A gênia pegou supostos “resultados” da Previdência para os próximos 43 anos, e, especialista em astrologia que é, achou o “déficit” que queria. Depois, dividiu pelo número de crianças e jovens que existem hoje no Brasil. Chegou à conclusão de que cada criança e jovem está devendo R$ 110 mil. E isso ainda é manchete de certos jornais…
Depois de nossa última edição, no ataque à Previdência houve mais uma fraude – dessa vez um escândalo imoral, perpetrado pela secretária do Tesouro, intitulado “Aspectos Fiscais da Seguridade Social no Brasil”, com trechos, martelados pela mídia, como o seguinte:
“… estima-se que somente a União possua um déficit atuarial previdenciário de R$ 9,23 trilhões (…) … se fosse dividido igualmente pela geração mais nova brasileira (…) representaria uma dívida atual de R$ 110.274,79 por jovem ou criança brasileira” (cf. STN, “Aspectos Fiscais da Seguridade Social no Brasil”, p. 2, grifos nossos).
“Estima-se”? Como “estima-se”? O déficit existe ou não existe?
Se fosse verdade, a Previdência teria um déficit de 147% do PIB, ou seja, 147% da soma do valor de todas as mercadorias e serviços dentro do Brasil no ano.
Nem o Meirelles conseguiu, até agora, dizer um negócio desses – e olha que o Meirelles tem muita dificuldade em limitar suas próprias mentiras.
Mas, como é que o suposto déficit federal da Previdência pode estar em 147% do PIB, se a própria secretária do Tesouro, em outro trecho do mesmo papelucho (não chega nem à pretensão de “estudo”) diz que o suposto déficit atual da Previdência é “2,8% do PIB”?
Como então, a secretária do Tesouro inventou um déficit de R$ 9,23 trilhões?
A resposta está em uma nota minúscula, que quase nos passou desapercebida:
“O cálculo do déficit atuarial do RGPS [Regime Geral da Previdência Social] foi inferido utilizando-se uma taxa de desconto real de 6% sobre os resultados previdenciários de 2018 a 2060 (…). Esses valores seriam maiores caso se adotasse um horizonte temporal de 75 anos, como no caso do RPPS [Regime Próprio da Previdência dos Servidores]” (grifo nosso).
Realmente, se eles adotassem um “horizonte temporal” de 500 anos, aí, então, os valores seriam incomensuráveis…
Em suma, os R$ 9,23 trilhões são uma “projeção” inteiramente arbitrária sobre os próximos 43 anos, apresentada como se fosse uma probabilidade (daí o adjetivo “atuarial”, após a palavra “déficit”), mas sem que se diga claramente tanto uma quanto a outra coisa.
Mas na hora de dividir esses R$ 9,23 trilhões pela população de crianças e jovens (por que só as crianças e jovens?), a secretária escolheu a população atual – e NÃO a população de daqui a 43 anos, até porque ela não sabe qual é (mas ela também não sabe qual vai ser a receita e a despesa da Previdência daqui a 43 anos. No entanto…).
O déficit de 147% do PIB é, portanto, uma construção mentirosa. Os R$ 110 mil que cada jovem ou criança teria como dívida, por conta desse déficit, já é um caso para o Código Penal – estelionato, falsificação ou “falsidade ideológica”.
Porém, vejamos mais um pouco esse caso policial, de uma estupidez, e crime, de tal ordem – e que nem por isso deixou de merecer manchetes de jornais e gritos de senhoras histéricas na TV, afetando susto com tamanha “dívida”…
A quem as crianças e jovens devem R$ 110 mil? Se alguém descobrir, propomos que eles não paguem. Simplesmente porque não devem nada – pelo menos, nada desses R$ 110 mil.
Desde quando dividir um suposto déficit pelo número de pessoas de uma faixa etária da população (até 25 anos) quer dizer que elas devem alguma coisa?
Desde quando o Estado, o Tesouro, o crédito público e a economia, que são – ou deveriam ser – propriedade dos brasileiros, deixaram de existir?
Certamente, apenas desde que essas bestas quadradas neoliberais pretenderam que o Estado, o Tesouro, a economia e o crédito público sejam propriedade monopolista do setor financeiro.
Mas, se esse déficit fosse verdadeiro, a solução seria cobrar de cada jovem ou criança uma parcela dele?
Se não é assim, para que serve esse “cálculo”?
É assim que a secretária do Tesouro acha que as contas públicas devem ser geridas, através de uma vaquinha compulsória em cima da população mais jovem – e até das crianças?
É possível uma burrice tão grande, uma imbecilidade maior?
De 2005 a 2016, as despesas com benefícios previdenciários foram R$ 3,5 trilhões contra uma receita, da Seguridade, de R$ 6 trilhões. Se acrescentarmos as despesas da Saúde e da Assistência Social nessa conta, o total da despesa chegaria a R$ 5,5 bilhões. Houve um superávit, em 11 anos, de R$ 500 bilhões (cf. ANFIP, Análise da Seguridade Social 2016, out./2017, pp. 186-187).
Portanto, os “2,8% do PIB” de déficit são também uma invenção.
Resta saber porque esses elementos chegaram ao absurdo (9 trilhões e 230 bilhões de reais é algo alucinado até para uma casca grossa neoliberal), em geral, sinal de desespero.
Disse o vice-presidente da Câmara, deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), na quarta-feira, que “nem se fosse mágico ou trouxesse o Papa Francisco para cá, [Temer] não conseguiria reunir quórum para aprovar a reforma da Previdência”.
E, continuou Ramalho, se aparecer um Gargamel capaz dessa mágica, nem por isso o ataque de Meirelles e Temer às aposentadorias seria aprovado: “terá mais votos contrários do que a favor”, disse ele.
Outro deputado, também da base governista, declarou: “não adianta dar ministério, dar banco, que não muda voto. Se a gente der a reforma da Previdência para o Temer, ele leva nosso mandato”.
Não sabemos até que ponto são precisas as avaliações desses parlamentares. Mas é fato que nenhum deles tem qualquer laivo oposicionista. Apenas demonstram o bom senso de não querer dar coices no Inferno, após votar algo que é repudiado pelo país inteiro.
Na quarta-feira, o IBGE, através da PNAD Contínua, publicou uma atualização da distribuição de renda da população, em relação aos dados do Censo de 2010, a que nos referimos em nosso artigo sobre o infame relatório do Banco Mundial.
Mostra o IBGE que, em 2016, 90% da população brasileira ganhava de zero a R$ 3.256.
80% da população recebia até R$ 2.203.
70% da população ganhava até R$ 1.703 (ou seja, 70% da população não consegue nem chegar a dois salários mínimos de rendimento mensal).
Além disso, 40% da população nem mesmo conseguia chegar a um salário mínimo mensal.
Pois é neste país que esses canalhas querem deixar o povo sem aposentadoria.
São os pobres – isto é, o povo – que eles pretendem deixar mais pobres, mais desassistidos, mais sem segurança.
E querem fazer isso, se apropriando, tomando, roubando, o dinheiro de nossa gente.
Querem nos roubar para deixar ainda mais ricos os assaltantes do dinheiro público, os ratos e baratas que engordam com a fome, com a miséria de dezenas de milhões.
Mas não vão conseguir.
CARLOS LOPES