentos do fatídico 8 de janeiro de 2023, quando os adeptos de Jair Bolsonaro vandalizaram os 3 poderes republicanos para criar um clima favorável a uma eventual intervenção militar
Do alto de seus 94 anos de idade e décadas de vida pública, o ex-presidente José Sarney ressaltou o papel das instituições, criadas com o restabelecimento democrático do País, que impediram um golpe de Estado e a instauração de uma nova ditadura.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, por ocasião dos 40 anos de sua posse, em 15 de março de 1985, em razão do adoecimento do presidente Tancredo Neves, que viria a falecer em 21 de abril do mesmo ano, Sarney condenou os acontecimentos do fatídico 8 de janeiro de 2023, quando os adeptos de Jair Bolsonaro vandalizaram os 3 poderes republicanos para criar um clima favorável a uma eventual intervenção militar, o que não ocorreu, até porque o alto mando das Forças Armadas, em sua maioria, já freara, no final de 2022 a tentativa de golpe obcecadamente buscada pelo então ocupante do Palácio do Planalto.
“Eu acho que esses acontecimentos foram extremamente danosos e, ao mesmo tempo, repugnados pelo povo brasileiro e todas as classes”, disse Sarney ao ser questionado sobre as acusações que pesam contra Jair Bolsonaro (PL) e outras 32 pessoas, todas indiciadas e sendo julgadas pelo Supremo Tribunal Federal por diversos crimes cometidos com a democracia e a Constituição brasileira.
“Mas temos a certeza que as instituições que foram criadas por nós durante a transição foram tão fortes —já atravessaram dois impeachments, uma tentativa de mudança do Estado de Direito no dia 8 de janeiro— que agora, livremente, nosso Supremo Tribunal Federal está julgando o que ele apurar que seja culpado”, completou.
Sarney, que já foi um apoiador da ditadura, no caso, aquela que se estendeu no país por 21 anos, sabe o que significa o cerceamento das liberdades democráticas para o exercício não apenas do voto popular, mas da defesa dos direitos da grande maioria da população brasileira.
A declaração do ex-presidente foi dada no início do evento “Democracia 40 anos: Conquistas, Dívidas e Desafios”, promovido pela Fundação Astrojildo Pereira e pelo partido Cidadania, em comemoração aos 40 anos de sua posse na Presidência da República, um marcado histórico na redemocratização do país.
O evento transcorre no Panteão da Pátria, em Brasília, construído ainda na gestão Sarney para homenagear os herois e heroínas do país. Participam lideranças políticas, ex-ministros e o ex-presidente do Uruguai Julio Maria Sanguinetti.
“[A transição democrática] Tem uma importância muito grande para o Brasil, para o povo brasileiro e faz parte da história brasileira porque é o maior período que o país passou usufruindo de um regime democrático sem nenhum hiato”, acrescentou o ex-presidente, que discursou por 20 minutos, quando lembrou do papel histórico de Tancredo Neves. “Eu não tinha o capital político dele. Ele foi preparado pela história”, sentenciou.
Sarney também destacou o papel dos militares na superação da ditadura e na construção democrática ao pontuar a liderança do general e ministro Leônidas Pires Gonçalves. Segundo o ex-presidente, Leônidas cumpriu muito bem a missão de definir com clareza o papel das Forças Armadas na defesa dos interesses nacionais. “Até hoje nós vemos que as Forças Armadas estão fiéis às instituições, como demonstraram nos episódios de 8 de janeiro”, assinalou.
O ex-presidente também fez menção às 12 mil greves que, segundo ele, ocorreram durante seu mandato, lembrando que seguiu os conselhos de aliados para lidar com a questão sempre através do diálogo e da conciliação.
A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, por intermédio de vídeo, participou da atividade, quando também defendeu o regime democrático e seu contínuo aperfeiçoamento, bem como a igualdade entre homens e mulheres na participação política e institucional.
“José Sarney, como grande democrata, com a possibilidade da Constituinte que veio em 1987 e 1988 a traduzir esse anseio por igualdade na população brasileira, é um grande exemplo para que a gente tenha instituições democráticas, dinâmica institucional igualmente democrática e uma sociedade que nos dê a garantia de que a igualdade não é apenas uma determinação constitucional, mas que seja apenas um sinal normal de respeito à vida de todas as pessoas”, afirmou.
Na entrevista, ele também disse se arrepender das críticas feitas ao presidente Juscelino Kubitschek (1957-1960), e lembrou aquele período que antecedeu sua posse.
“Eu não queria assumir a Presidência, queria esperar o Tancredo [que estava hospitalizado]. Houve a necessidade de assumir porque todos achavam, inclusive Ulysses e Tancredo, que, depois de uma luta tão grande para chegar àquele momento, se nós tivéssemos qualquer dúvida sobre quem assumiria, corríamos um risco grande de ter problema”, finalizou.