Ele afirmou na Inglaterra que o Brasil não tem credibilidade para ter juros decentes e foi contestado por empresários, governadores e pelo presidente do Senado
Na Lide Brazil Conference, realizada na Inglaterra, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central (BC), voltou a defender que os brasileiros continuem sendo os maiores pagadores de juros reais do mundo. O Brasil tem uma taxa Selic de 13, 75%, ou um juro real – descontada a inflação – de 8%.
“A economia não gira em torno da Selic”, disse Campos Neto, nesta sexta-feira (21), sendo contestado por empresários, governadores e pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que afirmaram que a alta taxa de juros impede o crescimento do Brasil e precisam cair “imediatamente”.
Além do senador Rodrigo Pacheco, também se manifestaram pela redução dos juros os governadores Renato Casagrande (PSB-ES), Helder Barbalho (MDB-PA) e Cláudio Castro (PL-RJ).
Desconsiderando que a Selic alta está provocando uma hecatombe sobre o setor produtivo, nas empresas que dependem do capital de giro, Campos Neto respondeu que só 20% do crédito é ligado à Selic. “O que move o Brasil não é a taxa de juros de um dia, é a taxa de juros de três, cinco, dez anos. Para fazer que a queda da Selic gere um movimento de queda prolongada de juros, precisa ter credibilidade. O Banco Central está esperando o melhor momento para fazer para que isso tenha um ganho real para as pessoas. A economia não gira na Selic”, disse Campos Neto.
Para justificar a Selic sufocando a economia, Campos Neto recorre à narrativa da falta de credibilidade das contas públicas, o falacioso “risco fiscal”. O economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, afirma que o Brasil está muito bem do ponto de vista fiscal e não há descontrole algum da dívida pública.
Para o economista, a manutenção dos juros altos e a ata do Copom são “expressões impressionantes da arrogância do BC, que extrapolou sua competência e suas atribuições jurídicas”. “Dependendo da definição, a dívida pública é 45% do PIB. É alto? Não. Depende, é relativo. Tem países com dívidas, ao longo da história, há dívidas perto de 200% do PIB, como o Japão. “EUA têm mais de 100% do PIB, Itália 100%. No caso da dívida brasileira, ela é 93% detida por residente brasileiros e é integralmente emitida em real. Se o Brasil tivesse dívida em dólar seria um problema”, observou.
Sobre a taxas de juros de longo prazo consideradas em títulos bancários, como o CDI (Certificado de Depósito Interbancário), a economista Monica de Bolle comentou: “as taxas longas, que não tem liquidez nenhuma, que praticamente não existe atividade transacional nestes mercados… e portanto, claro que em um momento qualquer, quaisquer taxas de juros estarão valendo nestes horizontes para estes mercados em particular – essas taxas de juros não querem dizer absolutamente nada – o Brasil não tem uma curva de juros de longo prazo, declarou a economista, após a entrevista em que Campos Neto cedeu ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em fevereiro deste ano.
Crítica dos juros altos e do fiscalismo exacerbado das contas públicas, Monica de Bolle escreveu recentemente que o Banco Central penetrou no Multiverso. Ao analisar o resultado da decisão da última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, a economista observou que “apesar de afirmar que há riscos em ambas as direções, isto é, riscos de inflação mais alta e riscos de inflação mais baixa, não há um julgamento sobre qual o cenário mais provável. Tampouco há um julgamento sobre qual das duas possibilidades traria maiores danos à economia brasileira. Ou seja, o Banco Central cita os resultados de seus modelos, mas não os interpreta à luz da decisão sobre a política monetária”, avaliou a economista, que acrescentou.
“Apesar de todas as considerações tecidas e apresentadas, inclusive a avaliação de que há riscos de desinflação adicionais condicionados ao já elevado patamar dos juros, estão descartadas as possibilidades de redução da Selic. Não há nexo. A impressão que dá é a de que o Banco Central está monitorando duas linhas do tempo distintas no multiverso, mas apenas se importa com uma delas”, argumentou a economista.
De fato, o presidente do Banco Central aparenta viver em dissintonia com a realidade. Durante sua exposição em Londres, Campos Neto voltou a afirmar que os juros são altos no Brasil por conta do crédito direcionado dos bancos públicos.
O crédito para investimentos, em grande parte, por meio de operações diretas e repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Banco do Brasil, Caixa federal, entre outros, bancos públicos foi o que garantiu até agora que as empresas e a economia do país não caíssem em ruínas, como destacou o vencedor do prêmio Nobel de Economia em 2001 e professor da Universidade de Columbia (EUA), Joseph Stiglitz.
“A taxa de juros de vocês é de fato chocante. Os números que vocês estão falando é de 13,75%, ou 8% (de juros) real, é tipo de taxa de juros que vai matar qualquer economia. Eu acho impressionante que o Brasil tenha sobrevivido, o que seria de fato uma pena de morte. Eu acho que vocês têm conseguido sobreviver a esse tipo de alta taxa de juros é porque vocês têm bancos de desenvolvimento estatais. Porque o BNDES historicamente tem feito muito com essas altas taxas de juros, tem oferecidos fundos às empresas produtivas, para investimentos de longo prazo com baixos juros”, observou o economista.
Campos Neto abriu fogo contra o financiamento dos bancos públicos à agricultura, por exemplo, que garantiu que os preços dos alimentos não disparassem ainda mais diante dos problemas climáticos dos últimos anos, além dos choques negativos de oferta aos insumos agrícolas, entre outros problemas que afetaram a agricultura brasileira. Ele também está abrindo fogo direto contra a retomada da reindustrialização do Brasil, que está sendo alavancada pelo BNDES, que depois de quatro anos paralisado no governo de Bolsonaro, está voltando neste ano a exercer a sua função histórica.
“Esse sujeito é um idiota confiante”, escreveu o economista José Luis Oreiro, professor da UnB, nesta semana, referindo-se a Campos Neto. “O que ele quer? Tirar o financiamento do Banco do Brasil para a agricultura? Para, então, o preço dos alimentos disparar?”. “Está repetindo a mesma ladainha do Joaquim Levy em 2014”. “O Banco Central está querendo acabar com o financiamento habitacional”, denunciou o professor da UnB. “Aí o investimento residencial despenca”, destacou o economista.