As áreas de cultivo de arroz e feijão têm sido substituídas pela monocultura de soja. Dos anos 70 para cá, perdemos 35% das áreas de cultivo de feijão e mais de 60% das de arroz. Bolsonaro não garante abastecimento
Paulo Guedes vem afirmando que a economia brasileira “está levantando voo”. Alguns consideram que ele é um alucinado que está vivendo num mundo paralelo, sem nenhum contato com a realidade. Isto é verdade porque, na real, só o que está subindo, e muito, no país é a inflação e a fome.
Alimentos e gasolina lideram a alta dos preços e um dos problemas mais graves que decorre destes aumentos frenéticos é a disparada da fome dos brasileiros.
Uma das causas da elevação geral dos preços é a dolarização dos combustíveis, fruto da política equivocada de preços adotada pela direção da Petrobrás. Os alimentos também dolarizados seguem a alta e não param de subir, mesmo os que são produzidos dentro do país. A inflação já está nos dois dígitos enquanto a renda da população não para de cair.
Os aumentos dos combustíveis são provocados pelos interesses dos importadores dos derivados que impõem ao governo a política de paridade com os preços internacionais, muito mais altos do que os preços internos da Petrobrás, acrescidos dos custos de importação. Eles se aproveitam da falta de investimentos do governo em refino e da crescente dependência do país à importação desses produtos para impor preços ainda mais abusivos.
Já os alimentos estão subindo não só pela dolarização, mas também pela total ausência do governo na regulação de estoques para garantir o abastecimento e o combate à especulação. Os exportadores estão ganhando muito dinheiro com a alta do dólar e concentram-se nas vendas externas. Por ter um mercado internacionalizado, com negociação de contratos futuros, a soja acaba sendo mais segura para os produtores do que gêneros básicos como o feijão, que se restringem basicamente ao mercado interno.
Esta situação está provocando a redução de áreas plantadas dos produtos comumente consumidos pelos brasileiros, o que acaba provocando a sua escassez e a alta nos preços. Em paralelo, os grandes investimentos feitos pelo setor privado no melhoramento de sementes, por exemplo, aumentaram a produtividade da commodity exportada. Assim, além de menos arriscada, esta cultura é mais rentável, especialmente em momentos como o atual, em que o dólar está nas alturas.
O Instituto Brasileiro de Feijão e dos Pulses (leguminosas secas)- IBRAFE- explica o problema. Com a produção “no limite” e sem estoques públicos, o país passa a depender cada vez mais das importações. Na prática, sem “amortecedor”, os choques de preços são repassados de forma muito mais direta aos consumidores. O brasileiro de baixa renda está sendo forçado a diminuir o consumo desses ingredientes.
“O feijão compete com cadeias produtivas mais organizadas”, diz Marcelo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), em reportagem à BBC. O Ibrafe tem sede no Paraná, um dos Estados que hoje concentra a produção do grão no país, ao lado de Minas Gerais, Mato Grosso e Bahia.
“Soja e milho são negociados lá fora, têm preço futuro já fixado, o produtor já sabe qual vai ser seu custo. Existe toda uma cadeia de empresas multinacionais e nacionais que fomentam e auxiliam a produção, com acesso a defensivos, fertilizantes, financiamento”, reitera Marcelo Lüders.
“Nos últimos anos, o país vem desmontando uma série de políticas de segurança alimentar e nutricional que poderiam ser usadas para tentar amortecer os aumentos de preços aos consumidores”, diz o agrônomo José Graziano da Silva, que dirigiu a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) entre 2012 e 2019.
“A FAO recomenda que um país tenha pelo menos três meses de estoque dos seus produtos básicos, especialmente daqueles produtos que sejam sensíveis a quebras de safra e que tenham dificuldade de importação, que é o caso do feijão – e nós temos zero de estoque”, acrescenta Graziano.
O resultado deste quadro de descontrole governamental e estímulos à exportação é a redução da plantação de alimentos básicos, como arroz e feijão, por exemplo. No Brasil, as áreas de cultivo de arroz e feijão têm sido substituídas pela monocultura de soja. Dos anos 70 para cá, perdemos 35% das áreas de cultivo de feijão e mais de 60% das de arroz. Enquanto isso, a soja mais que quintuplicou seu espaço, indo de 6,9 milhões de hectares para os atuais 38,9 milhões.
A redução da área plantada e a consequente estagnação da produção ajudam a explicar por que o prato feito do brasileiro encareceu tanto nos últimos meses. Com a produção “no limite” e sem estoques públicos, o país passa a depender cada vez mais das importações. Na prática, sem “amortecedor”, os choques de preços são repassados de forma muito mais direta aos consumidores.
“Arroz e feijão são dois alimentos essenciais na dieta dos brasileiros. Como a quantidade produzida hoje é muito próxima da tendência de consumo, qualquer alteração de safra, vulnerabilidade climática gera instabilidade”, avalia Catia Grisa, professora dos programas de pós-graduação em Desenvolvimento Rural e Dinâmicas Regionais e Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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