“Pesquisadores vão continuar divulgando os dados do Inpe. Eles não aceitam a pressão de cima”, diz o cientista, ex-diretor do Inpe
O ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, disse que a demissão da coordenadora-geral de Observação da Terra, Lubia Vinhas, logo depois da divulgação de dados que mostram o aumento do desmatamento da Amazônia, “levanta suspeitas” de que “havia algum interesse em esconder dados ou proibir a divulgação”.
“Se a intenção foi coibir a divulgação de dados sobre o desmatamento na Amazônia, eles não vão ter êxito nenhum”, garantiu Galvão em entrevista ao HP.
“Essa Coordenação dirigida pela professora Lubia tem um grande número de pesquisadores que continuam trabalhando e produzindo os dados. Pessoas todas com doutoramento. Eles não aceitam a pressão de cima. Eles vão continuar divulgando os dados”, garantiu.
“Se o governo forçar qualquer mudança nesse sentido, a consequência será muito séria para a instituição e para o país”, acrescentou.
A exoneração de Lubia aconteceu depois da divulgação dos dados que mostram que o desmatamento da Amazônia de janeiro a junho de 2020 foi 25% superior ao do mesmo período em 2019, chegando a 3.069,57 km² desmatados.
Somente em junho, o sistema Deter, do Inpe, alertou para o desmatamento em 1.034,4 km². Em relação ao mesmo mês de 2019, o desmatamento cresceu 10,65% e foi o maior dos últimos cinco anos.
Como coordenadora-geral de Observação da Terra, Lubia era responsável pelo monitoramento do sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter).
“Eu não posso saber o motivo real, isso é difícil. O próprio ministro de Ciência e Tecnologia argumenta que isso foi uma reestruturação interna, mas eu considero essa explicação uma coisa inverossímil”, continuou Ricardo Galvão.
“Nunca foi do Inpe exonerar uma coordenadora sem uma discussão interna dos órgãos colegiados, inclusive com a própria pessoa sabendo. A professora Lubia foi saber ontem através do Diário da União”.
Galvão explicou que “o Inpe está em um processo de escolha do novo diretor”, o que deve acontecer dentro de três meses. “Então, por que fazer agora essa reestruturação interna e exonerar pessoas? Na minha opinião, é uma justificativa que não é crível”.
Segundo Galvão, em uma instituição científica como o Inpe, as decisões como admissões e demissões devem passar por um grande número de pessoas e órgãos, e não de forma impensada.
“A Dra. Lubia foi escolhida na minha gestão por um comitê de busca com pessoas externas. Com uma Coordenação de Observação da Terra, como tem o Inpe, em que é importantíssima a questão de monitoramento de desmatamento e queimada, o que tem grande repercussão nacional e internacional, não se pode tomar uma medida dessa sem pensar”.
“Nós temos na direção do Inpe um coronel da reserva que acha que pode tomar uma decisão e não pensar muito, só do ponto de vista organizacional. Em uma instituição de pesquisa isso não é feito. Não se escolhem coordenadores e chefes desse jeito”.
Ricardo Galvão foi exonerado pelo governo Bolsonaro em agosto de 2019, logo após a divulgação de que o número de queimadas na Amazônia chegava a ser três vezes maior do que os de 2018.
A demissão de Lubia Vinha do Inpe foi repudiada dentro e fora do país.
PRESSÕES
Um grupo de 38 empresários e 4 instituições dos setores da indústria, agrícola e de serviços enviaram uma carta para o governo alertando para “o impacto nos negócios da atual percepção negativa da imagem do Brasil no exterior em relação às questões socioambientais na Amazônia”.
Outro documento, feito por ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central, afirma que “o prejuízo do desmatamento tem levado diversos parceiros comerciais importantes do Brasil a expressarem veementemente seu descontentamento e preocupação, que certamente se traduzirão em menores fluxos de comércio e investimentos no país”.
O ex-diretor do Inpe, Ricardo Galvão, lembrou que já tinha alertado, quando foi demitido pelo governo Bolsonaro, “que iria haver consequências enormes se eles não mudassem a política ambiental. Primeiro quanto à agroindústria e depois com a questão de investimento”.
“Esse governo está mostrando um desconhecimento total sobre como está a situação mundial. A preocupação com desenvolvimento sustentável e com a preservação do meio ambiente agora passa por toda a questão econômica. É algo que está sendo discutido em todos os países”, afirmou.
“O que acontece – e o governo não entende – é que as carteiras de investimento de fundos são de fundos e associações e os que colocam dinheiro nelas estão exigindo o desenvolvimento sustentável”.
Para ele, “não é possível mais que o governo se mantenha de olhos fechados. Eu estou muito satisfeito, aliás, com essa pressão porque é quando mexe no bolso que o governo vai ter que reagir”.
O CIENTISTA
Ricardo Magnus Osório Galvão é físico e engenheiro, professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). É membro da Academia Brasileira de Ciências. Ele foi diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). No ano passado, a revista científica Nature o listou como o primeiro das dez pessoas mais importantes para a ciência em 2019.
PEDRO BIANCO
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