
A vacina BCG, que previne contra a tuberculose, está em falta em municípios brasileiros. O problema já era previsto, mas o Ministério da Saúde preferiu recomendar o “racionamento das doses” ao invés de tomar medidas para evitar a crise.
Pelo menos 14 estados afirmaram, em nota, que receberam um ofício do Ministério da Saúde no final de abril informando a diminuição do quantitativo das doses da vacina. No documento, a pasta alega que a queda no número das remessas acontece por conta da “disponibilidade limitada” e das “dificuldades na aquisição” do imunizante.
Estima-se que o estoque caia de 1 milhão de doses repassadas por mês a cada estado, em média, para 500 mil.
Para piorar, o ofício também pontuou que a instabilidade na quantidade dos lotes entregues pode perdurar por sete meses.
Antes da redução, o quantitativo médio disponibilizado por mês para cada estado era de cerca de 1 milhão de doses. Segundo o ofício enviado pelo Ministério da Saúde, a “readequação” dos lotes passou a prever aproximadamente 500 mil vacinas mensalmente.
ALERTA
Entidades médicas e científicas brasileiras alertaram, em uma carta enviada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) no domingo (29), para a falta da vacina BCG no país, que protege contra a tuberculose.
O documento é assinado pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose REDE-TB e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).
“Lamentavelmente, mais uma vez no Brasil, o fornecimento da vacina BCG diminuirá nos próximos meses por questões logísticas e de importação do Ministério da Saúde, já que a produção brasileira do imunizante está suspensa”, criticam as entidades.
As sociedades também destacaram que dados do DataSUS apontam que a cobertura vacinal da BCG neste ano está em torno de 40% – com dados ainda pendentes de revisão e considerando a última atualização até o dia 29.
A cobertura considerada ideal para a vacina é de no mínimo 90%, segundo as entidades. Até 2018, esse percentual ficava próximo dos 100%.
Segundo as sociedades, o Brasil caminha na direção contrária do que deveria ser o esforço para ampliar a proteção vacinal. “Em um momento de baixas coberturas, quando os esforços deveriam ser para ampliação dos estoques e da busca ativa das crianças para aumentar a cobertura vacinal, a orientação do Ministério da Saúde vai em via contrária. A aplicação precoce do imunizante, imediatamente após o nascimento, é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS)”, reforçam as associações.
O Ministério da Saúde alega que a redução foi feita por conta da tramitação do processo de aquisição, que envolve compra, as questões alfandegárias e autorização pela Anvisa para a entrada do produto no país, que posteriormente é enviado para análise do controle de qualidade do INCQS antes de ser distribuído para as salas de vacina de todo o país.
“A falta dessa vacina no momento em que a gente já apresenta baixas taxas de coberturas, em torno de 70% hoje das crianças, isso preocupa. E é claro, a gente torce, torce muito para que o Programa Nacional de Imunizações consiga encontrar a vacina no mercado internacional. O que parece que não está fácil”, disse a vice-presidente da Sbim, Isabella Ballalai.
DESABASTECIMENTO
As secretarias confirmam que receberam menos imunizantes, mas informam que ainda não há desabastecimento por falta da doses, o que não se aplica ao Rio de Janeiro. Moradores de Japeri, na Baixada Fluminense, não estão encontrando o imunizante nos postos de saúde.
A Secretaria Municipal de Saúde do Rio informou que recebeu, na última semana, 20 mil doses da BCG. Mas disse que essa quantidade não é suficiente para atender a demanda do município.
Os órgãos estaduais de saúde já registram a redução dos imunizantes. No Espírito Santo, por exemplo, o lote mais recente chegou com 60% do quantitativo usual.
Coordenadora do Programa Estadual de Vigilância das Doenças Imunopreveníveis (PEI) no ES, Danielle Grillo, diz que o comunicado do Ministério foi recebido com surpresa. “Essa situação nos preocupa porque estamos trabalhando para melhorar a cobertura vacinal, mas ter uma redução de vacina é prejudicial, por mais que tenhamos estratégias diferenciadas”, diz Danielle.
O estado do Maranhão também confirmou que a remessa o mês de maio foi menor do que os anteriores.
Já as secretarias de Mato Grosso, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Santa Catarina afirmaram que emitiram aos municípios a orientação para que controlem o uso dos frascos, para que não haja desperdício. Além disso, passem a oferecer a vacinação somente em locais selecionados, em alguns casos com agendamento. A mesma orientação se aplica aos municípios capixabas, conforme explicou Danielle Grillo.
Em 2019, a BBC News Brasil mostrou que 12 Estados tiveram que racionar o imunizante para garantir a vacinação e que a Onco BCG, imunoterapia feita com a mesma base da BCG, mas usada para tratamento do câncer de bexiga, estava em falta no país.
Desde 2016, a única fábrica nacional que produz a BCG e a Onco BCG, pertencente à Fundação Atalpho de Paiva (FAP), no Rio de Janeiro (RJ), sofreu sucessivas interdições da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) —e, a partir daí, o fornecimento da vacina no país passou a ficar intermitente.
O coeficiente de incidência da tuberculose no Brasil é de 32 casos por 100 mil habitantes. O Brasil integra a lista de países prioritários para o enfrentamento à doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
“A taxa de cobertura vacinal vem caindo ano após ano. O baixo número de imunizações colabora para que o Brasil continue fora da lista de países que alcançam a meta de imunização infantil”, completam, lembrando que o PNI é referência mundial por oferecer as vacinas gratuitamente, pelo SUS.
Os dados divulgados na edição mais recente do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde informam que cerca de 68 mil pessoas adoeceram por tuberculose em 2021. Em 2019, foram notificados cerca de 4,5 mil óbitos pela doença, com um coeficiente de mortalidade de 2,2 óbitos por 100 mil habitantes.
No Brasil, a recomendação é para que a vacina seja aplicada nos primeiros dias de vida, mas pode ser administrada até os quatro anos de idade da criança.