Escandalizado pelo anúncio de Bolsonaro de que pretende nomear seu filho, Eduardo Bolsonaro, para a embaixada do Brasil nos EUA, o deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ), que é diplomata, declarou:
“A indicação vai contra exatamente o que o presidente Jair Bolsonaro pregava durante a campanha. Ele dizia que as escolhas para cargos públicos seriam escolhas técnicas, baseadas na meritocracia, e ele está adotando práticas aí da velha política. Porque nós precisamos chamar as coisas que elas são. É um caso claro de nepotismo”.
Com certeza. Agora, se o filho de Bolsonaro fosse um gênio, com reputação ilibada, caráter sem jaça e serviços prestados ao país, ninguém estaria discutindo tal questão.
O nepotismo está em que a única credencial para que Eduardo Bolsonaro seja indicado para embaixador nos EUA, consiste em ser filho de Jair Bolsonaro, que ocupa, temporariamente, o cargo de presidente da República. A credencial consiste em que o sujeito que o indica é seu pai, que somente o indicou porque é seu filho.
Por isso, é uma afronta ao país a declaração de Bolsonaro (pai):
“O que nós queremos no fundo? Que nossos filhos sejam melhores do que nós. É isso que eu quero. O garoto fala inglês, fala espanhol, tem uma vivência no mundo todo, é amigo da família do presidente Donald Trump e existe esta possibilidade. Não é nepotismo, eu jamais faria isso.”
Em suma, a embaixada em Washington é um bem da família Bolsonaro para que os filhos subam na vida. O nome disso é, precisamente, nepotismo.
Sobretudo quando é um sujeito tão medíocre, tão estúpido, tão serviçal, que é capaz de defender o fim do visto para que norte-americanos entrem no Brasil, mas que os EUA não devem fazer a mesma coisa porque, senão, os brasileiros invadiriam os EUA, e, aí, “um brasileiro que vai para o exterior e comete qualquer tipo de delito, eu sinto vergonha”.
Resumidamente, os brasileiros são bandidos que precisam de contenção para não prejudicarem os EUA com seus delitos. Já os norte-americanos, são todos honestos, interessados apenas em fazer bem ao Brasil.
Bolsonaro, evidentemente, acha a mesma coisa – os filhos são, para ele, uma espécie de extensão. E por isso quer, como embaixador, o filho nos EUA. Já que não pode ser ele mesmo…
Como disse o embaixador Marcos Azambuja, que foi Secretário-Geral do Itamaraty:
“Nas grandes repúblicas ocidentais modernas, não há uma sucessão dinástica, por vínculo de família ou sangue. As escolhas normalmente são meritocráticas e, nesse caso, haverá um pouco a surpresa de que a primeira atividade no exterior desse agente seja representar o Brasil junto ao nosso maior sócio parceiro”.
Realmente, seria uma surpresa se ele representasse o Brasil – mas desse susto não morreremos.
A propósito, uma correção, sobre o que disse Bolsonaro: não é verdade que seu filho “fale inglês”. O que ele arranha em outra língua (existem vários vídeos pela Internet) não é, propriamente, inglês, embora, às vezes, até seja parecido. Mas em qualquer filial do Yazigi (para não falar da Cultura Inglesa ou do IBEU) existem dezenas de garotos que falam, realmente, inglês. E nem por isso eles são candidatos a embaixador nos EUA.
O espantoso é que nem isso – aprender inglês, algo tão excessivamente comum no Brasil – o filho de Bolsonaro aprendeu a fazer direito.
Fora isso, de acordo com Bolsonaro, ele seria amigo dos filhos do Trump, o que é uma péssima recomendação (ele vai representar o Brasil ou ser playboy em Washington? A pergunta, leitor, é meramente retórica, pois a resposta é óbvia).
O próprio Eduardo Bolsonaro acrescentou outra credencial, a de ter fritado hambúrgueres no Maine, estado dos EUA fronteiriço ao Canadá.
Ah, sim, quase nos esquecemos: existe a vida pública de Eduardo Bolsonaro. Ou o leitor está pensando que ele sempre viveu de votos alheios, isto é, dos votos do pai, com que se elegeu deputado?
Não, leitor. Eduardo Bolsonaro já foi, uma vez, aprovado em um concurso público: para escrivão de polícia.
Foi o único concurso em que foi aprovado, mas qual a diferença disso para o Instituto Rio Branco, que forma os diplomatas brasileiros?
E não estamos, aqui, subestimando a laboriosa categoria dos escrivães de polícia. Apenas, nenhum deles teve a mesma chance de ser embaixador nos EUA porque é filho de alguém que pode indicá-los para o cargo.
Por isso, disse o embaixador Rubens Ricupero – que já foi, entre outras muitas coisas, titular do posto nos EUA – que “trata-se de medida sem precedentes em nossa tradição diplomática e na história diplomática de países civilizados e democráticos. Pelo motivo óbvio de que, num caso como de um filho representando o próprio pai, haveria maior possibilidade de que as ações do embaixador visassem a interesses pessoais e de família, não os interesses do país”.
Os interesses do país, os interesses nacionais, realmente, não existem para Bolsonaro. Ou, para ser exato, são esses interesses que têm de ser destruídos, ou, para ser ainda mais exato, é a nação que tem de ser destruída.
Bolsonaro não está tentando colocar seu filho nos EUA para defender os interesses brasileiros.
Pelo contrário, está colocando-o lá para defender os interesses da família Bolsonaro – que, na sua opinião, consistem em bajular Trump e outros anormais (se o leitor estranhou essa palavra, por favor, v. Epstein, pedófilo do círculo de Trump, pode pegar 45 anos de cadeia e Ministro de Trump que protegeu pedófilo bilionário cai do governo).
Ou seja, são interesses antinacionais.
O Itamaraty sempre foi, desde a época do Barão do Rio Branco, no alvorecer da República, o mais preparado de nossos Ministérios – foi, inclusive, durante a ditadura, uma espécie de luz nas trevas do governo, mesmo depois das perseguições que afastaram tantos diplomatas que eram homens de cultura e de ciência.
O preparo do corpo de diplomatas do Itamaraty era, evidentemente, para defender os interesses do país, até porque, para ser contra eles não é preciso grande preparo.
Com Bolsonaro, colocou-se um maluco – desses que querem voltar à Idade Média – no Ministério. Um sujeito tão servil que aceitou ficar em um corredor da Casa Branca, enquanto Bolsonaro levava seu filho, o mesmo Eduardo, para seu encontro com Trump.
Porém, o que importa a Bolsonaro, como acontece em geral com os mafiosos, é usar o que é público como se fosse da família (e que família!).
Para que nomear uma mediocridade para a embaixada em Washington?
Porque é seu filho, pombas! E quem falar em nepotismo eu dou um pau!
Reconheceram o refinado estilo, leitores?
C.L.
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