“Você tem que respeitar a Constituição”, afirmou Henrique Pires
O secretário especial de Cultura no Ministério da Cidadania, Henrique Pires, deixou o cargo após Bolsonaro anunciar censuras no financiamento da Agência Nacional de Cinema (Ancine). “Eu não vou chancelar censura”, disse.
Durante sua transmissão ao vivo nas redes sociais, Jair Bolsonaro afirmou que iria cancelar todo o financiamento para produções audiovisuais com tema LGBT e citou projetos que estavam participando de editais do governo.
“Isso é a gota d’água, porque vem acontecendo. E tenho sido a voz dissonante interna”, disse Henrique Pires. “Eu tenho o maior respeito pelo senhor presidente da República, tenho o maior respeito pelo ministro, mas não vou chancelar censura”, ressaltou.
“Eu não concordo com a colocação de filtros em qualquer tipo de atividade cultural. Não concordo como cidadão e não concordo como agente público. Você tem que respeitar a Constituição”, completou Henrique Pires.
CENSURA
Ao antecipar a suspensão dos recursos para as produções, Bolsonaro afirmou que filmes com a temática LGBT são “dinheiro jogado fora”. Segundo ele, “não tem cabimento fazer um filme com esse tema”.
Bolsonaro afirmou ter garimpado, na Ancine, filmes que estariam prontos para captar recursos, e falou em uma lista com dezenas de projetos que já teriam sido “abortados” por ele. Destacou quatro filmes que, segundo ele, estão entre os que “foram para o saco”.
Todos os projetos citados por Bolsonaro são finalistas de um edital de produção de conteúdo para TVs públicas de 2018, da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), Ancine e BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul). Dos quatro destacados, três concorrem na categoria Diversidade de Gênero e o outro no tema Sexualidade. Todos foram classificados para a final, em março deste ano.
O diretor de um dos projetos, Emerson Maranhão disse, em entrevista ao UOL, que lhe chamou a atenção o equívoco do presidente, que se referiu ao projeto como sendo de um filme para o cinema. “Na realidade é uma série para TV, em cinco episódios, assim como quase todos os outros”.
O diretor alerta ainda que o resultado final do edital ainda não foi divulgado. Maranhão teme não poder realizar seu projeto de série e questiona o fato de Bolsonaro comentar o resultado de um edital que não foi anunciado oficialmente. “Quer dizer que ganhamos, mas não levamos?”, indaga o diretor. “E o mais surreal é a razão do veto ser justamente por abordar o tema obrigatório para disputar a categoria”.
EDITAL
Outro ponto que chama atenção é que, para censurar as produções, o governo suspendeu todo o “Edital de Chamamento para TVs Públicas, com recursos públicos do Fundo Setorial do Audiovisual – FSA”.
Segundo o argumento do ministro da Cidadania, Osmar Terra, a suspensão se dará por um prazo de 180 dias, que pode ser prorrogado por igual período, “em razão da necessidade de recompor os membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual”.
A portaria nº 1.576 determina ainda a ”revisão dos critérios e diretrizes para a aplicação dos recursos do FSA, bem como que sejam avaliados os critérios de apresentação de propostas de projetos, os parâmetros de julgamento e os limites de valor de apoio para cada linha de ação”.
Segundo especialistas do setor, o edital suspenso era um dos mais importantes do FSA, pois, além de produzir conteúdo para as TVs comunitárias, educativas, etc., permite que as pequenas produtoras iniciantes iniciem sua participação no mercado audiovisual.