
Perseguição macartista só irá acelerar a evasão de cérebros e acelerar a decadência dos EUA
A caça às bruxas macartista nas universidades dos EUA instalada sob o governo Trump – que estava centrada na perseguição aos estudantes e professores contrários ao genocídio em Gaza – sofreu nova escalada na quarta-feira (28), com o secretário de Estado Marco Rubio anunciando que Washington começará a revogar “agressivamente” os vistos de estudantes chineses, supostamente por causa de “vínculos com o Partido Comunista Chinês” ou por pesquisas em “áreas sensíveis”.
A perseguição aos estudantes chineses, disse Rubio, será executada conjuntamente com o Departamento de Segurança Interna, o Homeland, encarregado da deportação em massa apregoada por Trump.
A porta-voz da diplomacia chinesa, Mao Ning, afirmou na quinta-feira (29) que Pequim se opõe firmemente à decisão de Washington de revogar vistos de estudantes chineses e protestou contra a decisão.
Mao afirmou que a medida é “injustificada” e usa “ideologia e segurança nacional” como pretexto. Fere gravemente os direitos e interesses legítimos de estudantes internacionais da China e interrompe o intercâmbio interpessoal entre os dois países, acrescentou.
A porta-voz enfatizou que essa medida “politicamente motivada e discriminatória expõe a hipocrisia dos EUA em relação à liberdade e à abertura”, apontando, ainda, que prejudicará ainda mais “a imagem e a reputação dos EUA”.
O Departamento de Estado também anunciou que passará a vigiar as redes sociais dos estudantes estrangeiros. No mundo inteiro, estão suspensas as entrevistas para novas concessões de vistos a estudantes.
Note-se que, em paralelo à recidiva macartista nas universidades, o governo Trump acaba de proibir exportações de software para desenvolvimento de chips e de peças de avião para a China. Ou seja, dando mais uma volta no parafuso da guerra contra o desenvolvimento tecnológico da China.
HARVARD NA MIRA
Também na quinta-feira a juíza Allison Burroughs, que já bloqueara liminarmente a proibição, por Trump, dos estudantes estrangeiros em Harvard, a mais tradicional e prestigiosa universidade dos EUA, decidiu manter o veto até que as duas partes apresentem seus argumentos, para dar “alguma proteção aos estudantes internacionais”, que continuam matriculados ou tendo direito a se matricular em Harvard.
A proibição, referente a 7.000 estudantes estrangeiros de Harvard — um em cada quatro alunos da universidade —, foi anunciada na quinta-feira (23) pelo Departamento de Segurança Interna. O Homeland enviou à universidade uma notificação sobre a revogação da certificação de Harvard no Programa Federal de Estudantes e Visitantes de intercâmbio – a licença de matricular e manter estudantes e professores estrangeiros, dando 30 dias para resposta.
Segundo a diretora do serviço de imigração de Harvard, Maureen Martin, a investida do governo Trump tem aterrorizado a comunidade universitária, com estudantes com medo de participar da formatura, de serem separados de suas famílias nos EUA ou deportados, enquanto alguns tentam se transferir de escola, sob pressão do governo. Planos de visitar a família vêm sendo cancelados, diante dos relatos de que quem tem visto de Harvard está passando por triagem extra em aeroporto na volta aos EUA.
De acordo com relatos da mídia, com medo de perder o visto, estudantes estrangeiros apagaram seus perfis nas redes sociais, excluem grupos de Whatsapp, deixam de participar de atividades extracurriculares e evitam sair de casa.
A perseguição aberta a Harvard se dá diante da negativa de sua Reitoria negar-se a coonestar com o ataque a estudantes e movimentos de protesto dentro da universidade contra a barbárie israelense sobre os palestinos da Gaza, desobedecendo aos ditames de Trump de considerar o repúdio ao genocídio de “antissemitismo” e que, portanto, devem ser proibidos e seus líderes expulsos do Campus.
“MURO DE VISTOS”
Especialistas entrevistados pelo jornal chinês Global Times advertiram que a politização do intercâmbio educacional apenas minará os fundamentos da colaboração acadêmica e corroerá a competitividade americana.
Para o diretor do Centro de Estudos Americanos da Universidade Fudan, Wu Xinbo, a medida é uma clara continuação – e escalada – da estratégia de pressão do governo Trump sobre a China. Ela reflete uma tentativa dos EUA de erguer um “muro de vistos” e interromper o intercâmbio entre pessoas, ao mesmo tempo em que se coordena com ferramentas de contenção mais amplas, como proibições à exportação de tecnologia.
“À medida que o fluxo de estudantes chineses — uma fonte essencial de talentos globais — diminui, os EUA correm o risco de corroer sua competitividade em pesquisa e inovação”, ele observou. São 275.000 estudantes chineses nos EUA, a segunda maior comunidade universitária estrangeira, só atrás da Índia.
EVASÃO DE CÉREBROS REVERSA
Sob o macartismo 2.0, o fenômeno que caracterizou o mundo unipolar sob Washington, a evasão de cérebros para os EUA, está mudando de mão. Ao portal UOL, um cientista brasileiro que está deixando Boston, junto com a esposa pesquisadora, rumo à Escandinávia, disse se sentir “como alguém fugindo de um regime fascista”. “Estou empacotando a casa”.
Diante das políticas hostis à ciência e à liberdade acadêmica, mais o indisfarçável macartismo e até prisões dentro dos campi perpetradas por agentes da imigração, acelerou-se o fluxo dos cientistas que abandonam os EUA, rumo a ares mais saudáveis, em meio ao clima de medo e perplexidade.
Pesquisadores e estudantes foram orientados a apagar de celulares quaisquer registros que pudessem servir de pretexto ao trumpismo e para não reagir a provocações de esbirros da imigração.
Tornou-se comum o cancelamento de viagens a conferências internacionais e a autocensura na apresentação das pesquisas. Professores deixaram de viajar de férias, temendo não conseguir entrar de volta. Os cortes de verbas paralisaram dezenas de pesquisas.
No caso da China, a evasão de cérebros reversa já acontecia há mais tempo, mas está sendo acelerada sob Trump. Somente entre 2010 e 2021, quase 20.000 cientistas nascidos na China deixaram os Estados Unidos, registrou o portal Ásia Times. Desde então essa tendência se intensificou. Além disso – assinalou -, esses não são alunos comuns de pós-graduação e mestrado, havendo entre eles cientistas de renome internacional.