O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professor do Instituto de Física da UFRJ, Ildeu de Castro Moreira destaca que a recomposição do acervo do Museu Nacional deve passar pela repatriação de peças coletadas no Brasil por naturalistas estrangeiros.
“O Ministério das Relações Exteriores deveria ter uma atuação forte nesse sentido. Doações são bem-vindas, mas o Brasil deveria lutar pelo o que é seu de direito também”, destaca o presidente da SBPC, que é especialista em história da ciência no Brasil.
Segundo o cientista, existem milhares de espécies de plantas, animais e fósseis brasileiros em museus no exterior. Muitas coleções são superiores inclusive a algumas das destruídas pelo fogo.
“É o caso, por exemplo, das coleções reunidas pelos naturalistas alemães Carl von Martius e Johann Baptist von Spix. Eles chegaram ao Brasil na comitiva da então princesa Leopoldina e de 1817 a 1820, exploraram do Rio de Janeiro à Amazônia. O trabalho dos dois está na base do conhecimento sobre a biodiversidade brasileira. É de Martius a obra fundadora de nossa botânica, a ‘Flora Brasiliensis’. Hoje, milhares espécimes de Martius estão, principalmente, na Coleção Botânica Nacional, em Munique, na Alemanha, e no Jardim Botânico Nacional da Bélgica”, exemplificou Ildeu de Castro.
Segundo ele, falta no Brasil uma política nacional de patrimônio e que a tragédia do Museu Nacional foi o desfecho trágico da negligência histórica das instituições brasileiras com a memória e produção científica nacional.
“A verdade é que o país nunca valorizou como deveria seu patrimônio. Temos que reconhecer que a própria UFRJ não dava e nunca deu a devida importância não apenas ao museu, mas a outras coleções importantes que possui. O museu nunca foi prioridade, em instância alguma. Não deve ser visto como feudo deste ou daquele ministério, mas como um bem comum”, frisou.
RISCOS
O diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, que assumiu a direção da instituição em abril, contou que a luta é para retomar os trabalhos e evitar o fechamento total. “O luto está com a gente, ficará eternamente com a gente, mas temos de trabalhar. Quero montar uma exposição já, o mais rápido possível, para mostrar que o museu está vivo. Mas precisamos da ajuda do governo ou vamos fechar as portas de vez”, disse.
A SBPC, a ABC e dezenas de entidades científicas do País divulgaram manifesto em defesa do Museu Nacional e do patrimônio cultural e científico do País. Para salvá-los “são necessárias medidas concretas e o estabelecimento efetivo de políticas públicas”.
“Como se já não bastasse a ameaça para o futuro da nação associada aos severos cortes orçamentários, que têm afetado o desenvolvimento científico e tecnológico do país, agora esvai-se a memória do passado, matéria prima essencial para a construção da identidade nacional”, afirmou o manifesto.
“A morte do Museu Nacional tem um significado simbólico que vai além dessa imensa perda para a cultura brasileira. Pois outros ativos também estão perecendo: com muita preocupação acompanhamos a desindustrialização do país, (…) o sucateamento de laboratórios de pesquisa de universidades e de outras instituições de ciência e tecnologia (…), fruto de uma política econômica que ignora o papel essencial da ciência, da educação, da cultura e da inovação no desenvolvimento de um país. Que trata recursos para C&T como gastos, e não como investimentos com alto poder de retorno, que contribuem para aumentar o PIB”, aponta o manifesto.