Para o coronel norte-americano Daniel Davis, Kiev “não será capaz de empurrar os militares russos para fora dos territórios por eles ocupados” e deve recuar às “batalhas posicionais ao longo da linha de contato”
O tenente-coronel norte-americano, Daniel Davis, assinalou em artigo na publicação 19FortyFive que, diante do fiasco do início da contraofensiva ucraniana, “se Zelensky não gerir a situação volátil muito habilmente durante o resto do ano, ele pode perder a guerra”.
Militar da reserva, que já atuou no Pentágono, atualmente editor da 19FortyFive, ele acrescentou ser seguro dizer que o regime de Kiev “não será capaz de empurrar os militares russos dos territórios ocupados”, no artigo intitulado “Chances de vitória da Ucrânia em 2023 são extremamente pequenas”.
Davis se chocou com as “manchetes recentes na mídia ocidental e citações de generais americanos aposentados” de que estaria “indo bem” a tão esperada contraofensiva da Ucrânia. “A fria realidade militar, no entanto, é o oposto”, acrescentou, se referindo aos reveses ucranianos e aos tanques ardendo sem ultrapassar sequer a primeira das três linhas de defesa russas.
Entre esses “otimistas”, ele destacou o general de quatro estrelas aposentado e ex-diretor da CIA, David Petraeus, que justificou tal opinião ao Deutsche Welle da Alemanha no segundo dia da ofensiva ucraniana. “Primeiro, porque as Forças Armadas Ucranianas (UAF) serão equipadas com grande quantidade de equipamentos e treinamento da OTAN” e, segundo, os russos “não estão bem treinados, não estão bem equipados e não estão bem liderados”.
Para Davis, seria mais realista um curso diplomático e político que começasse a estabelecer as bases agora para encontrar um acordo negociado nos melhores termos possíveis e para isso ele sugere que se comece a preparar a opinião pública.
“O perigo em se recusar a tomar tal ação, no entanto, é que, continuando a lutar quando os fundamentos estão tão firmemente dispostos contra Kiev […] pode deixar a Ucrânia sujeita a uma perda de campo de batalha de tal gravidade que eles percam ainda mais território do que atualmente”, observou.
Para o tenente-coronel norte-americano, não é crível que a Ucrânia possa em duas semanas se mover para a linha principal da defesa russa, e com as fortificações defensivas mais difíceis ainda por vir.
“Primeiro, Rússia teve nove meses para preparar algumas áreas dos cinturões defensivos […]. Segundo, como esta guerra tem mostrado rotineiramente, atacar é muito mais complexo do que defender. Em terceiro lugar, a Rússia tem uma série de vantagens militares críticas sobre a Ucrânia que são quase impossíveis de superar”, apontou o autor.
No caso, superioridade no ar, na guerra eletrônica e no número de equipamentos e projéteis. E, acima de tudo, “milhões de homens a mais de quem extrair substitutos e uma capacidade industrial militar em pleno funcionamento para manter as armas de guerra rolando indefinidamente”.
COMEÇO DESASTROSO
A ofensiva “teve um começo desastroso”, destacou Davis. O militar norte-americano assinala que, historicamente falando, “obter ganhos importantes nas primeiras 24 a 48 horas de uma grande invasão ou ofensiva é essencial para o sucesso”.
Ele lembrou que Eisenhower acreditava que, para o sucesso da famosa invasão da Europa na Normandia em 1944, os Aliados deveriam ter penetrado além das praias de desembarque em 24 horas. O general Douglas MacArthur precisou de quatro dias para tomar a base aérea de Kimpo em apoio ao famoso Inchon Landing em setembro de 1950, durante a invasão norte-americana à Coreia.
Davis fez um esforço para esclarecer qual era possivelmente o plano geral da Ucrânia: lançar uma série de ataques diversivos ao longo da frente de 1.000 quilômetros para enganar a Rússia e fazê-la acreditar que o esforço principal estaria centrado na direção de Zaporozhia.
A intenção de Kiev – para ele – era penetrar nas primeiras linhas de defesa da Rússia ao sul do ponto de partida de Orikiv para tomar a cidade de Tokmak cerca de 25 quilômetros ao sul. Eles então seguiriam para Berdyansk ou Melitipol, na costa do Mar de Azov, para cortar o exército russo pela metade.
“Após 15 dias de combates nos quais sofreu pesadas baixas, a Ucrânia ainda não alcançou nem mesmo o primeiro cinturão das principais áreas de defesa da Rússia. As razões para os fracassos da Ucrânia são claras, sistêmicas e preocupantes”.
Davis disse ainda que o próprio chefe do Estado-Maior Conjunto norte-americano, general Mark Milley, admitiu há “várias centenas de milhares de soldados russos entrincheirados em posições preparadas ao longo da linha de frente” na Ucrânia.
VULNERÁVEIS
“Se Kiev se recusar a reconhecer seu progresso insuficiente nesta ofensiva e a reconhecer as razões fundamentais pelas quais o sucesso futuro é improvável, eles podem perder a maior parte de seu poder de ataque ofensivo e se tornar vulneráveis a um contra-ataque russo”, advertiu.
Ele apontou ainda que, na melhor das hipóteses, o regime de Kiev levaria “mais nove a 12 meses para reconstruir uma força de capacidade semelhante àquela que passou os últimos nove meses reunindo”. Davis sublinhou que seria “imprudente” contar com o fato de a Rússia não ter uma grande força de ataque com a qual pudesse lançar um grande contra-ataque. “Se Putin tiver tropas suficientes e Zelensky sacrificar seu potencial ofensivo com a operação atual, a Ucrânia pode enfrentar uma ofensiva russa neste verão, à qual Kiev pode não ter capacidade de resistir”.
Concluindo, Davis avaliou que, dada a ineficácia da contraofensiva das tropas ucranianas até hoje e os princípios básicos que ainda prevalecem em todo o front, o curso de ação mais sensato para Kiev seria suspender a ofensiva, fortificar linhas de defesa e ir para batalhas posicionais ao longo da linha de contato.