De julho a setembro, as famílias brasileiras abandonaram no carrinho de compras 285 mil itens por falta de dinheiro, entre os quais leite, óleo de soja, açúcar, café e arroz. Uma alta de 63,32% na comparação com o mesmo período do ano passado
Rendas incompatíveis com os preços dos produtos, sobretudo dos alimentos, têm feito com que cada vez mais consumidores abandonem itens na boca do caixa dos supermercados. Uma pesquisa encomendada pelo O Globo aponta que, entre julho e setembro deste ano, a quantidade de produtos que são deixados para trás cresceu 63,32% em relação ao mesmo período do ano passado. Foram mais de 285 mil produtos abandonados no carrinho.
Mesmo espremendo o orçamento e cortando itens da lista habitual de compras, a carestia continua surpreendendo os consumidores que, na hora de pagar, não conseguem fechar a conta. Exemplificando que a situação só piorou este ano, a pesquisa aponta que, no mesmo período do ano passado, a quantidade de itens deixados pelos consumidores foi de 174 mil.
O grupo alimentação e bebidas teve inflação de 9,54% no acumulado do ano até setembro, e comer em casa ficou 13,3% mais caro nos últimos 12 meses, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE. De acordo com o instituto, os preços dos alimentos recuaram 0,5% (pela primeira vez no ano em setembro), o que é insignificante perto do aumento acumulado nos últimos meses.
Leite, açúcar, óleo, café, arroz e cerveja são alguns dos itens mais devolvidos nos supermercados. Alguns deles tiveram aumentos absurdos no último período, como é o caso do leite, que acumula alta de 37% em 12 meses. Outros, como a cervejinha, passaram a ser item de luxo e são deixados para dar lugar a itens essenciais.
“O consumidor está deixando de levar porque não tem condições. E a inflação tem a ver com isso”, diz Juliano Camargo, CEO da Nextop, empresa responsável pela pesquisa.
O economista Luis Otávio Leal, economista-chefe do banco Alfa, registra que as famílias ficam desprevenidas diante da velocidade e constância do aumento dos preços. “Fazia tempo que não víamos uma alta de preços nessa velocidade, por isso surpreende. A pessoa não vai preparada para gastar aquele dinheiro todo no supermercado, porque os preços de alguns itens já haviam aumentado da última vez que ela foi”.
Além de desistir das compras, outra grande parcela da população passou a se endividar para colocar comida na mesa e não engrossar o contingente de famintos que o governo Bolsonaro tenta esconder.
Atualmente, 79,3% da população adulta brasileira está endividada, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio, e mais de 40% não puderam pagar as contas e estão com o nome negativado – um total de 64,25 milhões de brasileiros, segundo a Confederação Nacional dos Diretores Lojistas.
Os institutos de pesquisa apontam que boa parte do crescimento do endividamento e inadimplência se deve ao fato das famílias terem passado a usar o cartão de crédito ou empréstimos para as compras essenciais.
“Se você usa o cartão de crédito para as compras no supermercado e ainda parcela essas compras, o que tem que pensar é: as parcelas vão continuar vindo na fatura, mas as compras de alimentos que você fez provavelmente já vão ter acabado”, diz Aline Soares, especialista em educação financeira.
A situação é agravada pelos juros elevados. “As famílias estão pagando mais juros do que há um ano, então se torna cada vez mais difícil equilibrar as contas, isso impacta sobretudo as famílias de baixa renda”, declarou Guilherme Dietze, assessor econômico da Fecomercio-SP, à reportagem de O Globo.
O preço de uma cesta básica de alimentos, em setembro, chegou a R$ 750 em São Paulo, segundo pesquisa do Dieese. Em média, o gasto com a cesta básica nas 17 capitais pesquisadas consome cerca de 60% do salário-mínimo atual.
O levantamento foi realizado em 982 supermercados de pequeno e médio portes, que tiveram faturamento de R$ 2,5 bilhões no terceiro trimestre.
Em agosto, a Nextop divulgou uma pesquisa mostrando que, entre janeiro e junho deste ano, 4,997 milhões de itens foram abandonados. Um volume quase 16,5% maior que o do primeiro semestre de 2021, ou 704,9 mil itens a mais no período de produtos deixados pelos consumidores na boca do caixa.