Para o especialista, “a Petrobrás, dentro do quadro de limitação legal, está dando uma resposta”. Ele destacou que a estabilidade “funcionou de 2003 a 2010”. “Mas ainda falta mudar a lei”, observou Ildo
O professor Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobrás, uma das maiores autoridades do país em energia e professor titular do Instituto de Energia da USP, afirmou, nesta terça-feira (16), em entrevista ao HP, que a nova política de preços, anunciada hoje pela nova direção da Petrobrás, é “uma espécie de retorno a 2003”. Para o especialista, “a Petrobrás, dentro do quadro de limitação legal, está dando uma resposta”.
O presidente da empresa, Jean Paul Prates, anunciou na manhã deste terça-feira (16) o fim da fatídica política de paridade de importação que, segundo ele, obrigava a Petrobrás a praticar os preços de seus concorrentes e importadores. Prates afirmou que essa política trouxe muitos prejuízos ao país e, principalmente, para os consumidores brasileiros de combustíveis.
A partir de agora, segundo Prates, a Petrobrás, ao abrasileirar e desdolarizar os preços da empresa, poderá formar seus preços, levando em conta os seus custos menores de produção. A decisão já permitiu a redução dos preços do diesel, gasolina e gás de cozinha, anunciada hoje pelo presidente da empresa.
Ildo Sauer explicou que “de 2003 em diante até 2010 os preços eram reajustados em patamares de prazo médio a longo, levando em conta o mercado internacional e o câmbio. Esses patamares ficavam às vezes acima e outras vezes abaixo da referência internacional, porém, com estabilidade”. Essa prática, segundo ele, “tinha uma base na teoria dos mercados contestáveis, do economista liberal William Baumol”.
“Afinal”, prosseguiu Ildo, “a lei de política energética de 6/8/1997, ainda em vigor, exige que os preços sejam competitivos e que a Petrobrás atue de forma concorrencial. Não pode praticar preços acima da referência de oportunidade nem abaixo, sob pena de abuso de poder de mercado ou de praticar dumping. De outro lado tem a vigilância da CVM, lei das SAs e da SEC dos EUA em nome dos acionistas”.
O professor do IEE-USP destacou que o uso da teoria dos mercados contestáveis serve muito bem aos planos da Petrobrás. Ele lembrou que a empresa já havia adotado esta teoria, por sugestão sua, e que esta referência sustentava a prática de preços em patamares. “E funcionou de 2003 a 2010”, observou.
“Não havia volatilidade e em média os preços refletiam os custos de oportunidade, considerando as referências de exportação, importação ou recursos alternativos”, acrescentou Sauer.
“O que importa mesmo agora”, destacou o professor do IEE-USP, “será a aplicação do conceito anunciado. E evitar problemas com CADE, CVM e SEC americana”. Ele chamou a atenção para a necessária revisão da lei de política energética. “É necessário definir de forma justa a repartição da riqueza do petróleo entre a população, os consumidores e os acionistas”, afirmou. “Isso é função do Governo e do Congresso e não das empresas como a Petrobrás”, completou. Confira entrevista completa!
S.C.
ENTREVISTA
HORA DO POVO: Como avalia o anúncio de mudança na política de preços da Petrobrás, anunciada nesta terça-feira?
ILDO SAUER: Dentro do quadro de limitação legal, a Petrobrás está dando uma resposta. A nova política de preços anunciada hoje pela Petrobrás é uma espécie de retorno a 2003. Isso vai gerar muito mais recursos para o interesse público, e vai manter a eficiência econômica, inovação tecnológica e garantir os financiamentos necessários para os investimentos.
Há, porém, que se aguardar a prática, porque, apesar da execução da política de preços ter ficado a cargo da diretoria executiva da empresa, o Conselho de Administração aprovou uma diretriz em 2022 que ainda mantém referências nos preços internacionais, mesmo que com patamares de duração mais longa.
HP: Essa nova política não é contrária às leis de mercado?
ILDO SAUER: Essa prática tinha uma base na teoria dos mercados contestáveis, de William Baumol, um economista liberal. De 2003 em diante até 2010 os preços eram reajustados em patamares de prazo médio a longo, levando em conta o mercado internacional e o câmbio. Esses patamares ficavam as vezes acima e outras vezes abaixo da referência internacional, porém com estabilidade. Não havia volatilidade e em média os preços refletiam os custos de oportunidade, considerando as referências de exportação, importação ou recursos alternativos.
HP: Essa nova política poderá ser contestada pelos órgãos de “fiscalização” do mercado?
ILDO SAUER: A lei de política energética de 6/8/1997 ainda está em vigor. Ela exige que os preços sejam competitivos e que a Petrobrás atue de forma concorrencial. Não pode praticar preços acima da referência de oportunidade nem abaixo, sob pena de abuso de poder de mercado ou de praticar dumping. De outro lado tem a vigilância da CVM lei das SAs e da SEC dos EUA em nome dos acionistas. O que deverá ser feito é a aplicação do conceito anunciado. E evitar os problemas com CADE, CVM e SEC americana.
HP: Na sua opinião, os preços ficarão mais estáveis?
ILDO SAUER: A Petrobrás já havia adotado esta teoria, por sugestão minha. E essa referência na teoria dos mercados contestáveis, de William Baumol, sustentava a prática de preços em patamares. E funcionou de 2003 a 2010. Não havia volatilidade e em média os preços refletiam os custos de oportunidade, considerando as referências de exportação, importação ou recursos alternativos.
Nós fizemos este equilíbrio de 2003 a 2010. Ajustes em patamares. Cumprimos a lei e as normas. Lei 9478 de 6/8/1997, Lei das SAs de 1976, Normas do CADE, Normas da CVM e da SEC dos EUA. Com estabilidade. E os dividendos eram distribuídos conforme a lei (mínimo de 25%), grande parte dos lucros ia para o fundo de reserva, para investimentos.
Ajustamos em patamares, com intervalos longos, sempre que uma nova realidade estava claramente cristalizada. Assim cumprimos as normas, sem volatilidade. Mesmo assim eu sempre propus a mudança da política energética, por lei, para distribuir de forma justa e equilibrada a riqueza do petróleo para a população, reduzir assimetrias e resgatar carências, consumidores e retorno adequado para os acionistas.
A Petrobrás está voltando a fazer o possível dentro dos limites legais e normativos, me parece. Como fizemos em 2003.
Mas, em minha opinião, isso ainda substancialmente vai favorecer direta ou indiretamente os acionistas: 44% dos fundos estrangeiros (20% em NY), 18% dos privados brasileiros, 10% do BNDES e 28% do governo.
É preciso dar mais recursos dessa riqueza para população, dona do petróleo segundo a Constituição (bem da União), beneficiar os consumidores, incluindo o sistema econômico, para aumentar a competitividad, e manter retorno compensador aos acionistas.
HP: A Petrobrás podia fazer mais na sua opinião?
ILDO SAUER: É necessário definir de forma justa a repartição da riqueza do petróleo entre a população, os consumidores e os acionistas. Mas, isso é função do Governo e do Congresso e não das empresas como a Petrobrás.
O caminho mais rápido é imposto de exportação sobre petróleo e derivados, com compensação de gap de importação de derivados, enquanto não for ampliada a capacidade de refino. Mantém mecanismos de mercado, gera excedente econômico (renda petroleira para interesse público), reduz o preço de referência interno.
O mais eficiente seria contratar diretamente com a Petrobras toda produção de petróleo brasileiro, o que permite coordenação com a OPEP, para manter o preço elevado e, assim, a renda petroleira. Canadá e Brasil são excrescências econômicas: exportadores relevantes, que não aderiram, mas se beneficiam da atuação da OPEP
Eu proponho a contratação direta da Petrobrás para produzir o petróleo em contrato de serviços, permitido pela lei da partilha. Há muito a mudar no Brasil em termos de petróleo e energia em geral para melhorar e desenvolver o país, livrando-o das chantagens dos especuladores improdutivos.
HP: Há setores do mercado falando em falta de transparência da Petrobrás. Que acha disto?
ILDO SAUER: Transparência? Como? A Petrobrás tem que atuar como empresa de mercado, concorrencial e competitiva, cumprindo as normas e leis, praticadas e interpretadas segundo o interesse estratégico. Não apenas no interesse exclusivo dos acionistas, que estão exaurindo a riqueza gerada. Fazem pressão para extrair até a última gota. E cadê a transparência da Shell, da Total, da Repsol, da Equinor, da ACELEN (Refinaria da Bahia) da REMAN de Manaus? Retórica para pressionar.
Por isso, ressalto. Fizemos algo assim (não sei como vão fazer agora…) em 2003. Eu propus o conceito da Teoria dos Mercados Contestáveis, que diz que o mercado é competitivo e eficiente sempre que exista potencial concorrência, por exemplo, pelo fato do mercado ser livre, aberto, sujeito à importação, instalação de refinarias, etc. etc.